Ministério da Saúde Fundação Oswaldo Cruz Casa de Oswaldo Cruz Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (Doutorado) JACQUELINE RIBEIRO CABRAL SACRAMENTADA PELA FÉ: DISCURSO CATÓLICO SOBRE A CIÊNCIA NO BRASIL DO SÉCULO XX (1921-1942) RIO DE JANEIRO DEZEMBRO - 2011 2 JACQUELINE RIBEIRO CABRAL SACRAMENTADA PELA FÉ: DISCURSO CATÓLICO SOBRE A CIÊNCIA NO BRASIL DO SÉCULO XX (1921-1942) Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor. Área de concentração: História das Ciências. Orientadora: Profª Drª Magali Romero Sá RIO DE JANEIRO DEZEMBRO - 2011 3 C117 Cabral, Jacqueline Ribeiro .. .... Sacramentada pela fé: discurso católico sobre a ciência no Brasil do século do século XX (1921-1942) / Jacqueline Ribeiro Cabral – Rio de Janeiro : [s.n.], 2011. 211 f . Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) -Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2011. Bibliografia: 145-175 f. 1. Ciência. 2. Religião. 3. História. 4. Publicações periódicas como assunto. 5. Educação. 6. Igreja. 7. Brasil. CDD. 261.55 4 JACQUELINE RIBEIRO CABRAL SACRAMENTADA PELA FÉ: DISCURSO CATÓLICO SOBRE CIÊNCIA NO BRASIL DO SÉCULO XX (1921-1942) Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor. Área de concentração: História das Ciências. Aprovada em janeiro de 2012. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Profª Drª Magali Romero Sá - Orientadora Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ________________________________________ Profª Drª Isabel Lustosa Fundação Casa de Rui Barbosa ________________________________________ Prof. Dr. João Marcus Figueiredo de Assis Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) ________________________________________ Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ________________________________________ Profª Drª Maria Rachel Fróes da Fonseca Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ________________________________________ Prof. Dr. Carlos Alvarez Maia - Suplente Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ________________________________________ Profª Drª Lorelai Brilhante Kury - Suplente Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) 5 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Fig. 1 - Capa da revista A Ordem de 1932 ...............................................................75 Fig. 2 - Anúncio do ICES em 1934 ...........................................................................76 Fig. 3 - Anúncio do ICES em 1936 ...........................................................................77 Fig. 4 - Anúncio das Faculdades Católicas em 1941 ...............................................78 Fig. 5 - Quadro “Temperamento e caráter segundo santo Alberto Magno e Pende”.....................................................................................................................137 6 LISTA DE ANEXOS Anexo 1 - Centro Dom Vital ....................................................................................176 Anexo 2 - Estatutos do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro ..................................178 Anexo 3 - Coligação Católica Brasileira .................................................................185 Anexo 4 - Ação Católica Brasileira .........................................................................204 7 À Tatiana Bukowitz, pelo afeto incondicional e pelo entusiasmo de sempre. Na impermanência de todas as coisas, devo-te meu permanecer por aqui... 8 AGRADECIMENTOS Após mais de quatro anos de formação no curso de doutorado, este é o momento deixar registrada a minha profunda gratidão a pessoas e instituições que estiveram direta ou indiretamente envolvidas na realização deste trabalho. Sem nenhum exagero no uso da expressão, foi um verdadeiro ‘divisor de águas’ no curso da minha história, tempo de profundas transformações em que até o objeto da minha pesquisa foi alterado já na metade do caminho. Deixando de lado a trajetória do cientista Carlos Chagas Filho como primeiro leigo a ocupar a presidência da Academia de Ciências do Vaticano, resolvi me debruçar sobre o discurso científico da longeva e ainda ativa revista A Ordem, principal órgão do Centro Dom Vital – embrião da atual Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) –, conferindo contornos mais nacionais ao meu projeto original. De qualquer forma, Chagas Filho também foi um dos colaboradores do movimento laico católico, aqui estudado, como articulista e professor de biologia experimental dentro e para além do recorte cronológico da tese. Fora essas mudanças propriamente relativas à pesquisa, outros acontecimentos decisivos agitaram bastante os últimos anos. Foi um período em que minha mãe enfrentou as contrariedades de uma doença rara, mas teve ao seu lado a competente equipe de médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem do Hospital Graffée e Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Quero deixar aqui meu muito, muito obrigada mesmo pela atenção a ela dispensada pelo dr. Bruno Nunes para além de seu expediente habitual. Em paralelo ao doutorado, a UNIRIO também está presente na minha vida desde 2008, quando prestei o vestibular para Arquivologia. Meu agradecimento ao professor Flávio Leal, e à historiadora, museóloga e colega de graduação Elizabete Delamarque, pelo apoio que ambos têm me prestado nas atividades acadêmicas desenvolvidas naquele pequeno centro humanístico em franca expansão no delicioso bairro da Urca. À Fundação Oswaldo Cruz, devo o imprescindível apoio financeiro para o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço ainda a todos os funcionários da Casa de 9 Oswaldo Cruz, em especial ao pessoal do arquivo, da biblioteca e da secretaria pelo suporte logístico, e a todo quadro docente do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, pela oportunidade de aprendizado, particularmente ao professor Jaime Larry Benchimol, que foi como um pai em circunstâncias cruciais. À minha querida orientadora, Magali Romero Sá, por todo estímulo, paciência e compreensão, meu grande e renovado apreço. A todos os meus colegas de turma, especialmente a André Felipe Cândido da Silva, Márcio Magalhães de Andrade e Miriam Elvira Junghans, pelo carinho e atenção. Meu reconhecimento todo singular a Vanderlei Sebastião de Souza, que me abriu as portas de sua casa em Santa Teresa para juntos dividirmos o mesmo teto quando eu estava em apuros. Outras pessoas e instituições me acompanharam de perto durante esse período. Quero agradecer de forma particular aos que me receberam diariamente e facilitaram meu trabalho de consulta à revista A Ordem ao longo de muitos meses: Júlio César Mendonça Ferreira, Kátia Marquet e Verônica Sodré, todos funcionários da Academia Brasileira de Letras, e dona Modesta Nascimento, do Centro Dom Vital. Aos meus familiares, que se resumem ao meu irmão e à minha mãe, pelo apoio moral de todas as horas, pelo amparo emergencial em várias ocasiões e pelas incessantes novenas à terceira pessoa da Divina Trindade. Mais do que os outros, vocês estão comigo desde o início... Graças à Adriane dos Santos Silva e Pedro Galdino, consegui o aporte material que estava buscando nos últimos meses. O estágio nas dependências da Eletrobrás Termonuclear S/A, empresa das Centrais Elétricas Brasileiras (Eletronuclear-Eletrobrás), era justamente o que faltava para dar boa continuidade à minha carreira arquivística e para terminar as últimas páginas da tese. Aos amigos e amigas muito queridos que toleraram minhas crises sem nunca deixarem de me motivar. O inventário do coração é sempre mais preciso que o da memória, mas vou arriscar escrever aqui alguns nomes que, por motivos diversos, me são muito preciosos: Ana Lúcia Portilho, Ana Paula Cruz, André Sena, Daiana Crús, Juliana Varga, Leonardo Skinner, Letícia Cunha, Maria Christina Monteiro, Renata Giovanella, Thereza Fischer e Wagner Brandi. À Viviane Visentin publicitária e decoradora de mão cheia, toda minha admiração pela capacidade 10 ímpar de transformar dor em riso e pelo raríssimo dom do acolhimento. Sorte a minha ter te encontrado, Vivi! Ao lado de Wanja Mayerhofer, e depois de Inah Garritano, experimentei o afeto e a cumplicidade como nunca antes. Trata-se mesmo de ‘afinidades eletivas’ como princípio da química que diz que certas substâncias são por natureza destinadas a se combinarem com outras, mesmo sendo tão diferentes. Não tenho palavras para expressar o quanto cada uma, a seu tempo, foram importantes para mim. Quase todo trabalho solitário de redação da tese foi feito na presença atenta do meu pequeno companheiro de quatro patas, Guinho. Enquanto viveu, ele foi a companhia perfeita que transitava felina e silenciosamente por entre livros e papéis, como diria Carlos Drummond de Andrade. Finalmente, mas não menos importante, agradeço à banca examinadora pela possibilidade de discussão da tese e suas contribuições críticas. De modo especial, agradeço também a todos os santos e santas de Deus, canonizados ou não e de todas as crenças do bem e da paz, a quem recorri meditando e orando mesmo com pouca fé, muito obrigada pela proteção, pelo restabelecimento da minha saúde e por ter chegado até aqui. Vez por outra as pessoas do monsenhor José Roberto Devellard, do padre Luís Corrêa Lima e de outros anjos terrenos me lembram da existência de um mundo além das leis naturais. 11 O conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural. Carlo Ginzburg, Mitos, emblemas e sinais (1990; p. 147) Da terra Deus criou o homem, e para ela o fez voltar novamente. Concedeu aos homens dias contados e tempo medido, e deu-lhes poder sobre todas as coisas que existem na terra. Revestiu-os com a sua própria força e os criou à sua imagem... Deu-lhes discernimento, língua, olhos, ouvidos e mente para pensar. Encheu- os de ciência e de inteligência, e também mostrou-lhes o bem e o mal... Concedeu aos homens a ciência e lhes entregou como herança a lei da vida. Fez com eles uma aliança eterna e deu-lhes a conhecer suas sentenças. Os olhos dos homens contemplaram a grandeza de Deus, e seus ouvidos ouviram a majestade de sua voz. E disse a eles: “Cuidado para não cometer injustiça!” E ordenou que cada um se preocupasse com o próximo. BÍBLIA, “Eclesiástico”, Antigo Testamento (cap. 17, vers. 1-12) 12 RESUMO O principal objetivo deste trabalho é analisar as diferentes concepções sobre ciência no pensamento da Igreja através das páginas da importante revista católica brasileira A Ordem, num mundo que presenciou profundas mudanças na relação entre fé e razão, com a aparente vitória de uma perspectiva mais secular sobre a vida. A pesquisa também abrange a percepção das propostas pedagógicas do grupo de intelectuais que escreveram no periódico com vistas à elaboração de um programa educacional para o país, quando predominava o debate pela ampliação do ensino público, gratuito, técnico, profissionalizante e, a princípio, não-confessional. A aproximação com o tema da educação se insere no quadro de uma ampla abordagem também sobre o conhecimento científico, no período compreendido entre as décadas de 1920 e 1940. Palavras-chave: Igreja; Brasil; fé e ciência; educação. 13 ABSTRACT The main objective of this work is to analyze the different conceptions about science on Church thought throughout the pages of the important Brazilian Catholic magazine A Ordem [“The Order”], in a world that faced deep changes in the relationship between faith and reason, showing an apparent victory of a secular perspective about life. The research also includes the perception of the pedagogical proposals of the group of intellectuals who wrote on the magazine aiming the elaboration of an educational program for the country, when prevailed the debate on the enlargement of the public, free, technical, professionalized and, at first, non- confessional teaching. The nearness with the education theme is inserted on the picture of a wide approach about the scientific knowledge, between the decades of 1920 and 1940. Key words: Church; Brazil; faith and science; education. 14 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................................14 1 PERIÓDICOS NA HISTÓRIA: O CASO DA IMPRENSA CATÓLICA .............27 1.1 Origens e panorama geral da mídia impressa ................................................27 1.2 A pia imprensa no contexto da sociedade de massas....................................41 2 A REVISTA A ORDEM E O CENTRO DOM VITAL........................................51 2.1 Entre a política e a cultura ..............................................................................51 2.2 Por uma cultura católica superior ...................................................................68 3 CIÊNCIA NA PERSPECTIVA VITALISTA ......................................................79 3.1 Ciência a reboque da secularização da cultura ..............................................79 3.2 Espírito saudável, raça saudável ....................................................................84 3.3 Desdobramentos do debate entre fé e razão................................................108 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................140 FONTES E BIBLIOGRAFIA.....................................................................................144 ANEXOS ................................................................................................................175 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES A notícia veiculada nos meios de comunicação sobre o acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé referente ao estatuto jurídico da Igreja Católica no país dia 13 de novembro de 2008, pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e pelo papa Bento XVI, em audiência a portas fechadas na cidade do Vaticano, pegou de surpresa a opinião pública, mas não passou completamente despercebida. O texto integral do documento, encontrado no portal do Ministério das Relações Exteriores1, gerou polêmicas e até petição pública ao Congresso Nacional para indeferir a concordata, alertando os parlamentares sobre a violação de princípios básicos da democracia brasileira e afronta à Constituição, em particular ao artigo 19, que proíbe o Estado de subvencionar ou estabelecer aliança com cultos religiosos ou igrejas. Setores da mídia e da academia, entre outras instâncias da sociedade civil organizada e autoridades religiosas de outras confissões, chamaram a atenção para o acordo, questionando seu propósito. Só para dar alguns exemplos, o jornal O Globo publicou, em 15 de novembro de 2008, editorial intitulado “Deus e César” – clara referência à separação das esferas espiritual e temporal garantida desde a proclamação da República no século XIX –, o programa televisivo “Observatório da Imprensa”, comandado pelo jornalista Alberto Dines e veiculado pela Rede Brasil, transmitiu intenso debate sobre o tema, e o Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) promoveu um seminário sobre a 1 Cf. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, 2008, disponível em www.mre.gov.br. 15 Concordata Brasil-Vaticano2, com a participação de pesquisadores ligados ao Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Todos foram unânimes em indicar as prerrogativas que as entrelinhas dos 20 itens contidos no pacto abririam para a Igreja Católica, fortalecendo-a ainda mais como instituição no Brasil e conferindo-lhe de forma bastante exclusiva isenções fiscais para rendas e patrimônios, manutenção de acervos, documentos e prédios com recursos públicos, livre prestação de serviços espirituais em estabelecimentos carcerários, educacionais, prisionais, de assistência social, de saúde e similares, tudo sem mencionar bem as contrapartidas do lado das autoridades eclesiásticas ou assegurar o não constrangimento, em locais públicos, de cidadãos de outras confissões ou mesmo os que não professam nenhum culto. A questão da transmissão da herança colonial que ainda faz do catolicismo a religião hegemônica no país, com a porcentagem de fiéis que se declaram católicos girando em torno de 70% de acordo com os últimos dados do censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pode ser facilmente constatada entre artistas, literatos e intelectuais em geral que assumem a filiação religiosa como aspecto importante de sua identidade ou vão bem mais longe, convertendo suas crenças espirituais em objeto de disputas políticas e estéticas.3 No âmbito geral da sociedade, sabe-se que a proporção de fiéis católicos que realmente têm uma pertença real, comumente classificados como católicos ‘praticantes’, é muito menor que os dados verificados pelo IBGE ou outras entidades, como o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), que no romper do século realizou uma pesquisa acerca do perfil do catolicismo nas maiores cidades do país.4 2 O instituto da concordata como acordo diplomático que o Vaticano celebra com outro Estado tornou-se cada vez mais recorrente com a consolidação do processo de secularização da sociedade. 3 O tão propalado mito da ‘nação católica’ ajudou a Igreja a estabelecer o seu ‘lugar social’ e obter privilégios governamentais tanto na República varguista quanto mais tarde, quando seus programas sociais correspondiam às preocupações reformistas com o meio operário e camponês no cenário do ‘desenvolvimentismo’ latino- americano, quando se buscava alternativas, logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), entre o modelo de um Estado socialista autoritário e as retribuições desiguais de uma economia capitalista desenfreada. Cf. Ralph Della Cava, Igreja e Estado no Brasil do século XX, São Paulo, CEBRAP, 1975, p. 41-47. 4 Ver Andrea Damacena, Tendências atuais do catolicismo, São Paulo, Ceris, 2000, disponível em www.ceris.org.br/pdfs/relfinalcatolicismo.pdf. Este centro de estudos é o instrumento de pesquisa do episcopado brasileiro, administrado pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, de que se fará menção mais tarde. 16 Mesmo com o aumento exponencial de crentes enquadrados na categoria ‘evangélicos’ – sendo esta referente tanto àqueles de formação no quadro das igrejas protestantes mais antigas quanto aos que se inserem como membros das igrejas pentecostais instaladas mais recentemente –, a quantidade de membros de outras religiões e os que afirmam não praticar nenhum culto, o histórico da participação da Igreja Católica em todas as etapas e meios de conformação do universo de produção material e simbólica no país é bastante indicativo de seu poder na sociedade brasileira.5 Por outro lado, ao relativizar avaliações meramente quantitativas, às vezes também é possível verificar o surgimento de grupos pequenos, porém atuantes e dinâmicos que parecem exercer mais influência do que maiorias relativamente estáticas. Tais grupos são capazes de transformar a realidade, surgindo como ‘fermento na massa’, para usar uma imagem empregada nos evangelhos. Tratam-se de elementos de localização precisa no tempo e no espaço, dotados de certo carisma coletivo como grupo, que se reconhecem reciprocamente e exercem atividades de forma sistematizada a partir de determinados princípios e valores que firmam como consensual. São pessoas que o ensaísta e romancista búlgaro Elias Canetti, identifica como ‘cristais de massa’, isto é, como substâncias pequenas, sólidas e unidas para, enfim, ‘cristalizarem’ o sentido missionário que conferem à sua atuação.6 Esse é o caso, reconhecido pela historiografia, como se verá adiante, dos intelectuais reunidos em torno da revista católica A Ordem, instituição emergente na cena cultural brasileira nos anos 1920 e com impacto bem expressivo pelo menos até o final da década de 1940. A inserção marcadamente política e cultural, em que o componente religioso desponta como fundamento da organização social almejada sob o lema da ‘ordem’, foi o que aglutinou figuras proeminentes do laicato católico 5 Ralph Della Cava fala de três dimensões do processo de “erosão do monopólio religioso” do catolicismo brasileiro como o problema da escassez do sacerdócio, a competição com ‘credos’ alternativos como o marxismo e o pentecostalismo, e a questão da religiosidade leiga em Igreja e Estado no Brasil do século XX (1916-1964), São Paulo, CEBRAP, 1975, p. 20-31. Esta última dimensão talvez seja a que mais tenha colaborado para o desgaste da Igreja no país, dada a sua postura classista refletida tanto da participação da conquista do colonialismo da Coroa portuguesa como também na negação contumaz das diferenças entre as classes sociais em nome do preceito paulino da aplicabilidade universal do Evangelho e da suposta harmonia entre os homens. 6 Cf. Massa e poder, São Paulo/Brasília, Melhoramentos/UnB, 1983, p. 78-80. 17 da época como Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima no antigo projeto acalentado pela alta hierarquia eclesiástica. Limitada em sua autonomia institucional pelo regime jurídico do padroado vigente nos tempos do Império, cujos estreitos laços com o Estado lhe conferiam ao mesmo tempo vantagens e desvantagens, a Igreja procurou seu lugar social na recém-instalada República que a alijou do poder civil. Sua presença na vida do país se fez sentir cada vez mais, através do cruzamento de variados e por vezes contraditórios interesses e tendências políticas, que ampliaram seu raio de ação junto aos governos, às representações da sociedade e aos movimentos populares, através de sua contínua capacidade de adaptação e transformação, conforme as conjunturas que se apresentavam. O fato de pertencer a um órgão civil para estudo, debate e apostolado não- oficial mais ou menos subordinado à Igreja Católica como o Centro Dom Vital – nome que não por acaso presta homenagem a um dos bispos protagonistas da chamada ‘questão religiosa’, que o imperador Pedro II puniu com pena de prisão por não cumprir ordens emanadas do trono –, fez com que A Ordem se tornasse um centro difusor do ideário conservador que rechaçava qualquer concepção revolucionária e propunha, no limiar do século XX, uma ‘modernização conservadora’ calcada numa nostalgia dos tempos medievais pela valorização da tradição que, no caso brasileiro, só seria ‘autêntica’ se católica. Enquanto parte do discurso intelectual das décadas de 1920 e 1930, por assim dizer, não-católico, se colocava a tarefa de compreender o país em seus próprios termos, de reinventar a nação determinando o lugar do Brasil no cenário mundial, adotando diagnósticos otimistas ou pessimistas sobre a formação mestiça do povo, ou seja, colocando o problema em termos raciais – como herança do pensamento social brasileiro desde o século XIX –, os integrantes do periódico publicado pelo Centro Dom Vital indicavam que a cor da pele dos três principais elementos constituintes da nacionalidade (o branco europeu ‘exilado’, o caboclo ameríndio ‘sitiado’ e o negro africano ‘seqüestrado’), não era o principal traço homogeneizante da identidade nacional que os defensores da então nova e prestigiosa ciência eugênica apreendiam ora em tom positivo, ora negativo.7 7 Sobre as idéias em debate na formação das ciências sociais no Brasil (a chamada ‘geração de 1870’), ver Renato Ortiz, Cultura brasileira e identidade nacional, São Paulo, Brasiliense, 1994, entre outros títulos. 18 Todavia, o fator moral que estava se perdendo com a tomada do poder por personalidades ligadas à República “positivista e cientificista”, este sim, precisava ser retomado dentro dos moldes católicos com as cores de uma “nova cruzada”, numa espécie de “higiene cristã” que seria benéfica ao país. Conforme as palavras de dom Sebastião Leme, bispo que foi originalmente o mentor do processo de reconstrução institucional da Igreja Católica no Brasil, era preciso promover o “saneamento dos saneadores”.8 Na concepção vitalista, isto é, dos colaboradores do Centro Dom Vital, a relação entre fé e ciência parecia contrária ao legado da modernidade e da especialização de saberes que ganhou força máxima no século XX. De fato, na apropriação das edições iniciais da revista A Ordem até pelo menos 1928, quando esteve sob a direção de Jackson de Figueiredo, a matéria deveria estar completamente subordinada ao plano espiritual, conforme a ‘ordem’ hierarquizada verticalmente entre ‘Deus/homem’, transpondo-se da única forma possível na história humana pelo par Igreja/sociedade, como reflexo terreno da perfeição celeste. Do contexto do entre-guerras até o quadro da contracultura na década de 1960, as correntes ideológicas de A Ordem passariam por um ponto de inflexão com a orientação mais liberal de Alceu Amoroso Lima no Centro Dom Vital, paulatinamente abandonando pensadores que defendiam o retorno a uma sociedade teocrática e monárquica do Antigo Regime para seguir em direção diametralmente oposta, com entusiastas de uma sociedade mais pluralista e calcada no ideal de uma ‘democracia cristã’. Todo esse arcabouço teórico incidiu em tomadas de posição quanto a opções político partidárias pelos articulistas da revista A Ordem – que flertaram com as teses fascistas da Ação Integralista Brasileira e com a ditadura estado-novista –, a fim de angariar a aprovação de ‘emendas religiosas’ quanto ao casamento e ao ensino religioso, além de recursos financeiros e bens simbólicos e materiais para a Igreja com o tratamento semi-oficial que a religião católica recebeu a partir do governo de Getúlio Vargas, por sua vez muito interessado em seu apoio para se legitimar no poder após o golpe de outubro de 1930. 8 A edição inaugural de ago. 1921 da revista A Ordem traz a transcrição de trechos da Carta pastoral à Arquidiocese de Olinda de 1916 em que o bispo profere exatamente tais palavras. 19 A profusão temática que sobressai das páginas do periódico que é ao mesmo tempo fonte e objeto de investigação do presente trabalho, também reflete- se no tratamento conferido às ciências e revela a face polissêmica de uma Igreja universal e nacional que com o tempo se abriria cada vez mais à sociedade com o papa João XXIII e o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) de um lado, e de outro desconfiaria das conclusões ‘socializantes’ da denominada ‘teologia da libertação’, amplamente revelada nas reuniões dos bispos latino-americanos nas cidades de Medellín, Colômbia (1968), e Puebla, México (1979), desafiando tendências autoritárias e centralizadoras da tradição tridentina dentro da cúria romana. No rastro de uma Igreja que insiste em interferir ou ao menos se pronunciar em domínios que parecem ser da alçada exclusivamente secular e mais especificamente, da comunidade científica, como no caso de políticas de controle de natalidade, da manipulação genética para reprodução assistida e do tratamento de doenças através células-tronco embrionárias, obtendo relativo sucesso em seus propósitos, como demonstra a notícia da assinatura do Acordo Brasil-Vaticano supramencionada, a tese procura questionar, no limite, as conclusões apressadas sobre a perda de terreno da fé num mundo que se apresenta laico nas aparências, mas cujo ethos religioso permanece na agenda cotidiana. Outrossim, espera-se contribuir para a compreensão de uma instituição que está presente na história do país desde os tempos coloniais, diminuindo certa lacuna na produção historiográfica que, não obstante reconheça a importância do catolicismo na conformação nacional, de certa forma ainda mantém o estudo de suas elites e alçadas de decisão superior em segundo plano, ainda mais se se considerar as complexas relações entre a fé católica e as ciências.9 Como representantes mais expressivos da bibliografia acerca dos vínculos existentes entre a hierarquia romana, o episcopado nacional e as elites brasileiras, 9 Os trabalhos de Carlos Camenietzki constituem uma exceção neste sentido: A cruz e a luneta, Rio de Janeiro, Acess, 2001; “Problemas de história da ciência na época colonial”, in Ana Maria Ribeiro de Andrade, Ciência em perspectiva, Rio de Janeiro, MAST/SBHC, 2003. A literatura sobre a religiosidade católica popular, na linha do excelente texto de Martha Abreu, O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular, publicado em 1999 pela Nova Fronteira, parece atrair mais estudos de antropólogos e cientistas sociais em geral. 20 pode-se citar a obra de Riolando Azzi10 sobre a tentativa da Igreja de revitalizar sua presença na sociedade sem abrir mão de sua natureza conservadora, conhecida como ‘neocristandade’; os trabalhos do historiador e padre jesuíta José Oscar Beozzo11 sobre o processo de ‘recatolização’ da sociedade brasileira na transição entre a Primeira e a Segunda República; o prolongado e já mencionado estudo de Della Cava12 sobre as projeções e questionamentos de historiadores e sociólogos acerca da capacidade do catolicismo latino-americano de promover mudanças sociais; e Luiz Alberto Goméz de Souza13, cujos trabalhos na verdade caminham na direção da análise dos desdobramentos de todo movimento católico nascido na década de 1920, refletindo as origens e significados das tensões entre um ideário conservador e de um ideário progressista, entre a variedade de estratégias e soluções ao mesmo tempo tradicionais e conservadoras adotadas diante das preocupações de Roma com a situação da Igreja Católica no Brasil, “a maior do mundo”. Voltando ao aspecto essencial do escopo da tese, a presente pesquisa procurou mapear, a partir da revista A Ordem, as diferentes apropriações e influências das idéias científicas no pensamento do episcopado e do laicato católico brasileiro do século XX no período que compreende desde a sua fundação em 1921 até o início da década de 1940, intervalo em que a Igreja passa por um processo de fortalecimento não obstante a instalação da República no país e a crescente secularização da civilização ocidental. Nesse sentido, foi possível identificar as congruências e tensões presentes nos pressupostos doutrinários das diretrizes conferidas ao periódico pela influência 10 Cf. A crise da cristandade e o projeto liberal, São Paulo, Paulinas, 1991; A neocristandade: um projeto restaurador, São Paulo, Paulus, 1994; O altar unido ao trono: um projeto conservador, São Paulo, Paulinas, 1992. 11 Cf. História geral da Igreja na América Latina, Petrópolis/São Paulo, Vozes/Paulinas, 1985; “A Igreja e a Revolução de 1930”, in Boris Fausto, História geral da civilização brasileira, São Paulo, Difel, 1985, t. 3, v. 4, p. 271-341. 12 Cava,Op. cit., São Paulo, CEBRAP, 1975. 13 Cf. “Centralização ou pluralidade? O caminho criativo das CEBs”, Mutações Sociais, Rio de Janeiro, Cedac, ano 1, n. 1, p. 5-11, jul.-set. 1992; Classes populares e Igreja nos caminhos da história, Petrópolis, Vozes, 1982; Do Concílio Vaticano II a um novo concílio? Olhar de um cristão leigo sobre a Igreja, São Paulo, Loyola, 2004; “O papel dos leigos na luta pela liberdade”, in E. Raposo, 1964: 30 anos depois, Rio de Janeiro, Agir, 1994, p. 130- 136; “Secularização em declínio e potencialidade transformadora do sagrado”, Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, Iser, v. 13, n. 2, p. 2-16, jul. 1986. O item “Fontes e bibliografia” ao final da tese traz referências mais completas de Azzi, Beozzo, Della Cava e Goméz de Souza. 21 de seus diretores à época em foco – Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima –, de acordo com as respostas dadas pelo clero nacional e pela cúria romana às rápidas transformações no cenário global como estratégias de confronto a elementos externos ou de sobrevivência interna da própria Igreja. O empenho do movimento católico leigo em socializar as elites de acordo com os princípios cristãos desdobra-se numa intensa campanha pela criação de um centro de cultura superior, fato consumado entre as décadas de 1930 e 1940. As propostas pedagógicas apresentadas pelos vitalistas defendem a perfeita compatibilidade entre ciência e fé, contrapondo-se ao debate que predominava na época acerca da ampliação do ensino público, gratuito, técnico, profissionalizante e eminentemente laico. No balizamento das relações entre Igreja, ciência e educação a partir do discurso do ‘interior’ da revista A Ordem, considerou-se a proposição de estudos que concebem meios de comunicação como estratégias por onde circulam objetivos, disputas e conflitos através dos quais se verifica a presença de um determinado ethos que se deseja enraizar na sociedade. Como ocorre com outros segmentos da imprensa, o jornalismo católico trava diálogos constantes em torno de seu ideário e da forma que esta cultura pode circular nas malhas sociais. Conjunturas marcantes da história do Brasil colocaram instituições como a Igreja diante de controvérsias que desafiam a construção de sua identidade e defesa de seus interesses. Não se pode subestimar a competência das autoridades eclesiásticas em reelaborar constantemente questões situadas no passado e no presente sob novos prismas, endossando um lugar-comum que categoriza a ação e o pensamento do episcopado e do laicato católico como tributária do ‘ultramontanismo’ ou reação da Igreja de Roma a variados aspectos da sociedade moderna que colocam em xeque seu poder milenar e arcabouço dogmático ou doutrinário. Há que considerar as formas legítimas assumidas em realidades locais cujos ambientes culturais revelam diretrizes específicas de atuação. A mesma Igreja que outrora se aproximou de sistemas totalitários é a mesma Igreja que depois também abrigou movimentos populares como as Comunidades Eclesiais de Base, sendo ambas as vertentes, de uma forma ou de outra, herdeiras da chamada Ação Católica nos anos 1930, agremiação civil que congregou diversas organizações do apostolado leigo em torno da hierarquia eclesiástica. 22 Ao examinar publicações periódicas como espaços de visibilidade das tensões sociais em voga, foi possível perceber a conceituação presente na historiografia da imprensa brasileira desde autores clássicos como Nelson Werneck Sodré até nomes mais recentes como o de Ana Luiza Martins acerca da distinção do caráter de jornais e revistas enquanto veículos de comunicação na virada do século XX. Para os dois, com o processo de expansão industrial, ocorreu também o progressivo desenvolvimento das artes gráficas e a crescente necessidade de informação das camadas urbanas.14 Aos poucos, o jornal deixa de ser uma atividade artesanal para entrar na complexa teia da divisão do trabalho da sociedade ocidental, incrementando a profissionalização de seus colaboradores e ganhando uma narrativa mais objetiva. Escritores e intelectuais que antes circulavam com grande assiduidade pelas redações jornalísticas, vão ocupando mais e mais as páginas das revistas, gênero literário que, em contraste com o tom informativo dos diários, apresentam um estilo abertamente opinativo e dirigido ao público-alvo que deseja alcançar. Ademais, observa-se como traço distintivo das revistas a segmentação de um mercado em plena expansão, que se especializa em publicações de conteúdo científico, feminino, humorístico, técnico, de variedades e até de cunho confessional, demonstrando enorme potencial como instrumento de expressão de grupos de tendências díspares, que apresentavam suas aspirações políticas e visões de mundo, e sugeriam a tomada de posição diante da modernidade que se descortinava no novo século, seja por meio de posturas simpáticas, de desencantamento ou de franca reação, como no caso dos intelectuais católicos do Centro Dom Vital. A invocação das revistas como marca da modernidade também está presente no estudo de Mônica Pimenta Velloso15, que demonstra como as mesmas procuram se ajustar às transformações que vinham ocorrendo na sociedade brasileira nos anos 1920. A autora menciona a capacidade de comunicação mais imediata dos periódicos em contraste com o livro, referindo-se também à manifestação de uma nova linguagem, consagrada na mensagem de seus editoriais de inauguração, em que a revista se apresenta como porta-voz de uma nova cultura, 14 Sodré, A história da imprensa no Brasil, São Paulo, Martins Fontes, 1983; Martins, Revistas em revista – imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo, Fapesp, 2001. 15 Modernismo no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, FGV, 1996. 23 uma nova estética, uma nova orientação, elencando uma exposição de motivos para a sua própria existência. Nesse sentido, as revistas seriam espaços privilegiados de debate sobre diferentes idéias de progresso e civilidade, perpetuando a memória do que determinados grupos compreendiam em termos de vivências e experiências culturais, tornando-se como que ‘instituições’ de custódia e multiplicação de um modus vivendi específico. Por trás dos atores envolvidos no processo de criação, direção, colaboração, divulgação e permanência mais ou menos duradoura das revistas, conforme a dimensão do seu sucesso perante o público leitor, percebe-se o questionamento sobre a atuação dos intelectuais como outra temática primordial da modernidade. A imagem do intelectual como agente impulsionador de bandeiras reivindicatórias é própria dos tempos modernos e remonta ao Manifeste des intellectuels de 14 de janeiro 1898 assinado pelos escritores Anatole France (1844-1924), Émile Zola (1840-1902) e Marcel Proust (1871-1922), entre outros.16 Dando seqüência às considerações de Velloso17, desde então, para além de personagem que reflete sobre a realidade e se distingue dos trabalhadores manuais pela sua competência e formação científica, técnica ou administrativa, exercendo atividades ou profissões especializadas, o intelectual torna-se um símbolo de vanguarda que luta pela justiça e pelo bem comum. Todavia, há outras medidas na construção do imaginário do intelectual moderno que não se restringem ao papel de, por assim dizer, quase ‘missionário’. Na reflexão baudelairiana sobre o papel do artista e do intelectual na sociedade moderna, são evidentes as noções de decadência e isolamento da condição humana. O intelectual parece pertencer a outro tempo, parece abraçar valores distintos daqueles tão comuns aos seus coetâneos. Nota-se como denominador comum de vários grupos de intelectuais da época o decisivo desencanto com a política e a busca incessante por outras formas de se expressar. 16 Utilizada pela primeira vez no manifesto que exigia a revisão de um processo movido por má-fé contra um oficial francês de origem judaica, a palavra ‘intelectual’ passou a designar uma acepção extensiva a artistas, cientistas e profissionais liberais com instrução superior à média e que tenham obtido, com o exercício da cultura, alguma influência nos debates públicos. Devido à atitude problematizante dos intelectuais frente à realidade, é bastante comum associá-los a posições engajadas em favor de movimentos de esquerda, o que certamente não é o caso da militância católica vitalista. Cf. Carlo Marletti, “Intelectuais” in Norberto Bobbio et al., Dicionário de Política, Brasília, UnB, 1995. v. 1, p. 637-640. 17 Em particular o capítulo “O herói outsider”, último de Op. cit., p. 205-214. 24 As revistas se mostram como canais de sociabilidade cultural de um grupo que se destina a trazer à tona o que existe de verdadeiro na realidade, e o intelectual que colabora em suas páginas está imbuído do papel de conhecedor e propagador de verdades. É o que certamente se dá, desde o fim da Monarquia, com assim chamados ‘homens de ciência’, ligados a diversas instituições acadêmicas, de pesquisa e políticas, que procuram demonstrar que o melhor caminho a seguir é o do desenvolvimento da indústria e do progresso científico da civilização e da nação, como ‘verdadeiras’ fontes de modernidade. No entanto, a modernidade comporta duas avaliações sobre o progresso: a que defende a vitória do saber e do conhecimento, acreditando que a história do Ocidente cumpre uma trajetória de igualdade e de racionalidade; e a que, desconfiando dessa visão triunfal da história, enfatiza as conseqüências negativas do progresso, que acarretaria a anomalia e a alienação.18 Os arautos da causa ‘modernidade-ciência’, atribuem aos seus colegas o afastamento e o desprezo pelos problemas sociais concretos do país por discordarem da perspectiva cientificista e positivista, preferindo adotar um olhar desencantado e cético da modernidade, revigorando uma narrativa intimista e subjetivista como forma de combate a tudo o que é moderno. Para estes intelectuais dissidentes, a nova sociedade só poderia nascer após um radical choque interno de valores que não combinavam necessariamente com os sentimentos de euforia e otimismo típicos da belle époque.19 Os intelectuais que tomam consciência ou se sentem alijados do clima de entusiasmo e confiança inerentes às inovações industriais e tecnológicas que apontam para o advento aparentemente promissor de uma nova era, demonstram perplexidade perante a sociedade que vai tomando forma no recém-instaurado regime republicano, e que parece excluir vários segmentos da vida política do país.20 As comemorações do IV Centenário da Descoberta do Brasil em 1900 contribuem para uma verdadeira torrente ufanista que não é partilhada por todos. Parte significativa da intelectualidade desconfia das promessas de renovação 18 Cf. Id., ibid., p. 38-39. 19 Ver Jeffrey D. Needel, Belle Époque tropical – sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século, São Paulo, Cia. das Letras, 1993. 20 Cf. José Murilo de Carvalho, Os bestializados – o Rio de Janeiro e a República que não foi (1991); A formação das almas – o imaginário da República do Brasil (1998), ambos da editora paulista Cia. das Letras. 25 política e de participação popular da República, questionando sua própria legitimidade. Simpatizantes da Monarquia ou agremiações republicanas decepcionadas com a atmosfera de animosidade que grassava nos primeiros anos do governo provisório ocupado pelos militares do Exército, procuram na sociedade emergente sua própria identidade com o conceito moderno de nação. O abismo aberto com a ruptura do regime imperial, a necessidade de construir um novo universo simbólico para a nacionalidade e a lacuna entre o universo da política e o universo dos intelectuais, dada especialmente a partir da presidência do marechal Floriano Peixoto (1891-1894), ajudam a compreender a trajetória bastante heterogênea de grupos divididos entre a esperança e a desilusão. São estas vozes dissonantes que irão constituir, cada qual de acordo com a sua percepção de modernidade, o microcosmo e o ‘lugar de memória’ de que se ressentem socialmente, atuando nos mais diversos âmbitos da cultura e da comunicação social. A modernidade é vivida por eles com certa apreensão, o que não denota desacordo com todas as transformações introduzidas durante o processo modernizador, mas a crítica contundente dos rumos que tais novidades tomaram na sociedade brasileira. A ensaísta literária Flora Süssekind fala das queixas constantes de Machado de Assis quanto à mudança até na percepção da narrativa, que passa a ser fragmentária, abreviada e tensa em vez de imaginativa e prazerosa, como nos tempos em que não predominava o aparato tecnológico moderno.21 Tal é a inquietação desses intelectuais, que buscam expressar seus códigos sociais através dos vários meios de comunicação disponíveis, como o cinema, a fotografia, os jornais e as revistas, colocando em questão o novo universo de valores da época, em que se reconhecem as raízes de certa tensão entre a denominada cultura erudita e a cultura popular, mais voltada para o mercado. Raciocínio semelhante pode ser transposto para o caso da imprensa católica. Se observarmos atentamente os temas escolhidos para publicação nos jornais e revistas do segmento jornalístico de cunho confessional, fica claro o diálogo que se quer estabelecer entre Igreja ou seu grupo representante e a platéia destinatária de uma perspectiva singular sobre as questões sociais do momento. Embora o grupo católico ligado ao Centro Dom Vital possua ligação evidente com o 21 Ver Cinematógrafo de letras – literatura, técnica e modernização no Brasil, São Paulo, Cia. das Letras, 1987. 26 pensamento conservador, a noção de modernidade se faz presente na perspectiva que se tinha de construir uma humanidade renovada pela espiritualidade a partir da ‘cruzada’ do século XX. Os periódicos também cumprem aqui o papel de instituição e legitimação da comunidade eclesiástica perante o público leigo, procurando garantir um canal de divulgação do ethos religioso de forma moderna, num mundo que aparentemente rejeita os postulados metafísicos na compreensão sobre a vida. Neste sentido, veremos como a imprensa católica, a partir da revista A Ordem, trava diálogos constantes em torno de seu ideário e de que maneira tal cultura pode circular nas malhas sociais, em oposição aos meios de comunicação ‘pagãos’ ou ‘ímpios’. No primeiro capítulo do trabalho ora apresentado – “Periódicos na história: o caso da imprensa católica” –, empreendeu-se um esboço histórico dos primórdios e do desenvolvimento da mídia impressa em geral e da imprensa católica em particular no contexto da sociedade de massas. O próximo capítulo trata da fundação da revista A Ordem em 1921, seguida do Centro Dom Vital, a partir da aliança entre a alta hierarquia eclesiástica e intelectuais leigos de filiação católica. Da ênfase inicialmente política sob a direção de Jackson de Figueiredo à orientação mais cultural incutida por Alceu Amoroso Lima ao Centro, testemunha-se o desdobramento de várias outras associações apostólicas como a já supracitada Ação Católica em 193522 e o Instituto Católico de Estudos Superiores, embrião da futura Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que passou a ter legitimidade para expedir seus próprios diplomas em 1942. O modelo universitário proposto pelos vitalistas para a reconciliação das elites nacionais com a Igreja remete à denúncia que fazem da ‘crise’ do mundo científico. A percepção dos intelectuais católicos sobre a temática da ciência como processo de secularização da cultura em geral será discutida no capítulo 3, destacando-se a proposta de uma ‘eugenia cristã’ para lidar com o acirrado debate sobre a conformação racial do povo brasileiro e algumas controvérsias entre fé e razão. 22 Substituída, em definitivo, pela CNBB (a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) na década de 1960. 1 PERIÓDICOS NA HISTÓRIA: O CASO DA IMPRENSA CATÓLICA Babel representa a impossibilidade de todos os homens conversarem entre si através da linguagem única. Esta utiliza símbolos que se sobrepõem, que se confundem e se excluem mutuamente. Babel é o local dos encontros que não aconteceram: as línguas não se entendem, os equívocos se multiplicam... No máximo acontece um choque, uma irritação recíproca, cada um se lamenta porque o outro não o entendeu. (...) Se examinarmos este fenômeno que na sociedade atual deveria constituir uma aproximação social de primeira categoria, a comunicação de massa, vemos que ela parece ter abdicado há muito tempo desta função para se tornar uma caixa de ressonância, uma ampliação de todos os conflitos, até dos interpessoais. Cardeal Carlo Maria Martini, O evangelho da comunicação (1994, p. 7; 21) 1.1 Origens e panorama geral da mídia impressa Em 1951, Henry Steel Commanger, historiador estadunidense, declarou que, ao contrário do velho ditado popular de que “nada é mais morto que o jornal de ontem”, este seria a matéria-prima, o primeiro rascunho da história, a própria “história de nossos tempos, o que realmente aconteceu, relatado por uma imprensa livre a um povo livre”1. Deixando de lado o cunho historicista de tal definição que, tomada por si só, parece concluir que liberdade de imprensa seria como que sinônimo de verdade, entre outras críticas pertinentes, pode-se afirmar que as publicações periódicas constituem um documentário da vida social, política, 1 John Bartlett, Familiar Quotations, Nathan Haskell Doyle, 2000 apud ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS (ANJ), História do jornal no mundo, 14 p., disponível em www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/historianomundo. 28 econômica e cultural, sendo ainda digno de nota que o termo ‘periódico’ remete à noção de tempo linear ou regular e, portanto, de alguma forma, ao conhecimento histórico.2 Há certo consenso de que o mais antigo jornal conhecido, o Acta Diurna, surgiu em Roma no ano 59 a.C., por decreto do imperador Júlio César, que ordenou a divulgação dos principais eventos políticos e sociais – campanhas militares, sentenças judiciais, execuções públicas, nascimentos, óbitos, casamentos, crônicas esportivas –, a seus concidadãos. As notícias de então eram escritas em grandes placas brancas expostas em locais de intensa circulação pública, como as termas romanas. Contudo, a complexa máquina arquitetada por Johannes Gutenberg em 1447, uma prensa utilizando tipos móveis, isto é, caracteres avulsos gravados em blocos de chumbo que eram organizados e reorganizados para formar palavras e frases do texto, inaugurou uma nova era de intercâmbio de idéias e de disseminação do conhecimento realmente sem par na história humana, inovação esta que seria essencial para o chamado Renascimento europeu.3 Boletins com informações de interesse sobre o mercado atendiam a uma classe cada vez mais coesa de comerciantes, propiciando a tomada de decisões menos imprecisas sobre seus negócios. Foi só na primeira metade do século XVII que os jornais tomaram força como publicações freqüentes que, ao contrário dos antigos ‘periódicos’ da Roma 2 Para este item introdutório acerca das origens e desenvolvimento da imprensa, consultei principalmente Lucien Febvre & Henri-Jean Martin, O aparecimento do livro, São Paulo, Universidade Estadual Paulista (Unesp)/Hucitec, 1992; e S. H. Steinberg, Five Hundred Years of Printing, New York, Penguin Books, 1979; entre outros títulos mencionados na bibliografia. Sobre a gênese da sociedade capitalista busquei informações em Jean Baechler, John Hall & Michael Mann, Europa e ascensão do capitalismo, Rio de Janeiro, Imago, 1989; Maurice Crouzet, História geral das civilizações, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1996; Francisco Falcon & Gerson Moura, A formação do mundo contemporâneo, Rio de Janeiro, Campus, 1989; Eric J. Hobsbawm, A era do capital (1848-1875), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. 3 A primazia dos chineses no desenvolvimento de técnicas rudimentares de impressão é largamente reconhecida pela literatura, sendo o primeiro volume impresso que se tem notícia um texto budista xilogravado de 868 a.C. No entanto, foi o aprimoramento da produção de tintas e das técnicas na fabricação do papel associados à introdução da tipografia que forneceram as ferramentas para que Gutenberg desenvolvesse um método de impressão cujo caráter mais original era possibilitar a edição, correção e reedição de um texto de forma rápida e idêntica em cada cópia, pelo menos na teoria. Assim, teve início uma nova etapa na história da cultura reputada como a origem da comunicação de massas. Em artigo sobre a explosão da informação na modernidade, Peter Burke apresenta alguns números interessantes: no ano de 1500 havia impressoras em mais de 250 cidades européias que tinham produzido em torno de 30 mil edições; estipulando 500 exemplares por edição, conclui-se que quase 15 milhões de livros circulavam num continente com 100 milhões de habitantes à época. Ver “Problemas causados por Gutenberg”, Estudos Avançados, v. 16, n. 44, p. 173-184, 2002. 29 Antiga, raramente faziam referências a assuntos locais ou nacionais, evitando reportagens que pudessem instigar no povo uma atitude de oposição às autoridades estabelecidas. Assim, por exemplo, os jornais franceses cobriam os escândalos da família real inglesa, enquanto os jornais ingleses relatavam os fiascos militares sofridos pela França. Os primeiros jornais modernos também traziam em suas páginas informações sobre a Europa como um todo e, às vezes, notícias provenientes das Américas e da Ásia. Com o passar do tempo, os jornais começaram a abordar assuntos mais circunscritos ao seu território de distribuição e alcance, não sem antes passarem pelo crivo da censura do grupo que se achava no poder, atitude tida como algo absolutamente normal desde que o papa Alexandre VI (1492-1503) emitiu uma bula, em 1501, determinando que os impressos deveriam ser submetidos à autoridade eclesiástica antes de sua publicação, a fim de impedir heresias que poderiam prescrever penas que iam do pagamento de multas até a excomunhão. No século XVIII, com a Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo, vários líderes políticos perceberam o potencial persuasivo que os jornais poderiam exercer sobre a população e foi então que se multiplicaram as gazetas de partidos e de facções de natureza política e ideológica. Mais tarde, homens de negócio começaram a fazer do jornalismo um empreendimento lucrativo, destinado à venda em massa: entre 1890 e 1920, época em que o jornal foi o principal veículo de informação popular, nomes como o de Joseph Pulitzer ficaram conhecidos pela criação de gigantes editoriais com enorme poder de influência sobre a opinião pública. Em vista da proibição de tipografias nas colônias portuguesas, o Brasil conheceu o jornal somente com o desembarque da Coroa metropolitana no Rio de Janeiro (1808), quando foi instalada a Imprensa Régia e sua publicação oficial, a Gazeta do Rio de Janeiro, considerada pelos estudiosos como o primeiro periódico impresso no país.4 Seu dirigente era o frei Tibúrcio José da Rocha, que zelava pela 4 Os impressos da América Latina começaram a circular no final do século XVI, mas os jornais propriamente ditos apareceram a partir de 1722 (Gazeta de México y Noticias de Nueva España) e 1729 (Gazeta de Goathemala). Em 1790 saiu o primeiro jornal peruano, o Diario de Lima e, no ano seguinte, seria a vez da Colômbia lançar o Papel Periódico de Santa Fé de Bogotá. Todas essas publicações tiveram vida curta, inclusive o Telégrafo Mercantil, Rural, Político, Económico e Histórico del Rio de La Plata (1801), tido como marco inaugural da imprensa argentina. Efêmero foi também o prelo que chegou em 1746 no Rio de Janeiro vindo de Lisboa pelas mãos de Antônio Isidoro da Fonseca – nele, foram editados apenas dois textos em poucos meses de atividade. ANJ, Op. cit. 15 p. 30 boa fama da família real e sua ascendência, publicava notícias vindas da Europa – bastante seletivas quanto a todo conteúdo avesso à Monarquia e ao absolutismo – e divulgava documentos oficiais.5 No mesmo ano, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça funda, de seu exílio em Londres, o Correio Braziliense ou o Armazém Literário. De periodicidade mensal, este noticiário com porte de livro (cada volume apresentava entre 70 a 200 páginas), sempre editado e impresso na Grã-Bretanha, circulou até 1822 quando, por ocasião da proclamação da independência do Brasil, seu criador, natural de Colônia do Sacramento, atual território uruguaio, deu por encerrada a missão de propagar as idéias liberais no país. Como demonstra a tese de Isabel Lustosa, a imprensa teve importante papel no processo de independência brasileiro.6 Da lavra de José da Silva Lisboa, surgiu em 1821 o Conciliador do Reino Unido, publicação que influiu diretamente na elaboração do decreto de abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Baiano de nascença, membro da junta de censura da imprensa oficial e mais tarde elevado ao título de visconde de Cairu, foi considerado um dos homens mais instruídos da Corte, defensor do ideário liberal em termos econômicos, mas conservador vivaz em matéria política. Outros dois jornais cariocas independentes que estrearam em 1821, foram O Amigo do Rei e da Nação e O Bem da Ordem, também não chegaram a revelar as inquietações liberais que já tomavam conta dos grupos insatisfeitos com os rumos políticos dos trabalhos das Cortes reunidas em Lisboa, ansiosas por reconduzir o destino do Brasil de volta à condição de colônia ou para uma situação de subordinação ainda muito pior que nos tempos dos vice-reis. Dos bastidores das lojas maçônicas, antenadas com os movimentos revolucionários europeus da época, brotou o Revérbero Constitucional Fluminense, 5 A bibliografia usada para descrever o panorama histórico da imprensa brasileira foram os clássicos de Nelson Werneck Sodré, A história da imprensa no Brasil, São Paulo, Martins Fontes, 1983; e de Hélio Vianna, Contribuição à história da imprensa brasileira, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro (INL), 1945; além de Ana Maria de Almeida & Rubens Borba de Morais, Bibliografia da Impressão Régia, São Paulo, Kosmos/Edusp, 1993; Juarez Bahia, História da imprensa brasileira, São Paulo, Ática, 1990; Gondim da Fonseca, Biografia do jornalismo carioca (1808-1908), Rio de Janeiro, Quaresma, 1941; Ana Luiza Martins & Tânia Regina de Luca, História da imprensa no Brasil, São Paulo, Contexto, 2008; Richard Romancini & Cláudia Lago, História do jornalismo no Brasil, Florianópolis, Insular, 2007. 6 Defendida no âmbito do doutorado em ciência política do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), ligado à Universidade Cândido Mendes, foi publicada em 2000 pela Cia. das Letras sob o título Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na independência (1821-1823). 31 editado pelas personalidades influentes de Joaquim Gonçalves Ledo e do cônego Januário da Cunha Barbosa a partir de setembro de 1821. Além de ter sido a primeira publicação a não sofrer com a malha fina da censura e a defender abertamente a liberdade de imprensa, representou um divisor de águas do clima de tensão que a partir daí marcaria as relações entre brasileiros e portugueses até o período regencial. Os artigos de Joaquim do Amor Divino Rabelo, que ao ser ordenado carmelita prestou homenagem a seu pai, tanoeiro de profissão, adotando o nome de ‘frei Caneca’, eram reproduzidos no Typhis Pernambucano, que foi lançado em dezembro de 1823 tendo como bandeiras principais o fim da escravidão e a liberdade de imprensa. A luta pela instalação da Constituinte, contra o absolutismo monárquico, por um sistema federativo que conferisse ampla autonomia às províncias e a participação na revolta da Confederação do Equador (1824), fizeram com que frei Caneca fosse condenado à pena de morte, tornando-o o primeiro mártir da imprensa brasileira.7 Passada essa agitada fase que muitos estudiosos apontam como a de nascimento da imprensa no Brasil, podemos assinalar que o Segundo Reinado (1840-1889) foi marcado pelo inigualável abrandamento da censura aos órgãos de notícias, tanto em relação à situação latino-americana em geral na mesma época como no que tange os anos da República brasileira, pródiga em experiências autoritárias. O caráter mais flexível de Pedro II, tolerante frente à ridicularização de sua figura na forma de caricaturas e às constantes críticas a favor mesmo da deposição 7 O projeto constitucional de 1824 tinha inspiração liberal extremamente limitada. A Constituição do Império assegurava, no nível jurídico e político a manutenção da estrutura social vigente, no qual a cúpula de poder nomeada por Pedro I coroava a centralização do Executivo, reforçado pelo poder Moderador exclusivo do imperante. Tal situação subordinava os demais poderes e mantinha inalterado o direito de propriedade, inclusive escrava. A dissolução da Assembléia ratificou o monopólio do poder dos setores dirigentes da região Sudeste, incitando ainda mais a oposição das correntes republicanas e federalistas de Pernambuco contra a supremacia econômica e política centrada no Rio de Janeiro, o que provocou uma rebelião separatista. A conjuntura política ultrapassou um projeto de Monarquia federada para atingir a radicalização republicana confederada, com revoltas estendendo-se ao Ceará, Pará, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte, que patrocinaram a causa da Confederação do Equador. Entretanto, o apoio titubeante de alguns proprietários rurais, a falta de organização no recrutamento popular e o não reconhecimento internacional do novo projeto de nação como condição indispensável para a exportação de produtos nordestinos fracassaram o movimento, que sofreu duras represálias das tropas do governo com a perseguição até o último dos revoltosos, sendo frei Caneca fuzilado. As marcas da revolução de 1824 podem ser vistas como ecos de uma série de rebeliões ocorridas entre 1817 e 1848 no Nordeste brasileiro. As informações sobre este e outros episódios bastante conhecidos da história do país foram consultadas em Boris Fausto, História do Brasil, São Paulo, Edusp/FDE, 1996; e Maria Yedda Linhares, História geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus, 1990. 32 do regime monárquico, contribuíram para a estabilidade do mercado de jornais, que diminuiu em número de títulos, mas aumentou em tiragem, edição e variedade temática. Ademais, o crescimento expressivo de periódicos ilustrados era bem compreensível frente à situação de um país com 85% da população analfabeta numa sociedade escravocrata e predominantemente rural. Como indicativos da maior segmentação desse setor – antes circunscrito à esfera política, comercial e informativa em geral –, pode-se registrar o aparecimento, em 1852, do primeiro jornal dirigido ao público feminino e administrado por mulheres, o Jornal das Senhoras8, e a estréia de um boletim para a comunidade de imigrantes do Rio Grande do Sul, totalmente escrito no idioma nativo, o Der Kolonist: Wochenblatt fuer Handel, Gewerbe und Landbau (“O Colono: Semanário para Comércio, Indústria e Agricultura”). A importância dos jornais na promoção da literatura nacional também foi bastante significativa. Joaquim Maria Machado de Assis, Manoel Antônio de Almeida, José de Alencar e outros escritores do século XIX publicavam seus romances nos folhetins antes de lançá-los no formato de livro. Machado de Assis, por exemplo, inicia sua colaboração no Correio Mercantil, do Rio de Janeiro, em 1858, passando os 50 anos seguintes como revisor, cronista e tradutor de vários periódicos. Com a inauguração do cabo telegráfico submarino ligando o Brasil à Europa em 19 de janeiro de 1874, as agências de notícias Reuteurs e Havas abriram seus escritórios no país, que começa a receber informações internacionais de forma mais atualizada e freqüente. As décadas de 1870 e 1880 são marcadas pela emergência de diversos jornais pró-republicanos e pró-abolicionistas – nem sempre defensores de ambas as causas simultaneamente –, como A Província de São Paulo, dirigido por Francisco Rangel Pestana e Américo Campos, mais tarde rebatizado como O Estado de S. Paulo, em circulação até os dias de hoje. Antes do advento do daguerreótipo em 1839 e da utilização da técnica fotográfica em periódicos, a imprensa era ilustrada por caricaturas, característica que 8 Sob a direção de Joana Paulo Manso de Noronha, o hebdomadário era vendido em casas comerciais da chique e agitada rua do Ouvidor, oferecendo às damas assuntos de moda, teatro, literatura, modinhas e moldes para bordados. Cf. Delso Renault, Rio de Janeiro: a vida nos jornais (1850-1870), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, p. 124. 33 de certa maneira persistiu nas primeiras fotorreportagens, já que a transposição da imagem original era feita à mão, através da litografia. Não é seguro afirmar quando a fotografia foi usada pela primeira vez na imprensa brasileira. Entre ensaios experimentais que parecem datar dos anos da Guerra do Paraguai (1864-1870), registra-se com maior margem de segurança a publicação, em julho de 1878, das primeiras fotos na revista ilustrada e humorística O Besouro, fundada pelo cartunista português Rafael Bordalo Pinheiro: eram retratos de crianças vítimas da seca no Nordeste que inauguraram um tipo de jornalismo denunciativo que só seria explorado bem mais tarde, no século XX, quando a reprodução fotomecânica chega ao país. O Besouro tinha como concorrente mais contumaz a Revista Illustrada (1876-1898), do ítalo-brasileiro Angelo Agostini, caricaturista de traço bastante peculiar que lançava mão de seus desenhos como instrumento de oposição ferrenha ao regime monárquico e à escravidão. A publicação de Agostini chegou a ser apelidada de “Bíblia da Abolição” pelo principal líder do movimento anti- escravocrata, Joaquim Nabuco9. O primeiro jornal a sair de circulação por força da censura no recém- instalado governo republicano foi A Tribuna Liberal, de Carlos Laet, chegando a ter sua redação empastelada em 1890 por contestar continuamente a legitimidade do golpe militar de 15 de novembro e por defender a volta da Monarquia. Aliás, um aspecto que salta aos olhos nos novos tempos da República é o recrudescimento de ações violentas e a restrição das liberdades, que atingiram também os periódicos de oposição e a nascente imprensa operária, encorajadora dos movimentos anarquistas oriundos das comunidades de imigrantes que desembarcavam no país. A partir de agosto de 1897, o Arraial de Canudos, povoado de quase 30 mil habitantes comandado pelo beato Antônio Conselheiro no sertão baiano, sofreu reiteradas investidas militares até ser completamente dizimado pelas tropas do governo do presidente Prudente de Morais (1894-1898). O episódio motivou a busca de informações colhidas in loco pelos primeiros correspondentes da imprensa 9 Ver Mônica Pimenta Velloso, Modernismo no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas (FGV), 1996, p. 57. 34 nacional10, que enviavam suas matérias sobre os violentos acontecimentos do interior para as redações da Capital Federal por meio do telégrafo. Se por um lado, como foi dito nas primeiras linhas deste capítulo, é comum a visão de que os periódicos seriam um verdadeiro manancial de realidade para o conhecimento histórico, por outro atestamos nas duas bem documentadas e premiadas compilações de Delso Renault11 – sobre o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro segundo seus jornais e revistas –, a ação de notícias que corriam pela imprensa fluminense “confundindo a opinião pública” e se multiplicavam de boca em boca nos salões, nos teatros e nas ruas como “uma corrente que não leva a nada”. São rumores os mais variados sobre a intervenção dos EUA no conflito entre Brasil e Paraguai, boatos ora sobre a tentativa de suicídio de Solano Lopez ora sobre a sua presença clandestina entre os cariocas, números contraditórios da devastadora epidemia de varíola que grassara na extensa área de combate etc.12 Renault (1978) ratifica a virulência da nascente imprensa nacional como traço distintivo a ser analisado. Declara que não há leitores suficientes para tantas folhas políticas oposicionistas e situacionistas, religiosas, satíricas, literárias, femininas, musicais, científicas e de variedades que proliferam na década de 1860: Jornal do Commercio, Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil, Correio da Tarde, A Semana, O Atleta, Echo da Imprensa, Brasil Pitoresco e Monumental, Universo Pitoresco, A Marmota Fluminense, O Carapuça, Microscópio, Correio do Brasil, Philantropo, A Nação, A Reforma, O Despertador Municipal, Gazeta dos Tribunais, Curupira, O Artista, Jornal Universal, Correio da Europa, A Revista Politécnica... Além de ressaltar o ímpeto combativo da imprensa, sua atividade intermitente e desproporcional em relação aos habitantes da Corte, o autor de A vida 10 Euclides da Cunha foi um dos profissionais a cobrir de perto o evento e seu relato sairia mais tarde das páginas dos jornais para se tornar um dos maiores clássicos da literatura brasileira: Os sertões. 11 Rio de Janeiro: a vida da cidade refletida nos jornais (1850-1870); e O dia-a-dia no Rio de Janeiro, segundo os jornais (1870-1889), ambos editados no Rio de Janeiro pela Civilização Brasileira, respectivamente em 1978 e 1982, em convênio com o INL, do Ministério da Educação e Cultura. 12 Renault, Op. cit., 1978, p. 292-294. 35 da cidade refletida nos jornais13 calcula em mais de 30 o número de tipografias instaladas no Rio – destinadas não só a impressão de jornais e revistas, mas de livros, folhetos e cartões –, e reproduz os anseios dos escritores da época acerca da influência dos modernos meios de comunicação na mudança de hábitos de leitura como um dos problemas da civilização contemporânea. Acompanhando a pesquisa exaustiva e instigante no volume que vai de 1870-1889, percebe-se a renovação propiciada pela ilustração na imprensa, a transição de sua fase artesanal para a de maior avanço industrial, a colaboração do noticiário no processo de abolição da escravatura e o tom decepcionante com que muitos receberam a República, inclusive uma folha estrangeira: “Brazil has merely put on new suit of clothes”14. O último quartel do século XIX revela uma imprensa vibrante que conta com cerca de 50 jornais em circulação, incluindo os de tiragem reduzida e irregular. Destacam-se entre os mais vendidos o Jornal do Commercio, O Globo, A Nação e O Diário do Rio de Janeiro, nos quais a política, a religião e a questão social aparecem como assuntos principais. Dos jornais de 1873 irrompem opiniões contrastantes sobre o grave evento conhecido como ‘a questão dos bispos de Olinda e do Pará’, no qual a união entre trono e altar foi posta em xeque. Corroborada pela Constituição de 1824, a parceria entre poder civil e poder espiritual do regime do padroado, sempre foi fonte de conflitos na medida em que o status de religião oficial do país conferido à Igreja Católica ao mesmo tempo reservava ao Estado o direito de conceder ou indeferir a 13 Filho de Léon Renault e Maria José de Castro Renault, Delso nasceu em Belo Horizonte a 11 de outubro de 1915, onde fez seus estudos primários, secundários e superiores, formando-se em direito pela Universidade de Minas Gerais em 1938. Transferiu-se no mesmo ano para o Rio de Janeiro, atuando no plano cultural e na administração pública federal de forma ampla e significativa. Participou do grupo fundador do matutino A Manhã, colaborou ativamente em diversos jornais e revistas, foi redator da Rádio Roquette-Pinto, Secretário da Educação e Cultura, membro do Conselho Consultivo da Fundação Nacional de Material Escolar, publicou contos e trabalhos de ficção ao mesmo tempo em que exerceu a advocacia no foro carioca, entre outras tantas atividades que podem ser destacadas de sua biografia. (Renault, 1982, p. 237-238) 14 The Rio News apud Renault, 1982, p. 236. 36 validade dos decretos eclesiásticos.15 A origem da polêmica que colaborou para abalar as estruturas da já decadente Monarquia brasileira remete às novas diretrizes emanadas de Roma pelo papa Pio IX (1846-1878), que em 8 de dezembro de 1864 promulgou a encíclica Quanta Cura, condenando veementemente “as liberdades modernas” e manifestando o predomínio espiritual da Igreja no mundo. A política da Igreja incentivava uma tomada de atitude mais rígida do clero em matéria religiosa e autonomia diante do Estado.16 Foi então que, em obediência à determinação papal, dom frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878)17, bispo de Olinda, expediu uma carta pastoral proibindo o ingresso de maçons nas confrarias e irmandades religiosas, bem como a participação dos seus diocesanos em sociedades secretas, prevenindo aos que desobedecessem tal medida de sofrerem anátema. Estava deflagrado um confronto de enormes proporções entre o relativamente pequeno, mas muito influente grupo de membros da maçonaria nos círculos de dirigentes políticos contra Igreja, não obstante e até irônico fato de que muitos católicos, inclusive padres, eram também maçons. O Paiz e O Diário do Rio de Janeiro atacaram o teor da bula pontifícia, condenando-a por invadir a jurisdição do poder temporal. Sob o beneplácito do visconde do Rio Branco, que então presidia o Conselho de Ministros do Império e 15 A Constituição de 1891, primeira do regime republicano, colocou em pé de igualdade todas as confissões religiosas, ratificando a neutralidade do Estado na matéria. Tal gesto, a princípio depreciador do catolicismo hegemônico, retirou da Igreja o ônus de exercer o papel de mais uma ‘repartição pública’ ou atuar como mero apêndice religioso da política, acenando com a possibilidade plena liberdade de movimentos. Cf. João Dornas Filho, O padroado e a Igreja brasileira, Rio de Janeiro, Brasiliana, s. d.; Sérgio Miceli, A elite eclesiástica brasileira, São Paulo, Difel, 1988. 16 Inicialmente tido como de tendência mais liberal, o pontificado mais longo da história da Igreja Católica, ocupado 31 anos pelo papa Pio IX, acentuou seu caráter conservador em termos doutrinários, que incidiram no campo político. A encíclica Quanta Cura listou uma série de proposições contrárias à ‘autêntica’ prática católica em seu apêndice intitulado Syllabus errorum: o agnosticismo, o panteísmo, o naturalismo, o racionalismo, o indiferentismo, o socialismo, o comunismo, a franco-maçonaria e outras formas de liberdade religiosa ‘incompatíveis’ com a fé da Igreja romana. A reunião do Concílio Ecumênico Vaticano I entre 1869 e 1870, durante o qual se declarou publicamente o extremamente controvertido dogma da infalibilidade papal, pode ser considerado como o auge deste pontificado. Ver Pio IX, Quanta Cura: carta encíclica sobre as liberdades modernas, disponível em www.vatican.va. 17 Pernambucano de Pedras de Fogo, dom Vital estudou no seminário de Olinda e de Saint-Sulpice em Paris. Em julho de 1863 entrou para a Ordem dos Capuchinhos e foi ordenado sacerdote em Paris no mês seguinte, logo voltando ao Brasil para lecionar filosofia no seminário de São Paulo. Recebeu a consagração episcopal na Catedral de São Paulo, em 17 de março de 1872, sob indicação de Pedro II. Ramos de Oliveira, O conflito maçônico-religioso de 1872. Petrópolis, Vozes, 1952. 37 era ligado à maçonaria, reuniu-se o Grande Oriente Unido do Brasil em assembléia com a presença de 600 associados – dentre os quais sobressaiam nomes como os de Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva e Pinheiro Guimarães –, para debaterem o assunto e protestarem contra a intromissão do bispo. O episódio levou à condenação e à prisão não só de dom Vital como do bispo do Pará que o apoiara na contenda, sendo então tratados pelo governo como “funcionários rebeldes”.18 Daí resultou um rearranjo de interesses entre Igreja e Estado que ocasionou a substituição do gabinete Rio Branco, a anistia aos bispos e o recuo estratégico do posicionamento do clero, que suspendeu as punições aplicadas aos maçons. Os ecos da chamada ‘questão religiosa’ reverberaram por muito tempo, com entusiastas da independência e preponderância do poder eclesiástico frente aos governos seculares de um lado, e partidários da restrição deste mesmo poder de outro, desde que se proclamou no Syllabus19 o conflito entre ciência e progresso. Decorridos 76 anos desde estréia da Gazeta do Rio de Janeiro, a imprensa brasileira entra numa fase de progressiva transição do processo produtivo manufatureiro para o processo gráfico industrial. Da meia centena de periódicos que circulavam pela Corte na década de 1850, a Biblioteca Nacional registra 74 publicações desta natureza em 1884. Nas palavras de Renault, das tradicionais funções da imprensa como meio de comunicação coletiva: informativa, recreativa, pedagógica e orientadora (...) tanto agora, como em outros momentos históricos, o jornal cumpre as duas primeiras funções. Mas, as duas outras (pedagógica e orientadora) são relegadas. São antigos os dispositivos para conter os exageros dos jornais e manter a ética no jornalismo. Logo após a proclamação da Independência vigorava a lei (12 de julho de 1821) que impunha penalidades nos casos do abuso da liberdade de imprensa. A despeito de dispositivos do Código Criminal (16 de dezembro de 1830) aplicados à imprensa, não são poucos os casos 18 José Maria da Silva Paranhos (1819-1880), mais conhecido como visconde do Rio Branco, era professor, jornalista, diplomata e tornou-se um dos mais importantes estadistas do Segundo Reinado; Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895) foi jornalista, sociólogo e político, grão-mestre líder da campanha contra o chamado ‘ultramontanismo’; Quintino Antônio Ferreira de Sousa Bocaiúva (1836-1912) era político e exercia a advocacia e o jornalismo, tendo sido o único civil a cavalgar ao lado das tropas do quartel-general do Exército quando da proclamação da República na manhã de 15 de novembro de 1889; e Francisco Pinheiro Guimarães (1832-1877) foi teatrólogo e crítico literário, autor do drama História de uma moça rica. Renault, 1982, p. 39-41. Ver também Antônio Carlos Villaça, História da Questão Religiosa, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1974. 19 Ver nota 16 do presente capítulo. 38 de violência policial, como são incontáveis os excessos cometidos pelos jornais. (Op. cit., 1982, p. 180-181, grifos do autor) Já no limiar do século XX, mais precisamente em 1907, o jornal carioca Gazeta de Notícias, inaugurado em 1875, foi o primeiro a apresentar cores em suas páginas. No que concernem os dispositivos repressivos incidentes sobre as publicações, remontam à Lei Adolfo Gordo, senador da República pelo estado de São Paulo, a aprovação de medidas autoritárias no mês de outubro de 1923, quando o país se encontrava em pleno estado de sítio20, que foram repetidamente mantidas e novamente consagradas pela Lei de Imprensa de 1967: penas de multa e prisão para os autores de supostos abusos como ofensas ao presidente da República e a chefes de Estados estrangeiros, responsabilidade sucessiva, vedação do anonimato etc. Os Diários Associados, um dos maiores conglomerados midiáticos da história do país, formado por 85 veículos de comunicação, dentre os quais dezenas de jornais, se organizaram a partir da aquisição do noticiário carioca O Jornal por Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo a 2 de outubro de 1924. Em julho do ano seguinte, o editor-chefe e proprietário do jornal A Noite, Irineu Marinho, lança o matutino O Globo, assumido por seu primogênito, Roberto, três semanas mais tarde, em virtude do falecimento do pai. Este seria o embrião do que se tornou a mais poderosa rede televisiva brasileira até os dias atuais. Na seqüência de acontecimentos da revolução iniciada em 3 de outubro de 1930, quando tropas sublevadas do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba invadiram várias capitais e marcharam em direção ao Rio de Janeiro para tomar o poder das mãos do presidente Washington Luís, verifica-se claramente o papel mediador da autoridade eclesiástica num evento político que seria decisivo para a história do país, chegando a evitar a possibilidade de uma sangrenta guerra civil. O então novo cardeal da América Latina, dom Sebastião Leme de Silveira Cintra, lotado na Arquidiocese do Rio de Janeiro, foi chamado pelos chefes militares da operação para intervir na negociação e tentar convencer a renúncia do 20 A Primeira República (1889-1930), em que militares e civis se alternaram na presidência, foi marcada pelo cerceamento das liberdades, revoltas e atos de violência com prolongados períodos de estado de sítio, promulgados principalmente durante o governo de Arthur Bernardes (1922-1926). 39 presidente, confirmando o apoio de quase todos os oficiais-generais da cidade, que ameaçavam bombardear o palácio Guanabara. Apesar de recusar a participação em qualquer movimento revolucionário e alertar aos generais para a necessidade da manutenção da ordem pública – grupos populares favoráveis ao golpe já haviam começado a depredar edifícios públicos e a incendiar jornais situacionistas –, Sebastião Leme conseguiu um acordo mínimo entre as partes, recebendo grande número de refugiados em sua residência e garantindo a integridade física de Washington Luís perante junta que formaria o governo provisório.21 O impacto mais duro sofrido pela mídia após a década de 1920 foi com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) pelo Decreto-Lei nº 1.915 de 27 de dezembro de 1939, sob a ditadura estado-novista de Getúlio Vargas e no despontar da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). De imediato, algumas alíneas constantes do art. 2º tiveram como conseqüência o veto ao registro de 420 jornais e 346 revistas: c) fazer a censura do teatro, do cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, de radiodifusão, da literatura social e política, e da imprensa, quando a esta forem cominadas as penalidades previstas por lei; (...) h) coordenar e incentivar as relações da imprensa com os poderes públicos no sentido de maior aproximação da mesma com os fatos que se liguem aos interesses nacionais; (...) n) proibir a entrada no Brasil de publicações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, e interditar, dentro do território nacional, a edição de quaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito do país e suas instituições ou a moral; (...) q) autorizar mensalmente a devolução dos depósitos efetuados pelas empresas jornalísticas para a importação de papel para imprensa, uma vez demonstrada, a seu juízo, a eficiência e a 21 Além do compêndio de história do Brasil de Boris Fausto (1996) e do livro assinado por vários autores sob a organização de Maria Yedda Linhares (1990) já supracitados, recorremos a Alzira Alves de Abreu et al., Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (1930-2000), Rio de Janeiro, FGV, 2001, para obter informações sobre a participação de dom Leme e outros personagens que tiveram destaque sociocultural principalmente a partir do contexto da Segunda República. Os verbetes biográficos e temáticos da obra que recentemente passou por sua terceira atualização no âmbito do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), são fundamentais para tecer as redes sociais dos articulistas da revista A Ordem, fonte e objeto da presente tese. 40 utilidade pública dos jornais ou periódicos por ela administrados ou dirigidos.22 Com o suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954, vários jornais identificados com a oposição ao seu governo são responsabilizados pelo clima de grave tensão e disputas políticas que antecederam o dramático desfecho do segundo mandato do presidente, tendo suas redações e gráficas empasteladas por populares em diversas cidades do país. Conforme foi lembrado mais acima, a imprensa levou outro golpe dos órgãos de censura com a nova Lei de Imprensa (Lei nº 5.250 de 9 de fevereiro de 1967) assinada pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco, que assumira a presidência da República com a instauração do regime militar em 1964. O texto legislativo reafirma o conteúdo repressivo anterior, tais como a responsabilidade sucessiva, as penas de prisão e multa para uma extensa lista de supostos crimes etc. Em outubro de 1969, foi editado o Decreto-Lei nº 972 que passou a conferir exclusividade do exercício da profissão de jornalista aos “formados em curso superior de jornalismo” e, pouco tempo depois, o governo militar baixou uma nova resolução (Decreto-Lei nº 1.077 de 26 de janeiro de 1970) a pretexto de coibir “as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação”, o que na prática instituiu a censura à imprensa e aos meios de comunicação em geral.23 Promulgada a Constituição Federal a 5 de outubro de 1988, já sob o regime democrático, a liberdade de imprensa é finalmente assegurada de forma ampla, ficando interditado qualquer tipo de censura política, ideológica ou artística de todos meios de comunicação social, cerceando-se apenas a autoria em anonimato para garantir o direito de defesa da parte porventura ofendida com a manifestação pública contrária à sua pessoa. Em quase 100 anos de República, era a primeira vez que as instituições democráticas funcionavam de forma autônoma e plena, com os meios de 22 Consultar verbetes “DIP” e “Lei de Imprensa”, Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (1930-2000), Rio de Janeiro, FGV, 2001. 23 ANJ, in História do jornal no Brasil, 31 p., disponível em www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/historianobrasil. 41 comunicação disputando a preferência do cidadão na escolha de suas fontes de informação, dentre as quais figuravam a internet e os canais televisivos por assinatura. Não obstante o surgimento dessas novas mídias e ao contrário da tendência mundial, a circulação de periódicos impressos ainda segue crescente no país. Dentro do amplo quadro sobre a imprensa exposto até aqui, situamos agora os elementos condicionantes da emergência da vertente especificamente confessional católica dos veículos informativos de publicação regular. 1.2 A pia imprensa no contexto da sociedade de massas Demarcando a gênese da comunicação social em larga escala em meados do século XV com o advento sem precedentes representado pela prensa de Gutenberg, pode-se assinalar, na mesma época, uma série de acontecimentos que abalam a unidade eclesial. No esplendor da Renascença, a cristandade vive dividida entre a autoridade de três papas distintos antes do Concílio de Constança (1414- 1418) decidir sobre a eleição de Martinho V (1417-1431).24 O ano de 1453 marca o fim do Império romano no Ocidente com a conquista de Constantinopla pelos turcos e Moscou assume a herança da ortodoxia tornando- se o centro nacional e eclesiástico da Rússia, a chamada ‘terceira Roma’. A expulsão dos mouros do território de Granada, na Península Ibérica, e a chegada de Cristóvão Colombo na América em sua busca de uma rota ocidental para as Índias 24 São eles, simultaneamente, Bento XIII (1394-1417), Gregório XII (1406-1415) e Alexandre V (1409-1410). A supremacia do papado frente ao imperador, a renovação espiritual proporcionada pelo surgimento de franciscanos e dominicanos, e o enorme êxito da escolástica no século anterior se dispersaram em poucas décadas. De todos os lados, bispos protestam contra a centralização da Cúria e os teólogos da época (Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham) desenvolvem a doutrina do ‘conciliarismo’, que vai de encontro à hegemonia do papa, afirmando a superioridade dos concílios gerais sobre o pontífice. Os inúmeros jogos de interesse político consomem de vez a credibilidade moral da Igreja, que através do sistema de cobranças de cargos eclesiásticos vagos nos territórios de sua influência atinge o posto de maior instituição financeira européia. Ver Roland Fröhlich, Curso básico de história da Igreja, São Paulo, Paulus, 2002; e Carlo Guarnieri, “Cesaropapismo” e Jean Gaudemet, “Conciliarismo” in Norberto Bobbio et al., Dicionário de Política, Brasília, UnB, 1995, v. 1, p. 162-163 e 210-215. Outras obras consultadas sobre as relações Igreja e sociedade foram Giuseppe Alberigo, A Igreja na história, São Paulo, Paulinas, 1999; e José Oscar Beozzo, “A Igreja frente aos Estados liberais, 1880-1930”, in Enrique Dussel, Historia liberationis: 500 anos de história da Igreja na América Latina, São Paulo, Paulinas, 1992. 42 (1492) são o prenúncio da agitação que tomará conta de toda a Igreja no século seguinte. A estreita ligação entre império e sacerdócio enfraquece sobremaneira com a renúncia de Carlos V (ou Carlos I de Espanha), que não consegue mais sustentar as bases do domínio cristão que lhe foi confiado nem restaurar a unidade da fé depois que o frade agostiniano Martinho Lutero se recusa a negar suas teses contra a pregação católica das indulgências, sendo apoiado de perto por vários príncipes alemães que ‘protestam’ contra a sua condenação, pelo papa Leão X (1513-1521), na Dieta de Vorms. Um quadro histórico totalmente diferente se desenha diante da Igreja com a crescente consciência do potencial do homem consubstanciada pelo movimento intelectual do humanismo, governos nacionais cada vez mais independentes e o interesse no comércio além-mar preparando a expansão da fé cristã em direção às Américas e à Ásia. O antigo revezamento entre as ‘duas espadas’ – o braço secular e o braço espiritual que, por coerência interna, tendiam a sujeitar um ao outro –, dá lugar ao esfacelamento do poder temporal que já não pode fazer valer as decisões tomadas pelo papa ou qualquer outra autoridade central. Para tentar manter a própria jurisdição e aumentar seu raio de alcance, a Igreja finalmente encara a necessidade de uma profunda reforma interna cujas bases foram lançadas no Concílio de Trento (1545-1563)25. Quase concomitante à plataforma tridentina, que subsiste por três séculos, tem lugar a fundação da Companhia de Jesus por Inácio de Loyola, que ajuda a conferir um sentido inteiramente renovado à missão eclesiástica. 25 O 19º concílio ecumênico da Igreja Católica foi a mais longa conferência de bispos da história eclesiástica e o que produziu resultados mais duradouros e profundos, tendo sido realizado em três sessões (1545-1549; 1551- 1552; 1562-1563). Nele se promulgaram vários documentos, sobretudo acerca de reforma interna da Igreja e temas levantados por Lutero, como decretos definindo a justificação através da fé e das obras de caridade, as fontes da fé católica na relação intrínseca entre Sagrada Escritura e Tradição ou o ensinamento da Igreja, a questão do pecado original que coloca a salvação do gênero humano nas mãos de Deus, a necessidade dos sacramentos na vida dos fiéis, a obrigação da convocação de sínodos diocesanos mais periódicos, a proibição do acúmulo de cargos e benefícios em mais de uma sede episcopal, a obrigação de residência dos bispos, a fundação de seminários diocesanos para a melhoria da formação de futuros padres, entre muitos outros. Roland Fröhlich, Op. cit., p. 119-130. 43 Com a expansão em direção ao que o cientista político e ex-embaixador da França no México e no Brasil, Alain Rouquié, chamou de “Extremo Ocidente”26, outras partes do mundo entram em contato com o estilo de vida europeu e com a fé cristã em intensa reconfiguração, mas o interesse cada vez maior para com o comércio e a economia (mercantilismo) vai criando as condições para uma concepção mais e mais secularizada de Estado. O século XVII assiste ao progressivo afastamento dos Estados da unidade outrora representada pelo papa ou pelo imperador, assumindo o soberano a responsabilidade pela Igreja de seu país, como no caso dos territórios protestantes na Alemanha e da Igreja na Inglaterra, ou ainda obtendo a influência necessária para preencher os cargos eclesiásticos conforme seus interesses, como na Espanha, França e Portugal. Contra os exemplos de exacerbação do poder por parte da religião e da política se insurge o questionamento crítico da razão ‘iluminista’, primeiramente em oposição à centralidade da fé e, no século seguinte, em objeção à autoridade estatal. Nesse panorama de disputa generalizada pela autonomia de pensamento – que ainda permanece religioso, mas rejeita toda forma de fé revelada –, desenha-se de forma definitiva o fim da Idade Média com a Revolução Francesa e com a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” decretados pela Assembléia Nacional das sessões de 20 a 26 de agosto de 1789. Na medida em que os governos tendem a ver na Igreja uma associação de natureza ideológica separada do Estado, a mesma demonstra sua insatisfação pelos meios tradicionais já não tão eficazes como antes (em especial, recorrendo à excomunhão), porém evita qualquer resistência mais contundente contra as autoridades civis estabelecidas, demonstrando sua utilidade social e criando uma nova audiência enquanto autoridade moral. Além disto, a Revolução Industrial no final do século XVIII amplia bastante o histórico de apoio assistencial e de doutrinas sobre a caridade e a justiça da Igreja, que procura responder às lutas proletárias contra a exploração do trabalho no novo 26 Na opinião do autor, a América Latina seria um continente de “mal-entendidos” desde Colombo e cuja proximidade cultural – religiões, sistemas de parentesco e línguas – com a Europa é por demasiado suspeita, constituindo países de enormes disparidades que sempre deram-se as costas mutuamente e nunca tiveram uma real consciência unitária, a não ser na identidade comum de temas cruciais e permanentes como a independência, o desenvolvimento e a democracia. Cf. O Extremo-Ocidente: introdução à América Latina, São Paulo, Edusp, 1991, p. 16-36. Ver também José Oscar Beozzo, História geral da Igreja na América Latina, Petrópolis/São Paulo, Vozes/Paulinas, 1985. 44 mundo capitalista através da incursão cada maior na temática social, tornando-se um dos mais importantes baluartes da paz social contra o comunismo ateu e a luta de classes. Na verdade, para o líder católico Frederico Ozanam (1813-1853) a questão operária seria mesmo fundamental para a sobrevivência da Igreja. Em artigo para uma revista francesa ele lançou seu apelo “Passemos aos bárbaros”27, defendo que, assim como diante da decadência do império romano nos séculos VIII e IX, a Igreja abandonou “o trono carunchado de Bizâncio” e foi ao encontro dos povos ‘bárbaros’ do Oriente, era preciso abandonar as velhas alianças e abraçar a classe trabalhadora nascente e a República. De certa forma, pode-se argumentar que o cristianismo além-Atlântico, oriundo da Contra-Reforma e do Concílio de Trento já havia garantido uma excelente cota-parte de sobrevida para a Igreja. Afinal, a religião cristã é onipresente e multiforme em toda a América Latina, estando consubstancialmente ligada ao seu destino desde a descoberta e a conquista, sem a qual a fé em Cristo seria praticamente privilégio da Europa e do mundo industrializado.28 Por outro lado, não se pode esquecer que este mesmo cristianismo incipiente no Novo Mundo foi muito mais de homens de ação do que de pensamento e meditação, mais rico temporalmente do que espiritualmente profundo. A enorme riqueza acumulada pelo clérigo permitiu que a Igreja assumisse e monopolizasse um conjunto de responsabilidades – assistência social, saúde, ensino – que ainda por muito tempo evocará como sua prerrogativa exclusiva. Ao longo do século XIX, as igrejas nacionais desempenharam importante papel na construção dos Estados independentes e dos sistemas políticos, pois além do catolicismo ser a religião oficial herdada das Coroas espanhola e portuguesa, o clero constituía considerável fração da classe política. Em vários países, inclusive no Brasil, a ‘questão religiosa’, como visto acima, geralmente estaria no centro do enfrentamento entre liberais e conservadores. 27 Apresentado como “modelo de apóstolo leigo, erudito, empenhado e dedicado ao serviço dos mais pobres, que a Igreja apresenta a todos os fiéis, mas sobretudo aos mais jovens” em notas biográficas do portal eletrônico do Vaticano (www.vatican.va), o milanês Frederico Ozanam (1813-1853) foi professor de direito e letras da Universidade de Sorbonne. Ver também Ozanam apud Luiz Alberto Gómez de Souza, “A Igreja Católica e a questão social”, São Paulo em Perspectiva, v. 11, n. 4, p. 76 e 80, 1997. 28 Ver Rouquié, “Igreja e igrejas”, Op. cit., p. 195-215. 45 Foi um contexto marcado por reformas internas na instituição que se prolongam pelo século XX adentro e que visavam, grosso modo, moralizar a vida do clero e dos fiéis leigos, estabelecendo a hierarquia eclesiástica nacional para a edificação de uma Igreja mais ‘oficial’, condizente e ligada aos ditames emanados diretamente de Roma. A modernidade estabeleceu vários dilemas à retórica católica com o discurso laico desmistificando o mundo e representando uma ameaça à existência da Igreja. O surgimento da imprensa católica neste período demonstrou ser uma das estratégias mais eficazes na defesa dos interesses eclesiásticos a partir de um dos instrumentos de comunicação social da própria modernidade, reverberando conseqüências para além do combate aos princípios que considerava heréticos e atingindo o âmbito cultural mais amplo. No Brasil, o projeto de criação e expansão de uma imprensa confessional pretendeu vencer o isolamento da Igreja sobretudo em relação aos limites impostos pelo regime do padroado vigente no Império. Em seu livro Os bispos do Brasil e a imprensa29, o padre dominicano Oscar Figueiredo de Lustosa afirma que, pelo menos desde 1836, com o estabelecimento da Revista Católica editada na cidade baiana de Salvador, os católicos já procuravam fomentar uma imprensa regular no país. O catolicismo brasileiro era primordialmente leigo, tendo a Santa Sé quase nenhum domínio sobre os assuntos eclesiásticos internos.30 Tal distanciamento passou a ser questionado pelos bispos do país, que não se contentavam com as atividades de catequese e evangelização do povo. Assim, os jornais e revistas católicas da virada do século XIX para o XX procuraram combater tudo o que pudesse representar uma ameaça à moral religiosa. A partir da separação entre Estado e Igreja imposta de fato pelo ordenamento jurídico republicano, houve a necessidade de se arquitetar um projeto 29 Editado em São Paulo pela Loyola no ano de 1983. Do mesmo autor e editora, consultar também A Igreja Católica no Brasil República, 1991. 30 Para citar apenas parte da literatura consultada sobre a história da Igreja e da imprensa católica, nossas informações foram extraídas principalmente de Ana Maria Bidegáin, História dos cristãos na América Latina, Petrópolis, Vozes, 1993; Roland Fröhlich, Curso básico de história da Igreja, São Paulo, Paulus, 2002; Maurilio César de Lima, Breve história da Igreja no Brasil, Rio de Janeiro, Restauro, 2001. Uma lista mais completa pode ser encontrada na bibliografia ao final da tese. Luiz Alberto Gómez de Souza escreve textos fundamentais sobre a Igreja no Brasil, como o artigo “As várias faces da Igreja Católica”, Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 52, p. 77-95, 2004. 46 convincente de auto-representação e de demarcar um posicionamento mais firme da religião católica quanto ao modelo interpretativo da nova realidade. Além de se contrapor à laicização da política, era preciso encarar a concorrência de outras crenças, conforme sentenciado na precursora “Pastoral coletiva do episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis do Brasil” de 19 de março de 1890. O documento conclamava a concretização de um esforço sistemático para constituir uma imprensa empenhada na irradiação de idéias que circunscrevessem o mundo sob a óptica católica, o que foi efetivamente levado adiante especialmente pela iniciativa dos fiéis leigos e das inúmeras ordens religiosas que desembarcaram no país com a suspensão da portaria imperial de 185531, e que logo responderam ao apelo dos bispos através da multiplicação de periódicos em paróquias e dioceses de todo território nacional: Há, porém, uma forma de que quiséramos ver-vos revestir hoje mais particularmente o vosso amor para com a Igreja: quiséramos ver-vos todos empenhados na difusão da imprensa católica como um meio de atalhar quanto possível os estragos da imprensa ímpia.32 A efervescência experimentada aqui estava em plena consonância com a orientação política do pontificado de Leão XIII (1878-1903), que prolongou as diretrizes de seu antecessor, já anteriormente mencionado no presente capítulo, intensificando o combate às mais diversas heterodoxias do mundo moderno, como as ideologias políticas ‘dissolutas’ (liberalismo, anarquismo, socialismo, comunismo) e as ‘seitas’ ou sociedades secretas (espiritismo, protestantismo e maçonaria). 31 Foram muitas as iniciativas, ao longo da história do Brasil, de cercear o crescimento da Igreja. A instrução de 19 de maio de 1855 vedou a aceitação de noviços e a introdução sacerdotes provenientes de países estrangeiros, situação que se prolongou até a instauração da República (já no período de 1890 e 1930, a profusão de ordens religiosas foi vertiginoso, alcançando o número de 150 entre femininas e masculinas). Mais famoso e incisivo foi o caso do banimento dos jesuítas de “Portugal e seus domínios” por decreto do poderoso ministro do rei de Portugal dom José I (1714-1777), Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. A campanha das principais Cortes católicas contra a Companhia de Jesus foi tamanha – entre outras coisas, acreditava-se que os inacianos haviam instituído um verdadeiro ‘Estado paralelo’ em algumas colônias ultramar – que a própria Santa Sé os suprimiu em 1773 para só restaurá-los à Igreja 40 anos depois, em 1814. Cf. Herculano Gomes Mathias, História do Brasil, p. 370-380; e Marcos Carneiro de Mendonça, O marquês de Pombal e o Brasil, p. 54-70. Como referência de fonte mais antiga, ver Cândido Mendes de Almeida, Direito civil e eclesiástico antigo e moderno, Rio de Janeiro, 1866. 32 Carta Pastoral coletiva..., publicada pela Typ. Jorge Seclker & Comp. (São Paulo), apud Lima, “Período republicano – século XIX”, Breve história da Igreja no Brasil, Rio de Janeiro, Restauro, 2001, p. 145. 47 Nesse sentido, o desenvolvimento da imprensa confessional católica, a ‘pia imprensa’, cumpriu papel relevante na reintrodução da religião nos espaços públicos e na regulação da vida cotidiana de acordo com as perspectivas eclesiásticas mais ortodoxas, utilizando como principais estratégias o incremento da dimensão devocional do crente pelo rígido controle das regras sacramentais, e o encorajamento da participação de fiéis leigos em redes comunitárias como associações missionárias (apostolados) de operários, mulheres e jovens etc. No livro Deus e o poder, Jean-Claude Eslin defende a tese de que as religiões monoteístas não conseguem se limitar à esfera das convicções privadas e de foro íntimo porque sua própria condição de existência e visibilidade exige aprofundar questões não só do sentido da vida e da morte, bem como lidar com problemas filosóficos e sociais em geral. Enquanto as civilizações onde o islamismo se constituiu como fé dominante promoveram o rompimento com o meio circundante, as civilizações cristãs intensificaram sua mobilidade social em torno da sacralização da política e da cultura.33 Tratava-se, portanto, de articular deliberadamente a integração do campo religioso na sociedade através de uma linguagem de conversão e de uma postura de defensiva e contra-ataque diante das ‘tentações’ da modernidade. A esta tendência rigorosa de buscar de controlar e amalgamar o mundo como se nada estivesse acima ou fora do catolicismo – entendido dentro do espírito tridentino tanto nas expressões litúrgicas quanto na concepção doutrinária da Igreja romana –, se convencionou chamar ‘integrismo’.34 O integrismo alcançou representação histórica concreta no papado de Pio X, que teve início em 1903 e se estendeu até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Traduzia-se como uma atitude mental que refutava toda e qualquer mudança interna da religião ou transformação sociopolítica externa, criticando de maneira voraz a 33 Para o autor, a tensão entre Estado e comunidades religiosas permanece até mesmo nos regimes democráticos. Ver Deus e o poder: o Estado e a religião na história do Ocidente. Lisboa, Âncora, 2000. 34 Conceito comumente substituído no vocabulário cotidiano pelo termo ‘fundamentalismo’. Para o entendimento do discurso integrista nacional e do processo de institucionalização da Igreja no Brasil empregou-se neste capítulo, além do já citado estudo de Miceli, a obra de Charles Antoine, O integrismo brasileiro, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980. 48 temporalidade moderna, que reputava como provisória, instável, conflituosa e devastadora da verdade do dogma cristão.35 Transpondo a utopia totalizante integrista em solo brasileiro, seja qual fosse a forma de governo (monárquica ou republicana), o importante era garantir a hegemonia da Igreja Católica frente a outras crenças e diminuir ou suplantar o hiato que se instaurou entre política e religião, convertendo toda nacionalidade ao catolicismo, a outrora ‘Terra de Santa Cruz’ dos tempos coloniais. Irredutíveis em seu propósito de sujeitar o fenômeno político ao religioso, os setores integristas católicos alertavam para as conseqüências da laicização operada pelo espírito moderno: a anarquia intelectual instaurada pelo crescente desinteresse em relação a tudo o que transcendia a natureza dos fenômenos físicos dava margem a uma nova espécie de paganismo que proclamava o Estado como instituição racionalista por excelência, criando as condições para a secularização da família com o casamento civil e para a secularização da escola com o ensino leigo, para citar apenas alguns de seus efeitos adversos aos olhos da Igreja. Em contraposição a todo esse estado de coisas, era preciso converter o mundo sob a égide de um fundamento católico, impregnando de religião todos os ambientes e criando uma audiência regida pelo catolicismo como único modelador social, nos termos de uma nova ‘cruzada’. Ao longo dos três primeiros decênios da República brasileira, os diversos órgãos que constituíam a Igreja como um todo, dentre os quais se pode incluir a imprensa confessional no momento em foco neste estudo, promoveram um intenso esforço no sentido de reocupar os espaços sociais e recriar um sistema de crenças e valores morais que apontassem o catolicismo como necessidade coletiva, ao mesmo tempo em que procuraram estreitar os laços com a Santa Sé.36 35 Único, absoluto e mais perfeito princípio modelador das teorias e práticas sociais, conforme consagrava a encíclica Pascendi Domici Gregis, ao condenar o modernismo como “síntese de todas as heresias”, entre as quais a idéia de separação entre Igreja-Estado, a democracia, o liberalismo, o socialismo, a liberdade de expressão etc. No extenso rol de títulos sobre o modernismo e a Igreja, verifica-se Histoire, dogme, critique dans la controverse moderniste, de Emile Poulat, editado por Tournai, Paris, em 1962. 36 A este processo que muitos estudiosos chamam de “restauração” da Igreja nacional, “romanização” ou “ultramontanismo” – como política centralizadora de Roma em relação às suas ‘sucursais’ espalhadas pelo mundo inteiro –, Sergio Miceli cunhou o termo ‘construção institucional’ em sua obra A elite eclesiástica brasileira, referindo-se à nova fase de liberdade de ação, florescimento, expansão e proselitismo que o catolicismo experimenta depois da separação entre Estado e Igreja no Brasil, mais propriamente entre 1889- 1930. 49 Os benefícios materiais e simbólicos obtidos com a Carta Constitucional de 1934, na qual foram proferidos intensos laços de interesse entre Igreja e Estado – combate às ideologias consideradas subversivas, ensino religioso facultativo, subsídios assistencialistas etc. –, revelam à adesão das classes políticas dominantes às teses católicas e o apoio de muitos devotos que ocupavam as linhas de frente da vida pública e intelectual às fases mais autoritárias e excepcionais da República. Nesse sentido, o antigo projeto acalentado pela hierarquia eclesiástica e pelas elites leigas de contemplar às expectativas da ‘maioria católica’ do país, operou a diminuição da distância entre as demandas políticas e religiosas ocorrida ao longo dos primeiros governos do século XX. Tal empreitada não seria possível sem o concurso das publicações periódicas confessionais que se tornaram verdadeiros produtos culturais dentro da formação do quadro da comunicação social do catolicismo militante.37 Como era comum não só em relação à imprensa católica, mas com as publicações periódicas de modo geral nos primeiros anos do século XX – que sofriam com falta de recursos, crises freqüentes de matéria-prima, dificuldade de manutenção do público leitor etc. – a vida útil destas era, na maior parte das vezes, bastante efêmera. Não foi este o caso da importante e duradoura revista A Ordem, periódico ao mesmo tempo fonte e objeto de nossa investigação, lançado em 1921 e cujos últimos dois fascículos saíram em 2009.38 Muito antes da estréia da referida revista, o arcebispo de Olinda e Recife (1916-1921) e do Rio de Janeiro (1930-1942), dom Sebastião Leme de Silveira Cintra, conclamava a organização de “forças dispersas do apostolado leigo” à contra-revolução e à reação cristã que julgava absolutamente imprescindível no 37 Como exemplos do periodismo católico de corte popular, pode-se citar as revistas Ave Maria, Lar Católico e Mensageiro do Rosário. Algumas publicações desse tipo tiveram e ainda tem enorme expressividade em termos de tiragem (chegando a dezenas de milhares ainda na década de 1920!), ao instrumentalizar o potencial emotivo dos fiéis através da divulgação das graças alcançadas pelos leitores e assinantes na resolução de seus problemas pessoais. Assim, tais revistas se apresentavam como canais legítimos de comunicação divina dentro de um quadro devocional muito mais voltado para os dilemas cotidianos do que preocupado com a vida além- túmulo ou sofisticadas questões doutrinárias e teológicas. Cf. Riolando Azzi, A neocristandade: um projeto restaurador. São Paulo: Paulus, 1994, p. 27. Ver também a tese de doutorado de Cláudio Aguiar Almeida, Meios de comunicação católicos na construção de uma ordem autoritária (1907-1937), defendida na USP em 2002. 38 Há muito tempo que A Ordem não é publicada com a mesma assiduidade e proporção que nas quatro primeiras décadas de sua existência. Seu atual diretor é Luiz Paulo Horta, jornalista e um dos mais célebres teólogos da atualidade, sempre presente na coluna de “Opinião” do jornal O Globo e empossado na Academia Brasileira de Letras em 2009. 50 combate de uma cosmovisão cada vez mais agnóstica de mundo. Foi ele, portanto, um dos principais artífices da elite específica que viria a se reunir em resposta à sua carta pastoral que declarava que os católicos deveriam tomar o lugar de “pleno direito” como maioria na sociedade brasileira, voltando a concorrer e legislar em matéria religiosa, como no casamento e no controle de cemitérios, os quais a Igreja tinha o monopólio desde o século XVI, com a chegada dos primeiros missionários jesuítas ao Brasil.39 É exatamente sobre o desenvolvimento da revista A Ordem e do Centro Dom Vital – órgão que congregou a elite católica leiga em torno dos vários projetos de representatividade da Igreja na incipiente República brasileira –, que trata o próximo capítulo deste trabalho.40 39 Artigo “Palavras que devem ser meditadas” com a transcrição de trechos da Carta pastoral à Arquidiocese de Olinda, 1916, nos n. 1-2 da revista A Ordem, ano I, ago.-set. 1921. 40 Para corroborar ainda mais a importância dada aos meios de comunicação na evangelização, o I Congresso Católico de Educação, realizado na cidade do Rio de Janeiro em setembro de 1934, apresenta um projeto que inclui a organização de uma escola de jornalismo logo nos primórdios da constituição da almejada universidade católica a ser fundada no país. 2 A REVISTA A ORDEM E O CENTRO DOM VITAL Para o espírito pensador, a crise no Brasil não é uma crise política, cuja solução dependa de formas de governo. É uma crise moral, resultante de uma profunda decadência religiosa, desde o antigo regime, das classes dirigentes da nação, e que só pode ser resolvida com uma reação católica. Júlio César de Morais Carneiro, Livro do centenário (1900) 2.1 Entre a política e a cultura Mais conhecido como padre Júlio Maria (1850-1916), o autor da frase acima, convertido tardiamente ao catolicismo aos 41 anos de idade, tornou-se um dos maiores pregadores do país no início do século XX. Em suas conferências, que reuniam grandes platéias, defendia a necessidade urgente de a Igreja aproveitar o despertar do novo regime de governo para voltar a unir-se às massas populares. Para ele, o Estado laico, respaldado em preceitos positivistas, ignorava a tradição e o sentimento cristão da nação brasileira, colaborando para a desarmonia social.1 Sua idéia de que o afastamento das classes dirigentes dos preceitos espirituais cristãos levaria o Brasil a uma espécie de ‘deriva’ também temporal foi compartilhada por alguns membros do clero e do laicato católico que, no entanto, acreditavam que o apostolado da Igreja deveria voltar-se essencialmente para as 1 Antes de abraçar a vida religiosa, Júlio Maria foi promotor público em Minas Gerais e duas vezes candidato a deputado provincial pelo Rio de Janeiro. Fortemente influenciado pelo positivismo e membro da maçonaria em São Paulo, abandonou a atitude hostil em relação à religião depois de enviuvar duas vezes e perder filhos do primeiro e do segundo casamento. Estes dados biográficos foram retirados do texto de José Carlos de Oliveira, “O padre Júlio Maria, o positivismo e a ciência”, Revista da SBHC, n. 9, p. 17-30, 1993. 52 elites afastadas da fé, já que o povo nunca teria perdido a crença propagada no Novo Mundo desde os primeiros missionários dos tempos coloniais. No episódio conhecido como ‘questão religiosa’, em que a relação entre Igreja e Estado foi abalada quando o bispo dom Vital reivindica a liberdade de decisão em matéria eclesiástica frente à Monarquia2, se pode entrever os primórdios de uma ‘reação católica’ que concretamente teve pontapé inicial, na opinião de muitos estudiosos do tema, na carta pastoral com que dom Sebastião Leme se apresentou na arquidiocese de Olinda e Recife (1916-1921) antes de ocupar o mesmo posto no Rio de Janeiro até 1942, ano de sua morte.3 No documento redigido pouco antes de assumir as novas incumbências de uma carreira de ascensão funcional fulminante – de simples clérigo em 1904 passou a bispo em apenas seis anos e em 1930 participou do consistório que lhe conferiu o título cardinalício da América Latina –, dom Leme reputa que, com o advento da República, uma minoria descrente assumiu o poder enquanto a “maioria católica” do país se distanciou das deliberações sobre os grandes temas nacionais.4 2 Para informações mais detalhadas sobre a ‘questão religiosa’ (1873), ver o capítulo precedente deste trabalho, especialmente as p. 34-36. 3 Entre as pesquisas sobre a história da Igreja no Brasil no século XX, ver Riolando Azzi, A neocristandade: um projeto restaurador, São Paulo, Paulus, 1994; Alípio Casali, Elite intelectual e restauração da Igreja, Petrópolis, Vozes, 1995; Ralph Della Cava, Igreja e Estado no Brasil do século XX, São Paulo, CEBRAP, 1975; Laurita Pessôa Raja Gabaglia, O cardeal Leme (1882-1942), Rio de Janeiro, José Olympio, 1962; Margareth Patrice Todaro, Pastors, Prophets and Politicians, New York: Columbia University, 1971; Antônio Carlos Villaça, O pensamento católico no Brasil, Rio de Janeiro, Zahar, 1975; José Luis Bendicho Beired, Sob o signo da ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina (1914-1945), São Paulo, Loyola, 1999; Romualdo Dias, Imagens de ordem: a doutrina católica sobre a autoridade no Brasil (1922-1933), São Paulo, Unesp, 1996; Boris Fausto, O pensamento nacionalista autoritário, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001; André Luiz Caes, As portas do inferno não prevalecerão: a espiritualidade católica como estratégia política (1872-1916), Tese de Doutorado em História, UNICAMP, 2002. 4 Sebastião Leme de Silveira Cintra (1882-1942) nasceu em Pinhal (SP) a 20 de janeiro de 1882, filho do professor Francisco Furquim Leme e de Ana Cândida da Silveira Cintra. Teria demonstrado inclinação para o sacerdócio desde cedo, sendo incentivado pela mãe e pelo vigário da sua cidade de origem a ingressar no Seminário Menor Diocesano da capital paulista, onde destacou-se como aluno brilhante e foi logo transferido para Roma a fim de prosseguir seus estudos. Na capital italiana, Sebastião Leme freqüentou o curso de humanidades no colégio jesuíta Pio Latino-Americano paralelamente à cadeira de filosofia na Universidade Gregoriana, onde foi nomeado “prefeito dos filósofos”. Foi o grande promotor do movimento de renovação católica brasileira que teve início na década de 1910 e atingiu o ápice na metade da década de 1940. Para mais informações biográficas sobre a participação de dom Leme e outras figuras ou instituições proeminentes do contexto político do país após 1930 especialmente interessantes para a tese foram consultadas em Alzira Alves de Abreu et al., Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (1930-2000), Rio de Janeiro, FGV, 2001. A fim de facilitar a indicação das referências consultadas neste dicionário, doravante utilizar-se-á a abreviação do título pela sigla DHBB. 53 Como solução para o estado de letargia dos católicos, a mesma pastoral de 1916 recomendava a mobilização de uma cruzada de militantes em defesa dos ideais cristãos na vida política nacional, enfatizando que, para além da sacristia, era preciso sair à praça pública proclamando as verdades da religião. A elite é então convocada a reconverter-se à doutrina cristã a fim de legitimar a posição de relevo da Igreja no ordenamento jurídico do país. No limite, havia até a intenção de recuperar seu predomínio cultural da época colonial.5 Apontando a falta de instrução religiosa como principal causa do indiferentismo e da inoperância social dos católicos, o arcebispo manifesta-se contrário ao “catolicismo de sentimento” e incentiva a fundamentação “amadurecida” da fé pelo conhecimento mais aprofundado da doutrina religiosa. Daí a importância primordial que atribui ao papel das elites como agente promotor das transformações sociais, em especial à elite intelectual. Ainda na pastoral de saudação à arquidiocese de Olinda, dom Leme indica como medidas básicas para alcançar a proposição de retomada do poder da Igreja o desenvolvimento da doutrinação nos centros urbanos e da catequese das populações das áreas rurais, a realização de obras de estímulo intelectual para os sacerdotes, a criação do ensino religioso facultativo e de estabelecimentos superiores católicos autênticos. Alguns anos mais tarde, ao tomar posse como arcebispo metropolitano no Rio de Janeiro em 1921, suas primeiras iniciativas foram no sentido de reformar o ensino sacerdotal então debilitado e incentivar novas vocações entre os fiéis leigos, que também passaram a ser convidados a participar da vida na Igreja mesmo sem serem ordenados como religiosos. Tais projetos estavam em plena consonância com o estímulo que vários papas vinham conferindo desde o início do século XX à criação de organizações especificamente voltadas para o apostolado leigo, pois parecia cada vez mais difícil dar prosseguimento à missão evangelizadora sem a participação ativa dos próprios fiéis.6 5 Azzi, Op. cit., p. 26-27. 6 Bem clara nesse sentido foi a primeira encíclica de Pio XI (1922-1939), Ubi arcano Dei, de 23 de dezembro de 1922, que propunha a instalação imediata de um movimento mundial de “ação católica” com ramificações nos mais diversos países e com prioridade às obras de caráter intelectual para evangelizar as nações como “extensão do braço da hierarquia eclesiástica”. Ver também o verbete “Sebastião Leme”, de Regina da Luz Moreira, in DHBB, 7p. 54 Recém-chegado à cidade, o novo bispo encontrou em Jackson de Figueiredo7 o elemento ideal para colaborar com a Igreja no empreendimento de difusão da doutrina católica na sociedade através da reconquista da inteligência brasileira. A partir daí o projeto de ‘reação católica’ irrompe, de fato, no cenário nacional com o lançamento da revista A Ordem em agosto 1921, principal e mais longevo órgão de promoção do Centro Dom Vital (CDV)8, associação civil para estudo, discussão e apostolado da religião católica romana fundada em maio do ano seguinte. Inicialmente lançada com periodicidade mensal9, a edição inaugural de A Ordem declara logo de imediato seu caráter ‘reacionário’, no sentido de que se propunha a reagir contra todas as correntes intelectuais, crenças religiosas e medidas políticas adversas à Igreja Católica. Em seu livro A reação ao bom senso, Jackson de Figueiredo se coloca contra o liberalismo, o comunismo e a revolução de modo geral, reprimindo duramente os movimentos tenentistas da época. 7 Sergipano de Aracaju, Jackson de Figueiredo Martins nasceu a 9 de outubro de 1891, filho do farmacêutico Luiz de Figueiredo Martins e de Regina Jorge de Figueiredo Martins, moça oriunda de tradicional família baiana. Atuou intensamente como jornalista, professor, ensaísta, romancista, poeta e político. Bacharelou-se na Faculdade Livre de Direito da Bahia e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde colaborou em vários jornais e revistas como A Gazeta de Notícias, O Jornal e foi chefe da censura do governo de Arthur Bernardes (1922- 1926), entre outras atividades. Antes de sua conversão definitiva ao catolicismo, influenciada pelo legado intelectual do amigo Raimundo de Farias Brito (1862-1917) – autor de uma das obras filosóficas mais completas produzidas no país, com ênfase numa metafísica de caráter espiritualista sem relação com a ortodoxia católica –, Jackson tinha como horizonte ideológico um forte anticlericalismo assentado em bases materialistas, evolucionistas e o positivistas. Seu nome é referência obrigatória na história da Igreja no Brasil como organizador do movimento leigo, e foi através dele que o pensamento conservador e reacionário chegou ao país. Cf. Cléa de Figueiredo Fernandes, Jackson de Figueiredo, uma trajetória apaixonada, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987; Fernando Antonio Pinheiro Filho, “A invenção da ordem: intelectuais católicos no Brasil”, Tempo Social, São Paulo, v. 19. n. 1, p.33-49, jun. 2007; Odilão Moura, Idéias católicas no Brasil, São Paulo, Cortez, 2003. 8 O nome da instituição presta homenagem ao bispo punido com pena de reclusão pelo governo imperial por proibir, de acordo com a resolução pontifícia, o ingresso de membros da maçonaria nos quadros da Igreja. Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878) se tornou, assim, uma espécie de mártir, de vítima do embate entre o poder temporal e o poder espiritual. Para conhecer o primeiro (1922) e o segundo (1931) estatuto do CDV, vide anexos da tese. 9 Regularidade que manteve apenas ao longo das décadas de 1930 e 1940, auge também da atuação do CDV, sendo editada a cada bimestre ou trimestre até parar de circular entre 1984 e 1988. A partir dos anos 1990 e apesar de dificuldades financeiras, a revista volta a ser lançada anualmente e o Centro reinicia suas atividades com ciclos de conferência e mesas-redondas para uma platéia bastante diminuta. As referências bibliográficas ao final da tese trazem uma longa listagem dos números consultados de A Ordem, além da menção ao extenso índice de assuntos que o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, na Bahia, elaborou sobre a publicação até 1980. 55 A conjuntura histórica dos anos 1920 se apresenta com uma série de mudanças na estrutura social latino-americana, como o incremento de uma nova classe trabalhadora nas cidades, a diversificação de grupos de interesse em busca de representatividade social, a secularização da cultura com o desenvolvimento cada vez maior dos centros técnicos e científicos, e a manifestação de movimentos contrários à ordem vigente, cuja máquina político-administrativa estava sob a hegemonia das oligarquias agroexportadoras consolidadas na Primeira República (1889-1930). No caso específico do Brasil, verifica-se o processo de diferenciação da economia com a expansão da lavoura cafeeira em direção ao Oeste paulista, o desabrochar de uma burguesia industrial, a maior organização e autonomia das Forças Armadas, o progressivo aumento das camadas médias urbanas, e a emergência de um mercado interno com o crescimento da imigração européia e a formação do proletariado. A crise decorrente da Primeira Guerra Mundial (194-1918) e, mais adiante, a recessão generalizada deflagrada a partir do episódio da queda brusca das ações da bolsa de Wall Street (Nova York) em outubro de 1929, são acontecimentos que formam o pano de fundo da intensa mobilização que vem ocorrendo na sociedade civil brasileira durante o período, em que vários grupos procuram impor suas demandas e projetos, procurando debater também a construção de uma identidade nacional. O ano do centenário da independência em 1922 é bastante expressivo do clima de efervescência que se prolonga tanto na proliferação das greves operárias, no acirramento das campanhas de sucessão presidencial e na agitação dos quartéis, quanto se concretiza na fundação do Partido Comunista do Brasil, na realização da Semana de Arte Moderna e na própria criação de um núcleo aglutinador do pensamento católico como o CDV.10 Nesse sentido, ao contrário do que apontam vários estudos sobre a transição dos anos 1920 e 1930 na historiografia do Brasil, a Igreja não parece uma 10 A historiografia está repleta de pesquisas sobre os mais variados aspectos desse período. Entre outras obras arroladas na bibliografia, ver Alain Rouquié, O Extremo-Ocidente: introdução à América Latina, São Paulo, Edusp, 1991; Boris Fausto, História do Brasil, São Paulo, Edusp/FDE, 1996; Eric J. Hobsbawn, Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991), São Paulo, Cia. das Letras, 1995; Lúcia Lippi Oliveira, A questão nacional na Primeira República, São Paulo, Brasiliense, 1990; Maria Yedda Linhares, História geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus, 1990. 56 instituição alijada de todo processo de mudança que estava ocorrendo, como se assumisse apenas uma estratégia de autodefesa diante da sua perplexidade frente aos acontecimentos que ameaçavam colocá-la à margem do processo político e social.11 Em paralelo a outros grupos questionadores da realidade nacional – formados prioritariamente por camadas intelectuais indiferentes à religião –, despontam as cúpulas católicas eclesiástica e laica que buscam se inserir na ampla polêmica do suposto descompasso do país com a modernidade, identificando-a não com o desenraizamento gerado pelo ritmo febril do mundo urbano e industrial do litoral, porém com as raízes da tradição nacional representada pela vida ‘autêntica’ do sertão.12 Como legítima porta-voz desse grupo que inventa consciência de si e sua identificação nos termos de uma intelectualidade especificamente católica, a revista A Ordem, irmanada ao CDV, promete obediência absoluta e apoio ao episcopado na obra de recatolização da sociedade brasileira, já que todos os problemas do país pareciam se resumir a uma profunda crise moral que só poderia ser superada através do único elemento constitutivo unidade nacional: a religião. A aliança entre elite eclesiástica e elite leiga é, portanto, anunciada desde o primeiro número do periódico criado por Jackson de Figueiredo, que transcreve vários trechos da já mencionada carta pastoral de dom Leme em 1916 no artigo intitulado “Palavras que devem ser dez, vinte, cem vezes meditadas...”13, enfatizando a importância daquele pronunciamento do arcebispo como documento- base dos primórdios do movimento católico que então surgia para combater as bases agnósticas do regime republicano e disseminar a doutrina católica cristã nas instituições sociais. 11 Dentre os quais pode-se apontar o de Francisco Iglésias, História e ideologia, sobre o pensamento reacionário católico no Brasil, lançado pela Perspectiva em 1981 (p. 108-158). 12 A proposta tradicionalista não é monopolizada pelos católicos e o choque entre os cânones clássicos e vanguardistas na formação da cultura nacional é destaque nos livros de Renato Ortiz, Cultura brasileira e identidade nacional e A moderna tradição brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1985 e 1988. 13 A Ordem, ano I, n. 1, ago. 1921. É também de autoria do bispo a “Oração dos intelectuais brasileiros” que vai aparecer nos primeiros números da revista, rogando que estes sirvam à “verdade” e aos “destinos espirituais” da pátria. De acordo com os depoimentos em formato de 12 crônicas redigido por Alceu Amoroso Lima, tal oração servia de abertura e encerramento às reuniões da agremiação que se formou em torno de Jackson e de A Ordem desde os seus primórdios, quando ainda não tinham sede própria, não tinham organizado o centro com o nome de dom Vital e não passavam de meia dúzia de pessoas. “Notas para a história do Centro Dom Vital”, v. LVIII, n. 4, out. 1958-v. LIX, n. 10, out. 1959. 57 Tal empreendimento abrangia as dimensões de uma ‘cruzada’ moderna que só poderia ser realizada tendo como princípio básico o resgate da autoridade perdida com a expansão, em âmbito mundial, das idéias liberais, que por sua vez se desdobravam numa série de outras ideologias, crenças e práticas dissolventes do que os defensores do que se pode chamar de ‘nacionalismo católico’ entendiam como a verdadeira tradição brasileira, isto é, o comunismo, o espiritismo, o judaísmo, o protestantismo etc. De acordo com a linha de pensamento seguida de forma mais contundente pelo menos durante o tempo em que a revista A Ordem e o CDV estiveram sob a direção de Jackson de Figueiredo – até 1928, ano de seu trágico falecimento –, o lugar de fato e de direito da Igreja seria o mesmo que ocupava na Idade Média, qual seja, acima dos governos civis, como instância máxima de conciliação e decisão hierarquicamente lógica da superioridade do poder divino sobre o dos homens. Entretanto, a presença de artigos de cunho nitidamente anti-urbanistas e anti-industrialistas na revista, que faziam a apologia da vocação ruralista ‘natural’ do brasileiro e remetiam a uma nostalgia feudal cuja cosmovisão pressupunha a existência de uma verdade eterna e imutável, uma perspectiva a-histórica que procurava não demarcar diferenças significativas entre passado/presente/futuro, não deve ser imediatamente associada à defesa da Monarquia só porque a nascente República não colocou a Igreja numa posição privilegiada.14 Os referenciais teóricos originais que embasam o discurso católico se encontram nos arautos da contra-revolução: Joseph-Marie de Maistre (1753-1821), Louis-Gabriel-Ambroise de Bonald (1754-1840), Edmund Burke (1729-1797) e Juan Donoso Cortés (1809-1853), para citar apenas alguns nomes que aparecem com maior freqüência nas páginas de A Ordem.15 14 Afinal, o modelo de reinado efetivado pelo segundo imperador brasileiro, figura de forte formação cientificista, já havia demonstrado a presença de elementos contrários ao catolicismo. 15 O célebre sociólogo húngaro Karl Mannheim (1893-1947) demonstra que o conservadorismo é uma doutrina política e social que se constitui em defesa da ordem tradicional das nações européias, tradicionalismo este que se torna consciente em oposição concreta à Revolução Francesa, mas em geral contra o projeto político moderno. Tal mentalidade não teria, a priori, tendência em teorizar sobre seu próprio posicionamento enquanto mantém domínio sobre a realidade, e somente quando seu papel hegemônico é colocado em xeque por situações e classes adversas passa a sistematizar as bases do seu pensamento como forma de reflexão autodefensiva. Ver K. Mannheim, “O significado de conservantismo” in Marialice M. Foracchi, Karl Mannheim, São Paulo, Ática, 1978; e Tom Bottomore & Robert Nisbet, História da análise sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1980, p. 118-165 (verbete “conservantismo”). 58 Num de suas principais obras, Considérations sur la France (1797), o aristocrata, filósofo, diplomata e advogado francês Joseph de Maistre apela ao primado da ordem espiritual sobre a ordem temporal como único meio de manutenção da estabilidade social. Neste sentido, coloca-se a favor da restauração da Monarquia hereditária – que via como uma instituição de inspiração divina –, e da suprema autoridade papal tanto em matéria religiosa quanto política. De Maistre era um entusiasta do princípio da autoridade estabelecida que a Revolução Francesa pretendeu destruir e negava com veemência a necessidade de existência de uma constituição política fundada na soberania popular. De acordo com ele, a Igreja seria a única ‘salvadora’ da humanidade. O também aristocrata e pensador francês Louis de Bonald era ferrenho adversário da Revolução Francesa e do ideário iluminista – caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica a todas as formas de dogmatismo, especialmente o religioso – que teria servido de base a todos os movimentos rebeldes e revolucionários da segunda metade do século XVIII. Com a publicação de Théorie du pouvoir politique et religieux (1796) tornou- se um dos mais consagrados críticos do regime liberal-democrático, tendo muito de suas idéias retiradas do contexto sociopolítico em que foram elaboradas para serem posteriormente incorporadas às teorias sociológicas de Saint-Simon (1760-1825), Auguste Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917). A lógica do pensamento reacionário em De Bonald evoca a concepção de um todo orgânico em que a família, em contraposição ao indivíduo, seria a principal célula social e deveria ser preservada pelo soberano como elemento que coletivamente resultaria no povo. Tanto De Maistre quanto De Bonald têm como principal fonte de inspiração a obra Reflections on the Revolution in France (1790), em que o advogado, filósofo e político irlandês Edmund Burke condena a Revolução Francesa como fruto de uma razão abstrata que, rompendo de maneira artificial com o passado e a continuidade histórica – matrizes das experiências fundadoras e legitimadoras das tradições –, gerava a desordem e a violência generalizadas. Por outro lado, Burke elogiava a experiência inglesa decorrente da Revolução Gloriosa (1688-1689), conhecida também como ‘revolução sem sangue’ como um “edifício construído em bases sólidas” a partir da valorização do universo 59 de regras convencionais e de princípios consolidados nos costumes e instituições concretas estruturadas ao longo de centenas de anos.16 Assim, coloca-se frontalmente em desacordo com os postulados de liberdade e igualdade presentes no que denominou de “utopia democrática” da geração de revolucionários franceses, promovendo a defesa da hierarquia social – as desigualdades entre os homens eram instauradas pela providência divina –, da consagração religiosa da autoridade secular e da legitimação dos valores tradicionais. O “romantismo autoritário” de Donoso Cortés, diplomata, filósofo e parlamentar que também sofre influência de Burke, parece levar às últimas conseqüências a apologia de um governo teocrático, já que para o contra- revolucionário espanhol a Igreja teria o papel de salvadora da humanidade. Em seu Ensayo sobre el catolicismo, el liberalismo y el socialismo (1851), evoca a imagem do anticristo na ideologia do comunismo, e teme a prevalência da modernidade política com a emergência dos regimes liberais e socialistas como o verdadeiro apocalipse. A perspectiva da ‘salvação’, desdobrada para o âmbito nacional, estava plenamente presente no grupo católico vitalista – nome pelo qual também ficaram conhecidos os colaboradores mais permanentes em torno do CDV –, e se traduzia nos artigos escritos na revista A Ordem, que até meados da década de 1940 chegava com cerca de 50 a 200 páginas por edição a quase 500 localidades brasileiras e países como Argentina, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México, Peru, Portugal, Uruguai e até Nova Zelândia, por via direta ou indireta. Além de Jackson de Figueiredo, que ocupava a presidência do Centro, sua primeira diretoria era integrada por Hamilton de Lacerda Nogueira (vice-presidente), Perillo Gomes (secretário), José Vicente de Sousa (tesoureiro), Eugenio Vilhena de Morais (bibliotecário), padre Leonel Edgard da Silveira Franca (assistente eclesiástico) e colaboradores e doadores como Alceu Amoroso Lima, Alexandre Correia, Andrade Murici, Augusto Frederico Schmidt, Durval de Morais, Jônatas Serrano, José Barreto, Lacerda de Almeida, Leonardo von Acker, Mário de Paulo 16 A Revolução Gloriosa foi um acontecimento político que destituiu o monarca inglês do trono de forma pacífica, afastando o país do regime absolutista sem abrir mão da figura do rei, mas submetendo-o ao parlamento. Para um panorama mais completo da ideologia conservadora ou tradicionalista ver T. Bottomore & R. Nisbet, Op. cit., p. 118-165. Consultar também o livro de Cândido Moreira Rodrigues, A Ordem: uma revista de intelectuais católicos (1934-1945), São Paulo, Autêntica, 2005. 60 Freitas, Nestor Vitor e Tasso da Silveira, grupo tratado por Jackson nos termos de “minha pequena Igreja”. Produzidos por uma elite católica leiga e direcionados a uma elite sociocultural, católica ou não, mas com o intuito claro de cooptá-la para os quadros da religião e para a colaboração com a Igreja no seu projeto de restauração espiritual da brasilidade como um todo, os textos de A Ordem aludem a inúmeros clássicos da ciência, da filosofia e da política, debatendo o que há de novo ou já consagrado nessas áreas de conhecimento através de uma linguagem prolixa e culta, repleta de extratos em francês, inglês e latim.17 As matérias apresentadas na revista do CDV eram bastante variadas. Versavam desde doutrinas econômicas, filosóficas, políticas e religiosas a eventos culturais; controle de natalidade a teorias darwinistas e eugenistas; de assuntos internacionais à crítica literária; de saúde a comportamentos e valores; de biografias de santos a questões da política cotidiana interna do país.18 A participação feminina na elaboração dos artigos é praticamente nula e, quando ocorre, limita-se a realçar o papel da mulher como fundamento do núcleo social mais importante da coletividade, ou seja, a família.19 Há determinados temas que são objetos de constante debate e interesse por parte do grupo católico e cuja abordagem não comporta ângulos de análise muito distintos (antiurbanismo, divórcio, militarismo, relações entre ciência ou intelectualidade e fé, positivismo, protestantismo), enquanto outros apresentam novos elementos em textos de diferentes autores (burguesia, comunismo, educação, integralismo, questão social). Por longo tempo, A Ordem manteve algumas seções fixas como a de “Crônica Literária”, enfocando autores ou obras de caráter religioso; “Crônica Política”, com a análise do cenário político nacional e internacional; “Letras Católicas”, apresentando hagiografias ou a trajetória biográfica de importantes 17 O conteúdo e o ideário da revista certamente atingia outros grupos sociais através dos sermões nas missas, das várias associações católicas existentes e outros contextos. 18 Conforme se pode depreender das referências bibliográficas apresentadas adiante, A Ordem vem sendo estudada sob diversas perspectivas como a do anticomunismo, do antiliberalismo, do feminismo e da pedagogia, mas a análise do discurso vitalista acerca da ciência, empreendido no capítulo 3 deste trabalho, parece não ter sido objeto de nenhuma pesquisa. 19 Cf. Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi, “Crônica feminina: sobre o lugar da mulher e de sua educação no periódico católico A Ordem”, Impressos e história da educação, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2008. 61 personalidades da religiosidade católica; “Registro”, abordando notícias de relevância nacional ou internacional. Percorrendo páginas e mais páginas de um número após o outro, percebe- se freqüentemente uma análise maniqueísta dos fatos e situações, e o diagnóstico dos problemas da modernidade em decorrência do afastamento cada vez maior da humanidade da vontade de Deus e da sua Igreja em todas as instâncias da vida. É neste sentido que se insere a preocupação da revista e do Centro Com Vital com as causas políticas conservadoras e o empenho vitalista da “luta do espírito contra a matéria”. Dentro da conjuntura política nacional à época da “construção institucional” do catolicismo no Brasil20, os movimentos tenentistas de 1922 e 1924 são condenados por impulsionarem a ruptura da hierarquia, problema que na verdade teria suas raízes na própria instauração do regime republicano, com sua imposição do espírito laico em detrimento da tradição católica do país. A fim de superar a crise moral que assolava a sociedade, propunha-se a presença do elemento religioso que instauraria os princípios da ordem e da paz no Estado. Assim, a revista enceta uma campanha pela reforma constitucional em paralelo a um programa de reivindicações mínimas da Igreja na esfera política, como a instrução religiosa facultativa no ensino público, a manutenção da proibição do divórcio e o reconhecimento da nação como católica. No âmbito das discussões sobre a construção de uma identidade nacional propriamente brasileira, muito em voga nas décadas de 1920 e 1930, a questão assume feições peculiares para os vitalistas, que impunham o lema da maioria católica que legitimamente deveria conduzir o destino da nação. Na perspectiva da arquitetura de um projeto católico para o país21, um dos destaques da revista nesse período é a luta contra a dominação cultural norte-americana a partir da crítica ao protestantismo, que começa a ter alguma penetração significativa como religião em várias localidades do Brasil. 20 Sobre a expressão entre aspas, ver nota 36 do capítulo 1. 21 Sob o pseudônimo de Tristão de Athayde, com que deu início à sua carreira como crítico literário, Amoroso Lima escreve na revista A Ordem sobre os estudos que determinam os traços psicológicos do povo brasileiro indicando a variedade regional que confere ao meio geográfico seu elemento diferenciador mais notório. À diferenciação apresentada entre o homem litorâneo dos aglomerados urbanos e o homem sertanejo isolado na caatinga, o autor sugere que a verdadeira força do caráter nacional residiria na formação cristã. De qualquer forma, há toda uma apologia à vida do campo e a identificação das cidades como centros de vício, luxúria e corrupção. 62 Para além do protestantismo, o combate ao espiritismo e à maçonaria também é muito comum nas páginas de A Ordem. Há diversos artigos rechaçando as pretensões científicas apresentadas pelos adeptos da doutrina espírita, enquanto outros empreendem severas críticas aos postulados ateus e liberais defendidos pela maçonaria. Para enfrentar estas e outras ‘ameaças’ de destruição à civilização católica brasileira, conclama-se o fortalecimento da pia imprensa sob os auspícios da hierarquia eclesiástica. A Igreja é vista como única fonte depositária da verdade que estaria sendo continuamente colocada em perigo através das concepções materialistas e cientificistas cristalizadas ao longo do século XIX, mas cujas origens remontavam à Reforma Protestante (1517) e à Revolução Francesa (1789)22, responsáveis pela disseminação de uma mentalidade agnóstica, laicista e desafiadora da hegemonia que a Igreja Católica usufruía na Idade Média, tida como uma longa fase de sabedoria, paz e equilíbrio para a humanidade. Fatos econômicos e políticos são considerados pela óptica exclusivamente moralista manifestada nos textos de autoria do grupo de intelectuais católicos na revista A Ordem. Neste sentido, o problema operário é interpretado como conseqüência da descristianização generalizada da sociedade e a teoria marxista do antagonismo entre classes é contestada, pregando-se no lugar do conflito a cooperação entre burguesia e proletariado, de acordo com os ensinamentos da doutrina social da Igreja desde a famosa carta encíclica Rerum novarum, do papa Leão XIII (1878-1903).23 Outra constante desde os primeiros anos de existência da revista A Ordem são as campanhas em prol da consagração do Brasil à Nossa Senhora Aparecida e da construção de uma imagem de Jesus no alto do morro do Corcovado como símbolos constitutivos máximos do catolicismo no país. Diante da conjuntura política dos anos 1930, em que Getúlio Vargas (1882-1954), como chefe do governo provisório precisa legitimar-se socialmente, a Igreja demonstra a conveniência de tê- 22 Se o acontecimento da Revolução Francesa é sempre censurado, por outro lado salienta-se a influência benéfica da França como propagadora do pensamento tradicionalista (De Bonald, De Maistre e outros) que concorreria para a edificação de uma “civilização espiritual” em oposição à “civilização material” difundida pela cultura norte-americana. 23 Cf. Leão XIII, Rerum novarum [“Sobre as coisas novas”], Petrópolis, Vozes, 1951; Pio XI, Quadragesimo Anno: sobre a restauração da ordem social, Petrópolis, Vozes, 1959; e João Paulo II, Centesimus annus: carta encíclica pelo centenário da Rerum novarum, Roma, 1991, disponível em www.vatican.va. 63 la como força de apoio moral e político, conforme depreende-se do pronunciamento de dom Leme na ocasião da inauguração da estátua do Cristo Redentor em 1931. “O nome de Deus está cristalizado na alma do povo brasileiro. Ou o Estado reconhece o Deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado”. Em novembro de 1928, uma ocorrência inesperada pega de surpresa o país de uma maneira geral e os integrantes do CDV em especial: a morte acidental e prematura de Jackson de Figueiredo, aos 37 anos de idade, tragado pelas ondas do mar da praia da Barra da Tijuca, onde fora praticar a pescaria, seu passatempo predileto. A partir de então, Alceu Amoroso Lima, recém-convertido ao catolicismo e que ainda não tinha se envolvido plenamente, conforme as suas próprias palavras, na obra de ‘renovação espiritual’ da brasilidade empreendida pelos vitalistas, é convocado por dom Leme e por alguns membros do Centro a assumir sua direção.24 Um mês após a morte de Jackson, a revista A Ordem publica dois artigos de autoria de Amoroso Lima. No primeiro, intitulado “Obedecendo”, o autor comunica a aceitação do convite que lhe fora feito de forma inesperada, esclarecendo que tal anuência estava condicionada à reorientação do caráter político-partidário do periódico para torná-lo uma revista da cultura católica geral, enquanto o CDV se transformaria num núcleo de estudos para a formação de uma cultura católica superior.25 24 Segundo seu próprio depoimento, antes da conversão por influência de Jackson de Figueiredo, de Sebastião Leme e de alguns pensadores católicos, Alceu não tinha o menor interesse pela vida pública e era fortemente inspirado pelo agnosticismo e pelo spencerianismo, concebendo a vida “como uma expressão estética”. Ver Cf. Marieta de Moraes Ferreira, “Alceu Amoroso Lima” in DHBB, 5 p. 25 Já em suas primeiras edições, ainda em 1921, A Ordem traz estampada na página de abertura a fotografia de Arthur Bernardes e mensagens de apoio ao pré-candidato à presidência da República que Jackson de Figueiredo identificava como representante da reação contra a onda revolucionária tenentista. Este e outros exemplos concretos de favorecimento ou desaprovação a episódios da política no âmbito Executivo e Legislativo, na verdade traduzem a intenção inicial de Jackson em fundar um partido católico no país, no que sempre foi dissuadido por dom Leme, que preferia que as forças católicas se organizassem de forma suprapartidária, penetrando nas várias instituições do Estado, formando novos políticos e convencendo os parlamentares já atuantes no sentido de lutarem pela aprovação de emendas católicas nas leis e pela inserção cada vez maior da Igreja na sociedade brasileira. De qualquer forma e não obstante o compromisso de Alceu Amoroso Lima de afastar o CDV da política – perspectiva ratificada por outros estudiosos do movimento intelectual católico no Brasil –, pode-se relativizar o grau em que isto ocorre no novo direcionamento para o que se chama de “formação de uma cultura católica superior”, caso contrário, como se verá adiante, os imensos esforços para a criação da Liga Eleitoral Católica (LEC) e os êxitos obtidos pela mesma na Constituição de 1934 não teriam razão de ser. Em alguns estados da federação, a LEC recebeu até mesmo ajuda financeira da Ação Integralista do Brasil, organização partidária de inspiração fascista fundada pelo jornalista Plínio Salgado em 1932, que sempre teve simpatia mais ou menos dissimulada do movimento vitalista por conta de seu lema 64 No segundo artigo, “Adeus à disponibilidade” – na verdade a reprodução de uma carta enviada ao amigo e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda –, Alceu expõe as razões profundas que o levaram a abraçar o catolicismo em lugar do ateísmo, reconhecendo que tal atitude vinha a contrariar a “mentalidade materialista” de seu tempo, caracterizada principalmente pelo “excesso de liberdade e pelo espírito de autodivinização”.26 A revista A Ordem de março de 1929 é totalmente consagrada à memória de seu fundador, incluindo textos até mesmo de autores avessos ao movimento católico, que enaltecem as virtudes e o pioneirismo do líder falecido. A defesa da figura de Jackson oscila entre o perfil de “homem simples” e “profundamente humano” que foi durante a vida, e o perfil de gênio que conseguiu arregimentar a intelectualidade brasileira “contra as vacilações espirituais, o mal e a desordem”. Dentro do redirecionamento das atividades do CDV com ênfase no aspecto mais cultural da realidade, a sociologia passa a ser considerada não como ciência, mas como conhecimento útil ao projeto de “reforma das consciências” para o estabelecimento da hegemonia católica no Brasil. Acentua-se centralidade da família acima do indivíduo (liberalismo) e do Estado (socialismo) como base espiritualista da teoria sociológica de cunho cristão.27 Outra área que também passa a ganhar maior proeminência no debate vitalista é a filosofia, especialmente pelo viés do pensamento tomista, tido como fundamento seguro e sólido contra a influência desagregadora, estéril e idealista da modernidade. A tentativa de conciliação entre o antigo ideal de racionalidade platônico e aristotélico, e a tradição da verdade revelada do cristianismo, é revista pelo filósofo francês Jacques Maritain (1882-1973). A proposição de Maritain pelo permanente diálogo entre unidade cristã – que acima de tudo deveria ser personalista, ou seja, representar a pessoa humana como máximo “Deus, Pátria e Família” e por ter no comunismo um inimigo comum da Igreja. Além de outros textos mencionados na bibliografia, consultar o verbete de Mônica Kornis, “Centro Dom Vital”, in DHBB, 4p. 26 O posicionamento de Alceu – “uma passagem do descompromisso para os problemas transcendentes, isto é, das origens e dos fins da vida do ser humano” – representou, de fato, um escândalo nos meios intelectuais e entre muitos de seus amigos, chegando Mário de Andrade a dizer que havia morrido um crítico literário. Cf. M. M. Ferreira, Op. cit., 5 p. 27 A família seria uma espécie de ‘motor de arranque’ da reforma em curso pela recristianização social por conta dos preceitos básicos que a acompanham: fecundidade e unidade. A crítica ao controle de natalidade, a oposição ao divórcio, a condenação do aborto e as divergências em relação à política eugenista do governo se intensificam na década de 1930. Ver capítulo 3 deste trabalho. 65 valor ético fundamental e realidade metafísica primordial – e democracia política – que acima de tudo deveria ser pluralista, ou seja, conceber os diferentes sistemas políticos, sociais e culturais como resultantes da diversidade de grupos autônomos, porém interdependentes –, ficou conhecida como ‘humanismo integral’ e encontrou ampla resistência dos setores mais conservadores da Igreja.28 Aos poucos, porém, o pensador francês passou a ser o teórico contemporâneo de predileção de Amoroso Lima, tendo seus textos continuamente comentados em A Ordem e tomando parte como palestrante no quadro de conferências promovidas pelo CDV.29 O registro de acontecimentos políticos na esfera nacional diminui bastante pelo menos até o mês de outubro de 1930, enquanto no plano internacional multiplicam-se as referências sobre arbitrariedades cometidas pelos regimes anticatólicos que promoviam a perseguição política do clero e dos fiéis em outras partes do mundo.30 Depois de instaurado o governo provisório de Vargas, os vitalistas encetam uma grande campanha a favor do único tipo de revolução que, a seu ver, restituiria ao país a sua “verdadeira” direção: a revolução espiritual. Convocam os católicos a participarem ativamente do processo político através da formação de uma grande 28 Na qualidade de maior expressão da vida católica nacional, o CDV se transformou no núcleo de origem de várias organizações que ajudaram na obra de revitalização da Igreja no país, passando a congregar de 50 a 500 associados entre 1928 e 1935. Presente em mais de dez cidades, o centro mais ativo era o do Rio de Janeiro, seguido pelo de São Paulo, liderado por Plínio Correia de Oliveira (1908-1995), fundador da Sociedade para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade (mais conhecida pela sigla TFP), cujo ato mais conhecido pela historiografia nacional foi a organização de uma passeata de proporções gigantescas, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que procurou sensibilizar a opinião pública contra as medidas por reformas de base do mandato de 1961 a 1964 do presidente João Goulart (1919-1976). Id., ibid., 5p. Consultar também o verbete da CNBB, “Conferência Nacional dos Bispos do Brasil”, escrito a quatro mãos por Mônica Kornis e Sérgio Montalvão para o DHBB, 14p. 29 Inicialmente Alceu adotou uma postura ortodoxamente autoritária e, de acordo com a mística jacksoniana, baseada no culto da ordem e da disciplina, tendência que só foi arrefecendo com o passar do tempo a partir de sua percepção mais clara de “que o fato de acreditar na liberdade acima da autoridade, de acreditar na democracia acima das oligarquias ou autocracias, de acreditar na liberdade de pensamento acima do dirigismo intelectual, não implicara nenhum conflito com suas convicções católicas, e não existia entre uma e outra coisa a menor incompatibilidade”. Ver M. M. Ferreira, Op. cit., 5 p. 30 Sobre o caso da intolerância entre poder temporal e espiritual no México, ver a segunda nota dos anexos da tese, onde também foram reproduzidos os seguintes textos que se configuram como fontes originais que em muito auxiliaram a redação do presente capítulo: os estatutos do CDV de 1922 e de 1931, para o estabelecimento das diferenças mais gerais na coordenação dos rumos da entidade sob Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima; o artigo sobre a Coligação Católica Brasileira e os estatutos sobre o funcionamento da Ação Católica Brasileira, para o conhecimento das entidades precursoras não só da primeira universidade católica do país, mas também dos órgãos que foram se desmembrando a partir das inúmeras atividades que o Centro desenvolvia entre os estudantes, o operariado, na área da imprensa, da publicação de livros etc. 66 massa eleitoral em torno das reivindicações católicas para a futura Constituição do país.31 É nesse sentido que Alceu Amoroso Lima escreve uma série de textos sustentando a necessidade de uma doutrinação sistemática para vencer o “nominalismo católico” da burguesia, condenada como camada social decadente do ponto de vista biológico (controle de natalidade)32, econômico (liberalismo) e político (laicismo). Tal condenação, no entanto, não atinge a burguesia como classe, isto é, em bloco, como na perspectiva do comunismo, incidindo sim na sua concepção de vida agnóstica, egoísta, esteticista, laicista, materialista e subjetivista. Se muitas vezes declara sua postura assumidamente antiliberal, por outro lado o CDV admite sua atitude crítica ferrenha contra o comunismo, constituindo-se como importante suporte ao regime varguista recém-implantado, do qual também requer apoio para a intervenção da Igreja na ordem política. Assim, decreta a falência dos modelos centrados ou no indivíduo ou no Estado como eivados de materialismo, defendendo a restauração de um ordenamento jurídico “ético- corporativo”, inspirado nos tempos medievais, como plenamente capaz de garantir a conservação das tradições nacionais. A revista A Ordem publica vários textos que conferem ao Estado o papel de defensor da família através da implantação do ensino confessional nas escolas públicas, da confirmação do caráter religioso da nação brasileira, e da preservação da indissolubilidade do casamento também no âmbito civil, a fim de evitar a licenciosidade dos costumes e a conseqüente descristianização social. O contínuo apelo para a participação dos católicos na política é redimensionado com a criação da Liga Eleitoral Católica (LEC) em 1932, que se constitui num organismo de articulação e representatividade católica na paisagem política de incertezas depois do Golpe de 193033. 31 Inconformados com a tentativa frustrada fazer valer suas demandas desde a reforma constitucional de 1926, a mobilização dos católicos agora seria, além de mais intensa e diversificada, beneficiada pelo próprio vazio de poder gerado pelo movimento revolucionário de 1930. 32 O tema do anticoncepcionismo, bem como outros relacionados à saúde, será melhor desenvolvido no capítulo 3 deste trabalho, em que as idéias eugênicas são retraduzidas sob os valores cristãos, e as teorias e práticas científicas são consideradas de maneira bastante interessante e, às vezes, original, para além do simples combate à ideologia do progresso. 33 O jurista mineiro Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991), assíduo colaborador desde os primórdios da revista A Ordem e presidente do CDV na década de 1980, foi um dos críticos mais contundentes do governo 67 A atuação da LEC se deu como grupo de pressão pela aprovação da plataforma mínima de exigências da Igreja – a instrução religiosa facultativa no ensino público, a manutenção da proibição do divórcio e o reconhecimento da nação como católica –, e apoio aos candidatos à Assembléia Nacional Constituinte de 1933 à Câmara Federal de 1934 que estivessem comprometidos com os princípios católicos em geral.34 No ano de 1935, A Ordem anuncia a fundação da Ação Católica Brasileira (ACB)35 em substituição à Coligação Católica Brasileira (CCB), que congregava ramos diferenciados da atuação da Igreja, todos desmembrados a partir do Centro Dom Vital, entre eles: a Associação de Bibliotecas Católicas; a Associação dos Universitários Católicos (AUC), depois transformada em Juventude Universitária Católica (JUC); a Confederação de Imprensa Católica; a Confederação Nacional de Operários Católicos e as Equipes Sociais, mais tarde transformados em Juventude Operária Católica (JOC); o Instituto Católico de Estudos Superiores (ICES).36 provisório instalado após a Revolução de 1930. Até sua “Crônica Política” ser extinta do periódico em 1933 a pedido de dom Leme – afinal, o Estado varguista subsidiava a maior parte dos empreendimentos da Igreja à época –, Sobral Pinto censura, entre outras coisas, a incoerência ideológica dos revolucionários que denunciaram a concentração de poder nas mãos do Executivo anterior para em seguida fazerem o mesmo com Getúlio Vargas. Ver o Sobral Pinto, a consciência do Brasil: a cruzada contra o Regime Vargas, no qual o brasilianista John W. F. Dulles aponta a manifestação sistemática que Sobral Pinto faz a favor do Estado democrático de direito no período Vargas, em que defendeu gratuitamente o comunista Luiz Carlos Prestes (1898-1990). Mais tarde, durante os governos militares de 1964 a 1985, Sobral Pinto denuncia também os excessos cometidos contra a liberdade dos cidadãos, sendo o primeiro a chamar o regime de ‘ditadura’. Por ser um líder católico de peso e uma personalidade respeitada em âmbito internacional por setores sociais antagônicos, foi considerado, junto com Alceu Amoroso Lima, como ‘intocável’ pelas autoridades da situação. 34 Em 1931, a pauta de reivindicações católicas já tinha sido contemplada pelo Decreto n. 19.941 de 30 de abril que facultara o ensino religioso nas escolas públicas. Mais tarde, houve a aprovação de duas emendas religiosas pela Assembléia Nacional Constituinte, a primeira invocando o nome de Deus no preâmbulo do anteprojeto constitucional, e a segunda determinando a colaboração recíproca entre Estado e Igreja. 35 Em atendimento à invocação do papa Pio XI na já supracitada encíclica Ubi arcano Dei, que sugeria a instituição de um movimento mundial denominado “Ação Católica”, com ramificações em diversos países, para auxiliar a hierarquia na evangelização das nações. Consultar o texto de Ivan Aparecido Manoel, “A Ação Católica Brasileira: notas para estudo”, Acta Scientiarum, v. 21, n. 1, p. 207-215, 1999; e o verbete escrito por Mônica Kornis para a ACB em DHBB, 3 p. 36 Para um relato mais circunstanciado da CCB e de seus diversos ramos, que não se limitam aos supracitados, ver o balanço que Tristão de Athayde faz desta organização, reproduzido nos anexos do presente trabalho. O DHBB possui verbetes sobre a ACB, a CCB, a JOC, a JUC e também sobre as mais tardias Juventude Agrária Católica (JAC) e Juventude Estudantil Católica (JEC). É importante salientar que todas essas instituições, originalmente moldadas na Europa, procuravam recrutar leigos dos estratos médio de sociedades em pleno processo de industrialização, numa época em que o sistema eleitoral burguês havia neutralizado os aliados da Igreja oriundos da aristocracia e excluído os trabalhadores, cuja força de oposição começava a se fazer sentir. De agora em diante, a Igreja teria de se apoiar cada vez mais nos cidadãos leigos a fim de continuar usufruindo 68 De acordo com as determinações de Sebastião Leme e dadas as dificuldades inerentes à doutrinação no meio brasileiro – em que se observa a indisciplina “inata” do povo, a ignorância e o fanatismo religioso das massas, a interferência da política na religião, o sentimentalismo doentio das classes superiores –, o trabalho da Ação Católica deveria se concentrar na formação religiosa e moral do apostolado; na preocupação com as classes sociais mais desfavorecidas, como operários e camponeses; na dedicação especial aos jovens e crianças; e na contínua organização das forças católicas leigas.37 Também em meados de 1930, a temática do comunismo passa a ser tratada com maior interesse pelos vitalistas, pois já é visto como inimigo mais próximo, não mais circunscrito à Rússia. Tampouco as alternativas que se apresentam em âmbito nacional para combater o internacionalismo dos sistemas capitalista e socialista são consideradas com a devida seriedade, porém criticadas em seu aspecto de profunda hipertrofia estatal.38 No subcapítulo adiante procura-se dar ênfase à proposta pedagógica propugnada pelo CDV a partir da revista A Ordem como item mais proeminente do ideário católico de reorganização da vida nacional pelo viés da espiritualidade cristã. 2.2 Por uma cultura católica superior Do contexto da proclamação da República em diante, em especial, entre as décadas de 1920 e 1940, o tema da educação ganhou destaque no debate acerca da reconstrução do país e do que seria verdadeiramente considerado como dos privilégios estatais. Ver Ralph Della Cava, Igreja e Estado no Brasil do século XX (1916-1964), São Paulo, CEBRAP, 1975, p. 13-20. 37 Ação Católica Brasileira – mandamento dos arcebispos e bispos do Brasil”, A Ordem, Rio de Janeiro, Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 64, jun. 1935, p. 437-444. Vide anexos da tese para reprodução dos estatutos completos da Ação Católica. 38 O regime fascista de Benito Mussolini (1883-1945) é encarado com certa simpatia pelas medidas de incentivo à Igreja italiana, quando o Tratado de Latrão reconheceu a soberania da Santa Sé no Estado da Cidade do Vaticano em 1929. Já o nazismo de Adolf Hitler (1889-1945) é rejeitado justamente pela política radicalmente anti-religiosa e racista. 69 nacional. Diferentes setores da sociedade, inclusive do movimento de renovação católica iniciado em 1921, passam a estruturar propostas em que a escolarização se configurou como elemento-chave para se contrapor às crises que abatiam o cenário brasileiro, ao mesmo tempo em que serviria de instrumento de afirmação da identidade brasileira. Em concorrência com as aspirações pedagógicas católicas, outros grupos também conceberam a educação como agente propulsor privilegiado das transformações sociais que se julgavam necessárias. Tal foi o caso dos chamados ‘educadores profissionais’ identificados com o movimento da Escola Nova39, que de fato tornaram-se os principais adversários dos vitalistas na disputa pelo controle do sistema escolar, então superestimado como importante recurso de poder na agenda pública. Já em sua carta pastoral de 1916, o bispo Sebastião Leme mencionava a falta de instrução religiosa como principal motivo da apatia e da inércia dos católicos na vida política nacional, indicando a necessidade premente de apoiar a fé religiosa em bases firmes, através do conhecimento aprofundado da doutrina cristã. Ao colocar em relevo a conveniência de uma crença intelectualmente amadurecida, fica evidente a importância que a questão educacional assume no projeto de recatolização do Estado e da sociedade brasileira. Nesse sentido, tem início toda uma campanha a favor do ensino confessional facultativo nas escolas públicas, o que se concretiza com a promulgação da lei que em abril de 1931 põe fim a 40 anos de vigência da laicidade nesses estabelecimentos desde a primeira Constituição republicana. Todavia, mais que a luta contra a secularização educacional nos níveis primário, secundário e normal, dom Leme também aponta para a necessidade da criação de uma universidade católica no intuito de recrutar e orientar as elites de acordo com os princípios religiosos, habilitando-as para a unificação moral do país.40 39 Seus principais representantes eram o jurista Anísio Teixeira (1900-1971) e o sociólogo Fernando de Azevedo (1894-1974), também identificados como ‘pioneiros da educação’. Cf. Maria de Lourdes A. Fávero & Jader de M. Britto, Dicionário de Educadores no Brasil, Rio de Janeiro, UFRJ, 1999; Marcos Castilho Gonçalves, Cidade, cultura e educação: o projeto de modernização conservadora da Igreja Católica em Taubaté, em meados do século XX, Tese de Doutorado em Educação, PUC-SP, 2003; Otaíza de Oliveira Romanelli, História da educação no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1978. 40 Na verdade, a aspiração pela fundação de um estabelecimento católico de ensino superior no Brasil é bem mais antiga, remontando a um pronunciamento do advogado, jornalista e político maranhense Cândido Mendes de Almeida (1818-1881) em 1866 a favor da fundação de um núcleo de irradiação da doutrina cristã; a uma 70 Com a mudança de inflexão no movimento católico de uma perspectiva mais política sob a direção de Jackson de Figueiredo para outra mais cultural após sua morte em 1928, a concepção original manifestada na pastoral de dom Leme realmente se traduz na maior dedicação dispensada com relação ao ensino, ainda que a cruzada militante fosse paulatinamente ampliada em outras frentes sociais, conforme comentado.41 Ocorre que a vitória obtida pelos católicos com a aprovação do ensino religioso aumentou as divergências entre estes e o grupo de educadores escolanovistas, que não queriam ver tal medida implementada. Para responder às correntes de opinião que se debatiam pela permanência da educação leiga, Alceu Amoroso Lima e o padre Leonel Franca42 passaram a criticar sistematicamente as propostas educacionais do movimento encabeçado por Anísio Teixeira nos artigos publicados na revista A Ordem. Os dogmas pedagógicos importados dos Estados Unidos ao Brasil pelos ‘pioneiros da educação’ eram tidos pelos vitalistas como mais um elemento desestabilizador da espiritualidade católica, à medida que procurava perpetuar a mentalidade individualista, utilitarista e protestante da civilização norte-americana. A concretização dos postulados e teorias de John Dewey (1859-1952)43 acarretaria a ‘anarquia pedagógica’ generalizada, visto que seus pressupostos deterministas proposta também não efetivada de introdução das cadeiras de filosofia e teologia nas academias de ensino superior já existentes, apresentada quatro anos mais tarde pelos participantes de um congresso católico que teve lugar na Bahia; e, finalmente, à iniciativa do bispo de São Paulo dom Miguel Kruse (1864-1926), que em 1908 funda a Faculdade Católica de Filosofia e Letras, porém sem conseguir obter reconhecimento oficial. Os estatutos do CDV de 1931 deixam bem claro a intenção de criar uma universidade católica no país, indicando inclusive seus primeiros cursos no art. 2º: teologia, filosofia, ciência e história da Igreja (vide anexos). 41 A Associação de Bibliotecas Católicas e a Confederação da Imprensa Católica cuidavam da publicação e divulgação de obras e notícias religiosas, enquanto a Confederação Nacional de Operários Católicos e as Equipes Sociais exerciam seu apostolado junto aos sindicatos trabalhistas urbanos, procurando evitar a penetração comunista nos mesmos. Estas quatro entidades, mais a Associação de Universitários Católicos (AUC) e o Instituto Católicos de Estudos Superiores (ICES), ambas atuantes no meio universitário, formavam a Ação Católica Brasileira, associação civil que coordenava e reunia o trabalho dessas agremiações leigas. Vide anexos ao final da tese. 42 Sacerdote jesuíta, Leonel Franca (1893-1948) fora designado para ocupar o posto de assistente eclesiástico desde a fundação do CDV e também se tornou o primeiro reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). 43 Filósofo e pedagogo estadunidense cuja idéia básica sobre a educação está centrada no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do aluno. 71 submetiam a filosofia à ciência, conferindo maior crédito ao progresso material e à técnica do que à realidade metafísica acima dos homens. Em busca de legitimação social e sem uma diretriz educacional claramente definida, o Estado procurava sempre soluções conciliatórias entre as tendências em disputa: enquanto os católicos buscavam manter a política educacional em congruência com o modelo oligárquico, os escolanovistas queriam adaptá-la ao processo econômico oriundo das novas forças produtivas emergentes e do sistema capitalista periférico. A fim de assegurar a instrução da classe trabalhadora e erradicar o analfabetismo que atingia a maioria da população, os reformadores pedagógicos advogavam a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino como tarefa do Estado, no que logo foram refutados pelos intelectuais católicos, que não viam com bons olhos a interferência do poder público num terreno de competência que lhes parecia antes da família e da Igreja.44 De qualquer forma, com a ratificação da validade jurídica dos princípios pedagógicos católicos no ensino básico na Carta Magna de 1934, a Igreja volta-se agora com maior afinco para a elaboração de estratégias de ação do grupo no que diz respeito ao ensino superior, que se torna mesmo seu domínio privilegiado, conforme a própria posição elitista que representava. Não à toa, as primeiras ramificações do CDV, incidem justo sobre o meio universitário com a organização da Associação dos Universitários Católicos (AUC) em 1929 e do Instituto Católico de Estudos Superiores (ICES) em 1932, que podem ser consideradas como instâncias mediadoras entre aquela célula originária do movimento vitalista e a fundação da Universidade Católica em 1941. Os estatutos da AUC45 anunciavam como principais objetivos para se atingir a meta maior da “salvação da juventude universitária” a complementação da 44 Ademais, os vitalistas faziam a distinção de ‘instrução’ e ‘educação’, sustentando que a primeira só preparava técnicos com suas lições em saberes fragmentados (ensino laico), ao passo que a segunda compreendia a totalidade do ser humano, formando o bom cidadão e o bom chefe de família (ensino confessional). 45 Entidade que em 1935, com o aparecimento da Ação Católica Brasileira, se converte na Juventude Universitária Católica (JUC) e cuja atuação acaba escapando ao controle das autoridades eclesiásticas mais ortodoxas, transformando-se numa instância questionadora da realidade extremamente desigual do país em paralelo à Juventude Operária Católica (JOC). Dos quadros formados na JUC pode-se citar como exemplo o sociólogo Herbert José de Souza (1935-1997), isto sem mencionar outras figuras que teriam lugar nas esferas máximas de representação da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os bispos mais conservadores chegaram 72 educação religiosa de seus integrantes; a preparação de católicos militantes na vida particular e na vida pública; e a coordenação das “forças vivas” da mocidade brasileira a fim de ser restaurada a ordem social cristã no Brasil. A fim de contemplar a produção acadêmica dos jovens militantes católicos, em 1930 a revista A Ordem inaugurou a “Seção Universitária”, que também refletia as bandeiras de luta dos aucistas em prol da autonomia universitária, pela maior representatividade estudantil e, acima de tudo, contra a infiltração comunista nas faculdades, no que recebia todo estímulo do governo Vargas até mesmo para denunciar alunos e professores considerados suspeitos. Já o ICES foi desde os seus primórdios considerado como o primeiro passo concreto da Igreja para a organização de uma universidade católica, servindo inicialmente como centro de formação complementar de alunos oriundos de outros estabelecimentos de ensino superior do Rio de Janeiro, criticados pelos vitalistas como de excessivo caráter tecnicista e profissionalizante. Diferentemente das conferências semanais sobre temas filosóficos, pedagógicos, sociológicos e religiosos promovidos pelo CDV, o programa curricular do ICES, com duração total de dois anos, tinha evidentes pretensões acadêmicas. À medida que as áreas de abrangência no Instituto se ampliaram, sua audiência também expandiu bastante, passando de inicialmente 30 pessoas ao ano em 1932 para 200 em meados de 1935.46 Havia todo um intuito de se ultrapassar a diretriz tida como pragmática dos únicos cursos de ensino superior oferecidos ao público carioca pelos estabelecimentos oficiais de ensino (Direito, Engenharia e Medicina) a partir de uma orientação “nobre e desinteressada” que pretendia suprir o vácuo existente no ensino superior de humanidades. Ao mesmo tempo, as cadeiras ministradas procuravam seguir os cânones metodológicos universalmente consagrados pelos a declarar que não se poderia mais contar com a JUC para combater o marxismo. Consultar os verbetes da “JOC” e da “JUC” no DHBB. 46 Às vésperas da inauguração da PUC-RJ, A Ordem apresenta um encarte do programa de disciplinas oferecidas pelo ICES e seus respectivos professores, também articulistas do periódico: Ação Católica e Literatura Brasileira (com Alceu Amoroso Lima); Antropologia e Biologia (com o cientista Carlos Chagas Filho, o filósofo Álvaro Vieira Pinto e o médico Hamilton Nogueira); Economia Política (com o desembargador Romeu Rodrigues Silva); Estudos Teológicos (com o beneditino Martinho Michler); Filosofia da Linguagem (com o lingüista Silvio Edmundo Elia); Filosofia Geral (com o frei Sebastião Tauzin); História da Civilização (com o historiador Eremildo Luiz Vianna); História Geral (com o professor João Gouveia Vieira); Latim (com o lingüista Guilherme Ribeiro); Pedagogia Experimental (com dom Hélder Câmara); Pedagogia Geral (com o educador Theobaldo Miranda Santos); Sociologia (com o jurista Luiz A. do Rego Monteiro). 73 diversos saberes científicos, ainda que cada um deles estivesse bem fundamentados sob o paradigma cristão de ciência.47 O modelo universitário pretendido pelos católicos remete à denúncia que fazem da ‘crise’ do mundo científico, cujas origens estariam no século XIX, quando a crença de que a técnica e o progresso dariam conta de todos os problemas da humanidade promoveu o divórcio definitivo com o pensamento escolástico. O moderno fenômeno da divisão do trabalho intelectual tinha como conseqüência funesta a exagerada especialização e fragmentação dos diferentes ramos do saber, transgredindo a “hierarquia natural” das ciências especulativas (filosofia e teologia) frente às experimentais (ciências naturais e matemáticas). Na qualidade de embrião da futura universidade católica e integrado ao movimento internacional de renascimento espiritual que também se operava no Brasil, o ICES se apresentava como alternativa à concepção racionalista e secular de ensino existente que, para os católicos, não fazia nada mais que reunir diferentes escolas superiores de maneira inorgânica, sem a sólida estrutura de interdependência que caracterizava o regime universitário na Idade Média. No ideário vitalista, a universidade seria a peça chave que propiciaria a ressacralização do Estado e da sociedade não a partir da formação de técnicos, mas pela formação de elites dirigentes educadas de acordo com os princípios cristãos. Assim, a constituição de um centro católico de ensino superior tornava-se o locus privilegiado do projeto de reconstrução nacional almejado à época por diferentes grupos de interesse, o que permite concluir que os propósitos da Igreja transcendiam os limites acadêmicos para terem como meta a conquista um lugar de destaque no encaminhamento dos destinos políticos do país. O primeiro passo para a transformação do ICES numa universidade de fato, subordinada à Santa Sé e ao episcopado brasileiro – com independência do Estado, mas que pudesse receber seus subsídios48 –, foi a instituição de uma comissão 47 No capítulo 3 se verá mais especificamente como os artigos publicados na revista A Ordem procuravam demonstrar a perfeita compatibilidade entre o conhecimento racional e a fé cristã, ‘sacramentando’ a ciência como esteio intelectual da ação católica. 48 O princípio segundo o qual o Estado não devia empreender esforços sociais que poderiam ser executados por instituições privadas (‘subsidiariedade’) tinha como contrapartida o direito à subvenção, por parte dos poderes públicos, das entidades que realizassem algum ‘benefício’ social. A Igreja estava plenamente engajada na participação das benesses – especialmente nos meios estudantil, operário e camponês –, conferidas pelo modelo ‘desenvolvimentista’ que se pretendia distante tanto do capitalismo, quanto do socialismo. Cf. Jean-Yves 74 liderada pelo padre Franca e por Alceu que deflagrou intensa campanha financeira para angariar fundos para a instalação seus dos cursos de Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Geografia, História, Letras Clássicas, Letras e Pedagogia das Faculdades Católicas, que entraram em funcionamento em março de 1941, após receber a autorização do Conselho Nacional de Educação. A incorporação da Escola Serviço Social às Faculdades Católicas e a aprovação do seu pedido de oficialização pelo Decreto n. 10.895 de 1º de dezembro de 1942, equivalente ao aval para expedir seus próprios diplomas, foram como que o coroamento do empenho da Igreja no terreno da educação superior. Já em 1947, a primeira universidade particular brasileira seria elevada à categoria de Pontifícia pelo Vaticano, conforme suas similares em todo o mundo.49 Alguns aspectos contraditórios subjacentes à materialização da universidade católica, no entanto, podem ser observados. Primeiro, a visão de que o sistema educacional como um todo ou de que ensino superior em particular pudesse ser o principal agente de transformações sociais profundas, quando no máximo parece ser um interessante espaço para repensar a realidade nacional. Outro é a própria idéia de que o perfil confessional da universidade católica realmente se tornasse um veículo de evangelização, que operacionalizaria a cristianização da sociedade ‘de cima para baixo’, conforme as expectativas da hierarquia eclesiástica quando lançou a idéia da restauração espiritual das elites leigas. Por último, cabe questionar em que medida o programa dos cursos oferecidos pela PUC, todos permeados por disciplinas obrigatórias de cunho teológico, realmente serviu de base para a formação de uma elite comprometida com os ideais cristãos de solidariedade entre os homens. Para finalizar, reproduziu-se abaixo, a título de ilustração, algumas fotos tiradas da revista A Ordem ao longo do período da pesquisa, incluindo uma de suas capas e informações sobre o ICES e as Faculdades Católicas, que antecederam a PUC-RJ. Calvez, Igreja e sociedade econômica: o ensino social dos papas Leão XIII a Pio XII (1878-1958), Porto, Tavares Martins, 1960. 49 Mesmo não constando da agenda de prioridades dos católicos, por ser considerado eminentemente técnico, o curso de Engenharia também fez parte do quadro institucional da PUC logo em seus primórdios, atendendo ao apelo que foi dirigido ao seu reitor pelos professores da Escola Nacional de Engenharia em virtude da baixa oferta de vagas deste estabelecimento oficial no Rio de Janeiro. 75 Figura 1 - CAPA DA REVISTA A ORDEM DE 1932 Fonte: A Ordem, ano XII, n. 32, out. 1932. 76 Figura 2 - ANÚNCIO DO ICES DE 1934 Fonte: A Ordem, ano XIV, v. XI, n. 52, jun. 1934. 77 Figura 3 - ANÚNCIO DO ICES DE 1936 Fonte: A Ordem, v. XVI, set.-out. 1936. 78 Figura 4 - ANÚNCIO DAS FACULDADES CATÓLICAS EM 1941 Fonte: A Ordem, ano XXI, v. XXVI, n. 12, dez. 1941. 3 CIÊNCIA NA PERSPECTIVA VITALISTA A questão de sempre é saber se o homem deve nascer, viver, unir- se, morrer, receber, transmitir e deixar a vida como uma criatura de Deus, a Deus destinada, ou como uma larva aperfeiçoada, unicamente originária das fermentações do lodo da terra. Louis Veuillot apud A Ordem (n. 1, 1921) 3.1 Ciência a reboque da secularização da cultura Antes de verificar como a revista de intelectuais católicos A Ordem, fonte principal deste estudo, trata da temática científica, torna-se imprescindível esclarecer qual a noção de ciência que se pode depreender das páginas do próprio periódico, já que tal assunto, conforme constatado desde a pesquisa original de Mônica Velloso (1978) sobre a primeira década e meia da publicação deste órgão precedente e mais longevo do Centro Dom Vital (CDV)1, continua bastante presente em seu repertório. A produção historiográfica tradicionalmente reconhece que a sociedade moderna nasce do rompimento com a cristandade medieval européia, na qual a visão metafísica de mundo é proeminente. As controvérsias acerca do significativo poder da hierarquia eclesiástica frente às variadas dimensões sociais ganham cada vez mais força com o desenvolvimento do ideário renascentista por volta do século 1 “A Ordem: uma revista de doutrina, política e cultura católica”, Revista Ciência Política, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, jul.-set. 1978, p. 119. A epígrafe que abre o capítulo é a mesma que foi utilizada na revista que é fonte deste trabalho durante os anos 1921 a 1928, quando esteve sob a direção de Jackson de Figueiredo. O autor da frase, Louis Veuillot (1813-1883) foi um famoso jornalista francês e líder da propaganda ultramontana católica. 80 XIV, que inspirado na antiga civilização greco-romana, preconizava a valorização do saber crítico no intuito de aprimorar as potencialidades do ser humano.2 Outro importante marco da grande virada antropológica em ininterrupta e crescente ascensão pode ser assinalado no movimento da Ilustração quatro centenas de anos mais tarde. Seu traço distintivo mais fundamental seria a centralidade da ciência e da razão na recusa ou pelo menos na forte suspeita contra todas as formas de dogmatismo, em especial as que estavam atreladas às doutrinas políticas e religiosas mais tradicionais. As concepções filosóficas em voga – o racionalismo, o empirismo, o liberalismo3 – e o excepcional progresso material que sucede esse período definem o espírito moderno que, antes de mais nada, busca superar a percepção da realidade como domínio exclusivo do sagrado. A ressonância máxima desse quadro é a negação da idéia de Deus (ateísmo), que assevera a inconsistência de qualquer saber ou sentimento calcado na fé revelada. O fenômeno da laicização coincide ainda com o surgimento dos Estados nacionais modernos e com a chamada Revolução Industrial, eventos que contribuíram para a autonomia das diversas áreas da vida humana frente à tutela da Igreja Católica. Em certa medida, a religião pode ainda exercer alguma autoridade, como muitas vezes acontece até hoje, no entanto ela não é mais um sistema hegemônico que articula e confere unidade ao conjunto social. Como Clodovis Boff arremata, “fala-se sobre religião, mas não a partir dela”.4 2 A compreensão desse agitado processo histórico de transição para a modernidade pode ser encontrada em diversos títulos do longo inventário indicado nas referências bibliográficas. Aqui, vamos mencionar apenas Riolando Azzi, A crise da cristandade e o projeto liberal. São Paulo, Paulinas, 1991; Clodovis Boff, “Cristianismo e secularização”, Revista Convergência, Rio de Janeiro, n. 114, p. 343-358, jul.-ago. 1978; Jacob Burckhardt, A cultura do Renascimento na Itália, São Paulo, Cia. das Letras, 1991; E. H. Kantorowicz, Os dois corpos do rei: um estudo sobre a teologia política medieval, São Paulo, Cia. das Letras, 1998; Jacques Le Goff, Os intelectuais na Idade Média, São Paulo, Brasiliense, 1993; Ivan Aparecido Manoel, O pêndulo da história: tempo e eternidade no pensamento católico (1800-1960), Maringá, Eduem, 2004; Battista Mondim, Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica, São Paulo, Paulus, 1997; Maria Eurydice Ribeiro, A vida na Idade Média, Brasília, UnB, 1982; Nelson Mello e Souza, Modernidade: desacertos de um consenso. Campinas, UNICAMP, 1994. 3 Entre outras 80 ideologias tidas como incompatíveis com a fé católica na bula pontifícia Syllabus errorum, promulgada por Pio IX em 1864. Ver nota 16 do primeiro capítulo da tese. 4 Trata-se da objetivação e normatização das diferentes instâncias da sociedade, inclusive a religiosa, que convive com as demais e não desaparece por completo, só é reduzida em supremacia. Op. cit., jul.-ago. 1978, p. 347. 81 Nesse amplo cenário de especialização da natureza e dos valores morais em que até a teologia recorre à razão, o conhecimento não constitui mais aquela totalidade orgânica buscada nas disciplinas ou saberes disponíveis nas universidades do medievo. Em seu sentido estrito, a ciência passa a ser um sistema cognitivo baseado num conjunto de regras (método) que reúnem evidências observáveis, mensuráveis e/ou empíricas, dentro de uma linguagem universal. De acordo com Boaventura Santos (1999), o paradigma da ciência moderna se torna realmente dominante quando a racionalidade do interior do campo do conhecimento natural passa ao campo do conhecimento social, tornando-se o modelo das ciências sociais emergentes. Completa-se, assim, a utopia científica, gêmea da noção de progresso, que integra na ciência as expectativas outrora depositadas na providência divina e permite que os cientistas ocupem, de certa maneira, o papel de controle social antes conferido à religião e suas instituições.5 Em pouco tempo, as conquistas científicas se mostraram tão surpreendentes e chegaram a tal ponto na segunda metade do século XIX – as leis da termodinâmica como resultado inicial das preocupações relativas à máquina a vapor, a bacteriologia ligada à indústria da cerveja e do vinho, e a teoria darwinista da evolução como modelo explicativo para a origem das espécies, para mencionar apenas algumas – que a sociedade burguesa e os homens cultos do período estavam confiantes em seus métodos, orgulhosos de seus sucessos e prontos para subordinar qualquer forma de atividade intelectual a elas.6 Contudo, se nenhum outro período da história sofreu mais influência das ciências do que o século XX, nenhum outro também parece ter se sentido menos à vontade com elas. Os efeitos da ciência e da técnica no terreno da experimentação médica em seres humanos no mínimo depõem contra a própria modernidade, independente do regime político (Estado democrático ou totalitário) no qual ocorre o desenvolvimento científico.7 5 Boaventura de Sousa Santos, Um discurso sobre as ciências, Porto, Afrontamento, p. 10-11. 6 Eric Hobsbawm, A era do capital (1848-1875), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997, p. 349-382. 7 Pode-se citar desde técnicas de esterilização em massa, experimentos genéticos em gêmeos, recolhimento de peças anatômicas para faculdades de medicina e museus da raça, experimentos de hipotermia e ação letal de diferentes tipos de veneno, infecção experimental de tifo, malária, febre amarela, cólera, hepatite e varíola realizados durante as práticas eugênicas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) até a exposição deliberada de soldados a agentes patogênicos durante a chamada “Operação Tempestade no Deserto” na Guerra do Golfo 82 Assim, a derrocada da ciência como solução de todos os males da humanidade e da razão como manifestação evolutiva do homem parece ter dado lugar à negação das certezas, ao fim das grandes narrativas, à valorização das expressões emotivas e ao irracionalismo generalizado responsáveis pela fragmentação dos discursos típica do que vários teóricos como Lyotard (1979) e Baudrillard (1981) chamam de pós-modernidade.8 Considerando as diferentes dimensões em que o termo ‘ciência’ pode ser percebido e encarado em toda a sua historicidade, verifica-se na revista A Ordem, fonte e, de certa forma também objeto da presente pesquisa, os vários aspectos em que o mesmo é abordado, sempre em relação à fé católica ou a partir da doutrina e da visão católica de mundo.9 O primeiro eixo temático a ser destacado nas páginas da revista no período aqui analisado, ou seja, desde a sua fundação por Jackson de Figueiredo em 1921 até 194210, é o da eugenia, teoria que busca produzir uma seleção das coletividades humanas baseada em leis genéticas. Trata-se de um debate que abrange questões como raça e racismo, uniões matrimoniais, psiquiatria e até mesmo a entrada de imigrantes para revigorar a força de trabalho em território nacional. (1990). Eric Hobsbawm, Era dos extremos, o breve século XX (1914-1991), São Paulo, Cia. das Letras, 1995, p. 504-536. 8 Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna, São Paulo, José Olympio, 1979; e Jean Baudrillard, Simulacros e simulação, Lisboa, Relógio d’Água, 1981. 9 A consideração de que a Igreja constituiu um dos maiores obstáculos para a instauração de uma verdadeira cultura científica na sociedade brasileira e do desenvolvimento tecnológico no país tornou-se bastante comum a partir de Fernando Azevedo, por sua vez inspirado no clássico de Caio Prado Jr., Formação do Brasil contemporâneo. Cf. Moema R. Vergara, “Ciência e modernidade no Brasil”, Revista da SBHC, v. 2, n. 1, p. 22- 31, jan.-jun. 2004. Na contramão deste posicionamento e valendo-se de diferentes fontes primárias, muitos trabalhos mencionam o processo de institucionalização de vários ramos das ciências no Brasil como a geologia e a microbiologia pelo menos desde meados do século XIX, chegando mesmo a indicar a produção científica, ainda em tempos coloniais, nas áreas de astronomia, cartografia, matemática etc. Ver, entre outros, Carlos Camenietzki, A cruz e a luneta, Rio de Janeiro, Acess, 2001; Jaime Benchimol, Dos micróbios aos mosquitos, Rio de Janeiro, Fiocruz/UFRJ, 1999; e Silvia Figuerôa, As ciências geológicas no Brasil, São Paulo, Hucitec, 1997. 10 Nestes 22 anos relativos à pesquisa, só não encontramos nada que pudesse ter qualquer semelhança com a temática científica em 1924, 1925, 1927, 1928, 1934, 1937 e 1940, o que não quer dizer, necessariamente, que a ciência não fez parte das preocupações da revista nestes anos, pois não tivemos acesso a todos os fascículos do periódico, cuja coleção é bastante numerosa e não está completa em nenhum dos lugares onde se pode acessá-la na cidade do Rio de Janeiro, seja na Biblioteca Nacional, na Academia Brasileira de Letras (seção de obras raras da Biblioteca Rodolfo Garcia) ou no próprio CDV, instalado num salão do prédio anexo ao Mosteiro de São Bento. 83 O segundo grande eixo temático que também constitui um subcapítulo sobre a ciência na perspectiva vitalista é o que se pode enquadrar na ampla relação entre fé e razão. Aqui, é possível se deparar com controvérsias acerca da criação do mundo e do homem diante das teorias evolucionistas e criacionistas, o papel social de profissões como a engenharia e a medicina – para além da contribuição mais ‘técnica’, por assim dizer, de ambas –, a possibilidade de harmonizar a vocação de cientista com a vocação para a santidade, e outros assuntos que, apesar de não incidirem diretamente sobre a religião, interessam ao ideário e ao movimento católico da década de 1920 a 1940, como o status científico ou não da pedagogia, a contribuição da psicologia para a educação etc.11 Outras discussões que aparecem com regularidade nas páginas da revista A Ordem e que, por um ou outro motivo fazem interseção com a ciência, são o espiritismo, o ocultismo e a tentativa de análise de fenômenos sobrenaturais à luz da psiquiatria. Quando acontecimentos inexplicáveis através das leis naturais estão diretamente ligados ou são apropriados pela cultura cristã católica, há um nítido deslocamento do discurso depreciativo imputado a outras crenças e religiões para a defesa de que os mesmos ocorrem não a partir de fatos que possam ser comprovados pela ciência experimental, mas que de alguma maneira são legitimados pela razão ou por autoridades aprovadas pelo alto clero, que nunca sancionam eventos tidos como milagrosos sem ampla e demorada verificação prévia. Por fim, encontram-se ainda vários artigos sobre assuntos que a princípio poderiam tomar parte na ‘rubrica’ da economia e da saúde, mas são revistos sob o ângulo da moral católica. São polêmicas em torno do anticoncepcionismo e da variação das taxas de natalidade no Brasil e no mundo (desdobradas na questão do aborto, da reprodução assistida, da esterilização de homens e mulheres em idade fértil etc.), relevantes para a Igreja até os dias de hoje. O destaque para o próximo item do capítulo estende-se, portanto, ao debate eugênico em toda a extensão considerada nos textos encontrados sobre o assunto a partir de 1921. 11 O positivismo é permanentemente denunciado por parte do grupo católico como responsável pela concepção equivocada de ciência divorciada de conhecimentos mais especulativos desde o século XIX e aparece em vários artigos diferentes de todos os subitens do presente capítulo. Sobre as disputas referentes ao ensino confessional em estabelecimentos públicos, ver o item “Por uma cultura católica superior” no capítulo 2 da tese. 84 3.2 Espírito saudável, raça saudável O tema da eugenia já fazia parte das preocupações nacionais quanto ao estado de saúde, higiene e formação racial da população desde pelo menos o início da década de 1910, quando foram publicados os primeiros artigos na imprensa sobre o assunto. No entanto, foi só a partir da intensa campanha de divulgação do promovida pelo jovem médico e farmacêutico Renato Ferraz Kehl (1889-1974), que o mesmo logrou mobilizar boa parte da elite científica e intelectual brasileira em torno da fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo, agremiação pioneira na América Latina nos estudos e propaganda sobre a regeneração social da nação.12 O crescente nacionalismo que tomou conta da mentalidade geral no período logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) estava associado ao entusiasmo que a intelectualidade local tinha pela crença no poder da ciência em colocar o Brasil no caminho do progresso e, neste sentido, muitos estavam convencidos de que a eugenia também daria a sua contribuição para a supostamente necessária restauração física, mental e moral da nacionalidade. A eugenia brasileira se confundiu de tal forma com o movimento sanitarista e higienista que estes se tornaram fortes alicerces para a propagação da primeira, conquistando rapidamente a opinião pública e despertando a atenção do Estado. Segundo Vanderlei de Souza, o que viabilizou tal união foi a tradição ambientalista neohipocrática da medicina brasileira e a convicção na transmissão dos caracteres adquiridos.13 Desta forma, o discurso eugenista serviu de base a vários projetos de reforma do ambiente social e a campanhas de enfrentamento dos graves problemas sanitários e de saúde da população nacional, oferecendo ainda o instrumental 12 Esta brevíssima introdução sobre o ambiente em que as idéias eugênicas floresceram no país deve-se especialmente ao artigo de Vanderlei Sebastião de Souza, “A eugenia no Brasil: ciência e pensamento social no movimento eugenista brasileiro do entre-guerras”, apresentado no XXIII Simpósio da ANPUH (Associação Nacional de História), realizado em jul. 2005 em Lodrina (PR). Outras indicações do trabalho do autor, colega do Programa de Pós-Graduação da Casa de Oswaldo Cruz que já é referência nos estudos sobre eugenia, encontram-se na bibliografia ao final da tese. 13 “De maneira geral, os eugenistas entendiam que o ponto de partida de seus estudos deveria iniciar com as questões relativas à influência do meio sobre a saúde e a raça nacional. Deste modo, inspirados nas orientações neolamarckistas, os eugenistas acreditavam que as doenças venéreas, a tuberculose, o alcoolismo, a nicotina e outras drogas e infecções – os chamados ‘venenos sociais’ – poderiam degenerar a prole de pais portadores destes males.” Cf. Id., ibid., p. 3. 85 necessário aos médicos psiquiatras partidários da idéia de que problemas como a pobreza, criminalidade, prostituição, delinqüência, vícios e doenças mentais eram diretamente relacionados ao patrimônio hereditário. A intelectualidade católica não ficou alheia ao encantamento pela ciência como sinal de modernidade cultural no ordenamento social contemporâneo e o discurso eugênico também conquistou as páginas de A Ordem, porém através da chave que privilegiava a ‘saúde moral’ da população. Já o primeiro fascículo da revista A Ordem, que veio a público no mês de agosto de 1921, a seção “Bibliografia” – que pretende divulgar obras de interesse para a formação cristã ou aquelas que o leitor deveria tomar cuidado e evitar –, procede a análise do livro Da continência e seu fator eugênico, de autoria de Mario Alcântara de Vilhena, tese laureada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com o Prêmio Miguel Pereira14. O trabalho é uma manifestação do interesse que os debates sobre a eugenia despertam no Brasil e no mundo na primeira metade do século, ainda que a partir de uma roupagem apropriada aos propósitos do cristianismo em sua vertente católica. Assim, a tese do jovem médico merece divulgação justamente por pregar “a continência em um ambiente de depravação como o que reina em nossa grande urbe”. De acordo com o dr. Alcântara Vilhena, o futuro moral e físico da raça dependeria, antes de mais nada, da abstinência dos jovens e da castidade das virgens, prática determinada pelos dogmas religiosos cristãos. Mais do que quaisquer outras enfermidades, as doenças venéreas seriam as maiores responsáveis por ceifar a vida dos brasileiros, conforme declara nestas linhas. A sífilis, mais talvez que a ancilostomíase, mais que o impaludismo, devasta populações em seu verdor e imprime-lhes a tara de mil defeitos que se vão transmitindo, como águas de fonte envenenada, pelas gerações avante, defeitos visíveis e invisíveis, somáticos, físicos e morais. (A Ordem, 2000, p. 164) 14 Miguel da Silva Pereira (1871-1918) foi médico sanitarista, professor de patologia interna da cadeira de clínica médica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e membro da Academia Nacional de Medicina. Os textos de estréia de A Ordem foram reproduzidos nas p. 129-176 do v. 91 do 79º aniversário do periódico em 2000. 86 Sugerindo ainda a literatura estrangeira disponível sobre o tema15, a revista faz eco às palavras do médico recém-formado, assegurando que as infrações ao sexto mandamento do decálogo – “não pecar contra a castidade” – são punidas não só depois da vida terrena negada pelos incrédulos, mas também nos hospitais e manicômios [que] aí estão para atestar que a lei de Deus é coisa muito séria, e as taras e os defeitos dos filhos e os aleijões feios em crianças bonitas são o remorso vivo de pais dissolutos. (Id., ibid., p. 165) Sem amenizar no tom condenatório do dolo do pecador e alertando para a justiça de um Deus punitivo, a análise crítica de Da continência e seu fator eugênico recorre também às credenciais do conhecimento médico para arrematar: A ordem moral exige, ao contrário da ordem natural, o sacrifício de nós mesmos pelo bem dos outros; e é pelo bem da mocidade pátria e pelo futuro das gerações que se vem sucedendo, que pugna com a autoridade da ciência e a firme convicção do crente, o digno autor do livro... (Id., ibid., p. 166) Mais adiante, Hamilton Nogueira, médico e senador católico, lamenta que a revista da Sociedade Eugênica de São Paulo negue “aos ensinamentos morais qualquer influência no revigoramento das raças”. Esta opinião seria o resultado de uma “orientação pedagógica defeituosíssima e exclusivamente leiga” que considera o homem apenas em seu aspecto animal. Para combatê-la, recomenda a leitura de Higiene e moral, do dr. C. Good, recém-lançado pela Renascença Portuguesa (Porto), com tradução de Joaquim Aroso. Salientando que a obra consolida uma das grandes verdades preconizadas pela Igreja, enfatiza que o trabalho já foi vertido em oito línguas e resulta de vasta documentação obtida em congressos internacionais e opiniões de diversas autoridades científicas quanto à necessidade da continência até o matrimônio – em 15 Recomenda especialmente o capítulo “The Indispensability of the Ascetic Ideal”, do livro Autoritaet und Freiheit, de autoria do professor da Universidade de Zurique, W. Fürster (traduzido em versão inglesa sob o título Marriage and The Sex-Problem). 87 contraste com a prática de muitos chefes de família que incentivam seus filhos a procurarem meretrizes antes do casamento –, a fim de zelar pelo futuro da prole e da própria nacionalidade. Conclui que especial ênfase deveria ser dada à educação na época da puberdade, fase em que as transformações orgânicas requerem o máximo de cautela, pois é nesse período, em que a economia precisa de todas as reservas e energias que possui, para iniciar valorosamente a luta pela existência, é que começam as primeiras solicitações sexuais. Cumpre, portanto, aos pais, incutir aos seus descendentes noções de moral, mostrar-lhes o seu papel importante na conservação da espécie, e a imoralidade e perigo de uniões extra-matrimoniais, mormente antes do desenvolvimento completo do organismo. (A Ordem, abr. 1922, n. 9, p. 136) Nos últimos dois números publicados do periódico em 1922, reunidos num só volume, Mário de Alcântara Vilhena assina artigo intitulado “O decálogo e a eugenia”, comprovando mais uma vez não só a importância que as discussões sobre a formação da nacionalidade brasileira tinham desde as primeiras décadas da incipiente República, mas como a intelectualidade católica se apropria desse discurso para colocar o problema não exatamente em termos raciais, porém na chave da educação moral do povo, alertando os leitores sobre a necessidade de uma “eugenia cristã”. A alusão às tabuas da lei divina entregue a Moisés no Monte Sinai, como na narrativa bíblica, é justificada pelo médico por ser o documento-base, o primeiro código de eugenia da humanidade. Repassando os dez mandamentos, Alcântara Vilhena afirma ser o decálogo o resumo de toda a ciência, modelo de todas as constituições e mais acabada escola da perfeição. Por ele consegue o homem moderar- se, abnegar-se, substituindo o natural egoísmo pelo desprendimento admirável que faz o homem distribuir-se com seus semelhantes, dedicar-se a eles, esquecendo, muitas vezes, de si próprio para a contribuição desta imensa humanidade, tronco, braços e ramos da criação de Deus. (A Ordem, nov.-dez. 1922, n. 4-5, p. 95) 88 Nesse sentido, os defensores da ciência eugênica que se preocupavam em tratar apenas o aspecto físico, somente o corpo do homem, sem consideração pela sua alma, estariam realizando um trabalho inócuo. Conclui o médico acerca da ineficácia de uma profilaxia, por exemplo, da sífilis, que empregasse o mercúrio, o arsenobenzol ou recomendasse as lavagens após a consumação do ato sexual, desprezando as faculdades sensitivas e espirituais do indivíduo, “desinfetando-o” de maneira mais eficaz e duradoura. Ainda para corroborar o ponto de vista católico, Hamilton Nogueira compara a lei divina sobre a indissolubilidade dos laços matrimoniais à lei natural, contestando que a Igreja exija de homens e mulheres um ideal de santidade impossível de se alcançar. Em “Fundamentos biológicos da monogamia”16, o autor afirma que os defensores do divórcio e da liberdade nas relações amorosas é que se colocam contra a multiplicação da vida e a reprodução da espécie quando querem impedir as condições necessárias para o desenvolvimento normal da família. Tais condições seriam impossíveis fora do casamento, visto que a criança, diferentemente dos filhotes nas espécies animais, necessita de assistência contínua dos pais para se desenvolverem normalmente, o que obriga a própria durabilidade da família. Daí também o perigo das “doutrinas anticoncepcionistas” que ao combaterem o nascimento daqueles que reforçam os laços entre os cônjuges, são adversárias da sociedade humana e da família enquanto sua célula social. José Barreto Filho (1908-1983), advogado, professor e organizador da cadeira de psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- RJ)17, assina em “Bibliografia” a crítica do livro Raça, de autoria de Guilherme de Almeida (1925). Fazendo eco à inquietação geral da inteligência brasileira sobre o destino do país e ainda mais à proposição da necessidade de formar moralmente a nacionalidade nos termos de uma eugenia cristã, a obra constitui uma síntese acerca da fusão dos três povos singularmente diversos que povoam o território nacional. Para Barreto Filho, seu maior mérito seria o de inferir, a partir da própria leitura, “a teoria de que uma raça só existe em função de uma religião, e que contar 16 A Ordem, jul.-ago. 1933, n. 41-42, p. 571-575. 17 José Barreto Filho foi um dos últimos ‘discípulos’ de Jackson de Figueiredo. Cf. A Ordem, 2003, v. 92, p. 175- 176. 89 a história das idéias religiosas de um povo, é falar do que ele tem de mais verdadeiro e de mais real”.18 A revista recorre a um dos pensadores europeus mais influentes sobre as suas páginas pelo menos até 1928, quando Jackson de Figueiredo deixa a direção do CDV, para legitimar a leitura que o pensamento católico faz da temática racial.19 Em “A união da raça latina”, o jornalista e monarquista francês Charles Maurras (1868-1952) – uma das principais figuras do movimento antidreyfusard20 –, sugere um elo comum de povos que, a princípio, são bastante diferentes. Maurras defende a idéia de que, para sobreviver às ameaças da “barbárie comunista”, seria necessário buscar um ideal de união latina diverso do que foi proposto, especialmente a partir da segunda metade do século XIX, por “delegados maçônicos do espírito revolucionário” que pregavam princípios “anárquicos, dissolventes e paradoxalmente bizarros” incapacitantes como fórmula de aproximação entre “raças”.21 O único elemento capaz de promover uma homogeneidade latina seria a “catolicidade” sólida e durável que transcende em muito a questão dogmática e religiosa para confluir no terreno da ordem, da autoridade, da administração interior e exterior, das afinidades na forma de sentir e na vida social herdadas da antiguidade clássica e de que a Igreja romana se fez a sentinela solitária e incomparável. Tratam-se de costumes, de expressões de ser e de julgar. Só o vínculo católico nos pode unir. Só ele também nos permitirá agregar a latinidade e fazer entrar no ritmo romano povos que, à primeira vista, parece deverem se afastar de nós. Não falo, entende-se, dos canadenses, dos belgas ou dos suíços romanos, nossos irmãos de língua e de raça; mas de muitas 18 A Ordem, abr. 1926, n. 50, p. 173-175. 19 O segundo capítulo deste trabalho explica melhor os diferentes aportes filosóficos que conduzem as edições de A Ordem em suas diferentes fases. 20 Termo através do qual se convencionou chamar aqueles que pretendiam condenar Alfred Dreyfus (1859- 1935), oficial de artilharia do Exército francês, de origem judaica, no episódio de condenação por alta traição militar num processo fraudulento, em 1894. Os ‘antidreyfusards’ eram sobretudo nacionalistas, muitos adeptos da Monarquia e que prezavam valores católicos, antidemocráticos e autoritários. A certidão de nascimento da palavra ‘intelectual’ está diretamente ligada ao Manifeste des intellectuels encabeçado por Émile Zola, declaração que exigia a revisão do processo contra Dreyfus. Cf. Carlo Marletti, “Intelectuais” in Norberto Bobbio et al., Dicionário de Política, Brasília, UnB, 1995. v. 1, p. 637-640. Ver também nota 8 da introdução da tese. 21 A Ordem, jul. 1926, n. 51, p. 207-211. 90 inteligências holandesas, expressivamente católicas ou romanizadas; refiro-me às grandes fidelidades polacas e aos inúmeros ingleses e americanos católicos com os quais a obediência a Roma nos daria a possibilidade de uma liga espiritual superior, universal, englobando não somente os povos ditos latinos, porém, todos aqueles regenerados ao influxo católico. (A Ordem, jul. 1926, n. 51, p. 208, grifo meu) E haveria outro fator que, prossegue Maurras, para além da “catolicidade” e não obstante a ação do tempo, das condições climáticas e das constituições políticas confere a uma multidão de pessoas a característica da latinidade, qual seja, a origem mediterrânea. No Homo mediterraneus, haveria mais maneiras de pensar, de sentir, de conceber, comuns entre um francês, um italiano, um brasileiro e um mexicano, que entre um francês e um dinamarquês ou entre um italiano e um finlandês. Nossas línguas propalam a hereditariedade de nosso pensamento. Elas têm uma mesma mãe. Aí está um maravilhoso instrumento de identificação e de compreensão. Temos todos raízes e modalidades que causa alegria encontrar em uns e outros. É necessário utilizar tudo isso com método, sem jamais abdicar de nosso patriotismo nacional. (A Ordem, jul. 1926, n. 51, p. 209)22 Aqui, a categoria de “raça”, tão presente nas narrativas do período e informadas por um vocabulário de cunho (pseudo)científico, é invocada para combater um problema de natureza político-ideológica. O texto encerra com a constatação de que a união latina seria a única capaz de fazer frente a uma outra associação fundada pelo filósofo, economista, sociólogo e político alemão Karl Marx 22 E adiante, na mesma página, acrescenta: “Cada Estado deve viver conforme sua tradição pessoal ou conforme as circunstâncias peculiares que é preciso sempre levar em conta. Para não citar senão um exemplo: qualquer que seja a nossa amizade pelas repúblicas da América do Sul, nunca nos viria a idéia de lhes impor, nem propor mesmo, a Monarquia. Não nos assemelhamos a esses jacobinos que elaboram para o universo inteiro um modelo único de governo!” (Id., ibid., p. 207) 91 (1818-1883) em 1864 – a Internacional Comunista23. E arremata: O conceito da ordem e da autoridade, uma vez reconhecido e saudado por homens vindos do Rio e de Buenos Aires, de Bucareste e de Quebec, não faria isto com que nos sentíssemos melhor protegidos contra a invasão dos bárbaros? (A Ordem, jul. 1926, n. 51, p. 211) Em outro fascículo da revista, Fernando Magalhães, professor catedrático de obstetrícia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro assina o artigo “Maternidade consciente” na seção de crônica científica.24 O autor critica de maneira veemente a idéia que afirma ser cada vez mais contundente sobre a voluntariedade da gravidez entre as classes economicamente mais favorecidas estar sendo disseminada também entre famílias de menos recursos por alguns médicos e sociólogos. Em vez de argumentarem a favor da doutrina da continência, ou seja, de defender o domínio da vontade sobre o instinto sexual, que seria o único princípio legítimo e obediente à filosofia natural – em outras palavras, à ética cristã –, o discurso eugênico dos “emancipadores” estaria sempre pronto a transformar a verdade em erro. Sabe-se bem o quanto a miséria e a doença são fatores antieugênicos, mas se o problema compreende economia, saúde e prole, por que resolvermos com o direito de sacrificar a prole sem o dever de assistir à economia e à saúde de cada um? Se nascem os homens inferiores da tara ou da pobreza, dizem os desobrigados – não nasçam mais homens e não faz mal que continuem a tara e a pobreza. Ao invés de, sob falsa filantropia, permitir ou acoroçoar a maternidade refugada pelo capricho do desejo pessoal, o que é degradá-la, porque é destruí-la, e ao mesmo tempo exemplificar licenciosamente porque afasta a vontade sã da decisão egoística de não ter filhos, proclame-se a função materna demonstração patriótica feminina, tanto quanto o serviço obrigatório das armas é 23 A “Internacional”, como é conhecida, foi criada com o intuito de impulsionar o movimento socialista e proporcionar um ponto central de comunicação e cooperação entre trabalhadores de todas as nações para a discussão e promoção de seus direitos. 24 “Crônica científica” não chega a ser uma divisão constante na revista como a de “Bibliografia” ou “Registro”, mas aparece algumas vezes para tratar de assuntos que seu editorial considera em tal esfera ou que são escritos por profissionais ligados às ciências exatas e naturais, com predomínio da participação de médicos. 92 prova de civismo masculino. Utilidade, moralidade e justiça estarão de acordo. E o que se diz do benefício do serviço militar no tocante à eugenia, por conta de sua finalidade educativa, profilática, terapêutica, na vigilância, na disciplina, na sanificação que a caserna pretende representar, diga-se igualmente da maternidade, preparada como disciplina, sob vigilância, pela educação e alcançando a sanificação. O grande perigo da pretendida maternidade consciente está nas idéias dissolventes (...) e na prática da moral sexual bolchevista, recuando agora tanto quanto a doutrina econômica. Maternidade sadia, é aquele bom sangue, do provérbio, que não mente. Mente, sim, quem se furta a um dever. (A Ordem, dez. 1929, n. 4, p. 191) Uma vez mais, vê-se o recurso à linguagem própria da época, conformada pelo ideal de aperfeiçoamento das gerações vindouras para a promoção da nacionalidade, não a partir de uma seleção por características biológicas ou psíquicas, mas pelo aprendizado moral e cívico, já que a maternidade é tida como função social e consagrada da mulher a qual, conclui-se, dirigentes, intelectuais e políticos deveriam honrar e até mesmo remunerar.25 Diretamente relacionado ao problema da eugenia, mais especificamente à chamada ‘eugenia negativa’ – que em vez de incentivar, procurava dissuadir que pessoas com determinadas ‘limitações’ se reproduzissem –, está também a questão do aborto e da contracepção, tão impetuosamente caras à ética cristã e que a revista A Ordem toca desde seus primórdios. Sobre isso, Nancy Leys Stepan aponta em seu livro A hora da eugenia a necessidade dos estudiosos interessados na América Latina se debruçarem melhor sobre o diálogo entre religião e ciência eugênica, bastante comum na literatura estrangeira. A historiadora norte-americana aposta que tal pesquisa poderia esclarecer muito acerca do papel da Igreja Católica (e de outras denominações cristãs em geral) no abrandamento das práticas de planejamento familiar em geral na região até hoje.26 25 A justificativa para se opor à voluntariedade ou ao livre uso das funções segue o raciocínio de que se o indivíduo pudesse rebelar-se contra a circulação, a digestão e a respiração a conseqüência óbvia seria o suicídio e que, na função reprodutiva, a questão se revestiria de maior complexidade na medida em que entraria em jogo a sobrevivência da própria espécie humana. Este será um dos enredos mais repetidos pelo pensamento católico para criticar o liberalismo e o individualismo da classe burguesa. Ver, por exemplo, Alceu de Amoroso Lima, Problemas da burguesia, Rio de Janeiro, Schmidt, 1932. 26 N. L. Stepan, A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina, Rio de Janeiro, Fiocruz, 2005, p. 115-148. 93 Padre Leonel Franca, autor da matéria “Notas de deontologia médica: sobre o aborto”, defende em 1930 o mesmo ponto de vista que a Igreja tem atualmente sobre a interrupção proposital da gestação. Condena-se de todo a intervenção médica que procura expulsar o feto para conservar a vida da mãe como crime de homicídio altamente reprovável segundo as leis divinas.27 O autor enfatiza ainda a dignidade da condição de pessoa do nascituro como produto da concepção que goza do direito à vida desde seu estágio embrionário e cita, ao final do artigo, algumas cifras28 do que considera como verdadeiro crime de lesa-humanidade. Na França avaliam alguns em 500 mil os abortos anuais! Na Alemanha, os cálculos sempre difíceis em matéria tão delicada, oscila entre 250 e 800 mil! (...) em 1923 e 1924, na antiga periferia da capital alemã, sobre 44 mil concepções, 23 mil foram interrompidas por abortos. A percentagem geral que entre 1880 e 1890 era de 9 a 10% eleva-se atualmente a 15 e 20%; em algumas regiões a quase 40%. Nos Estados Unidos o mal se alastra em grande escala. Já em 1881 a comissão nomeada pelo Michigan Board of Health chegara a conclusão que cerca de 1/3 das concepções abortava criminosamente. Tobinson, em 1919, avaliava em um milhão o número anual de abortos criminosos, isto é, quase metade das crianças que vêm à luz. Como conseqüência destas operações morrem anualmente em Nova York 8 mil mulheres e em toda República norte-americana 50 mil! (A Ordem, abr. 1930, n. 6, p. 93) Em “O anticoncepcionismo e o Brasil”, Oscar Mendes (1930) ridiculariza a prática contraceptiva como mais uma das modas e idéias que se importam de forma irrefletida e descabida da Europa e dos Estados Unidos para o país. Desdenhando dos economistas neomalthusianos e outros “paladinos da modernidade” com suas teorias sobre a impossibilidade de se sustentar a superpopulação – quando, do ponto de vista do texto, o problema seria a mecanização e o despovoamento dos 27 A Ordem, abr. 1930, n. 6, p. 87-94. 28 O religioso jesuíta retirou tais números do estudo de Victor Francis Calverton, The Bankruptcy of Marriage, Nova York, s.n., 1928, p. 186-187. 94 campos –, lamenta a disseminação de uma propaganda que considera acima de tudo imoral, mas que alega a aparente neutralidade das proposições científicas.29 O autor registra que a causa favorável ao birth-control vem produzindo resultados desastrosos na Alemanha e na França, onde já se conta com uma média de apenas 11 a 17 nascimentos para cada mil habitantes. Também demonstra sua indignação com o aumento da instrução pública sobre planejamento familiar em hospitais e a tentativa de aprovação de um projeto de lei autorizando o ensino do anticoncepcionismo na Inglaterra. O tipo de mentalidade propugnada pelo “malthusianismo” estaria penetrando nocivamente na fração “menos analfabeta da nossa população”, a que física e intelectualmente teria mais condições de gerar “produtos melhores”, incentivando o egoísmo, o comodismo, a ganância, o orgulho, o esteticismo e os baixos instintos que advêm do chamado “amor estéril”, que não passaria de “fraude sexual” contra a natureza. Todavia, a solução do problema do aperfeiçoamento da nossa raça seria bem mais complexa e difícil. É questão de higiene e de educação moral e religiosa. Enquanto as nossas populações rurais viverem de modo primitivo, alimentando-se mal e parcamente, dessoradas e roídas pela verminose, pela lepra, pela tuberculose e pela cachaça, morando em locais e mocambos lacustres, ilhados nos mangues e nos pantanais, não podemos contar com uma raça eugenicamente sadia. Enquanto os geniais e geniosos senhores que nos dirigem se voltarem para inovações espalhafatosas, não contando com a nossa verdadeira tradição, e desprezarem a educação moral e religiosa das nossas gentes, teremos sempre essa raça de invertebrados, de amorais e de primários verbosos, incapaz de oferecer resistência séria aos embates das raças mais fortes ou de assimilar idéias forasteiras no que tenham de bom e de útil. (A Ordem, jun. 1930, n. 7, p. 223, grifos no texto) A fim de combater os “erros” que avançam sobre a família brasileira e prejudicam a formação da pátria, que primeiro precisa ser povoada para então se converter em nação, conclama-se a reação da Igreja Católica “pela boca de seus pregadores, pela pena de seus jornalistas, pela voz intimativa de seus bispos” (Id., 29 A Ordem, jun. 1930, n. 7, p. 218-226. 95 ibid., p. 225) contra as ideologias individualistas que tentam esquivar o casal cristão dos deveres da união conjugal e do mandamento divino de “crescer e multiplicar-se”. A Igreja se apresentaria assim como única força capaz fazer frente ao que o artigo denuncia como o grande contraste da realidade brasileira: o “rei negro, descalço e de tanga, mas com seus punhos duros, seu colarinho gomado, sua cartola reluzente e seu monóculo faiscante”. (Id., ibid., p. 219) Em fevereiro de 1931, a revista divulga a encíclica Casti Connubii, promulgada no último dia do ano anterior pelo papa Pio XI (1922-1939). Diante da disseminação de leis eugênicas em diversos países, o documento enfatiza a santidade do matrimônio, criticando energicamente o adultério, o divórcio e advogando a primazia da Igreja em questões de cunho moral frente ao poder civil. Sua oposição à contracepção através do controle de natalidade e a proibição do aborto são as principais mensagens da carta, que afirma que o ato conjugal deve estar sempre aberto à vida e não pode ser frustrado de forma deliberada. Não obstante tenha em mira todos os cristãos, Pio XI dirige-se em especial à classe burguesa, condenada à visão materialista da sexualidade “pelo efeito de uma propaganda dissolvente da raça e estimulante de todos os egoísmos individuais” (p. 68)30 que já teria logrado índices decrescentes das taxas de natalidade em vários países, com exceção da Itália fascista e da Rússia marxista. É comum a analogia entre a civilização “laicista moderna” e o período de decadência das sociedades grega e romana da antiguidade, que também teriam encontrado a “ruína final” pela esterilidade voluntária no conúbio. O predomínio de valores econômicos individualistas, a privação de quaisquer princípios morais e as grandes concentrações industriais e urbanas, estariam colaborando para o “golpe de morte” da vida doméstica e da família até mesmo no Brasil, que de acordo com o estudo de Hamilton Nogueira sobre “Natalidade e mortalidade infantil”, já apresentaria números incipientes de desnatalização. O final do texto apela para a formação de uma nacionalidade cristã em nada diferente dos discursos em prol do branqueamento da população. Não é apenas a sorte de uma classe que está em jogo, pois o suicídio não é apenas o da burguesia. Não é apenas a sorte de uma raça que está em jogo, pois o mal de fato se estende à toda raça 30 “O suicídio da burguesia”, A Ordem, fev. 1931, n. 12, p. 65-71. 96 branca que se vai voluntariamente aniquilando, ao passo que as raças de cor vão lentamente subindo, em número e em força, para mais uma vez disputarem a posse do universo. Não são apenas os interesses temporais que estão em jogo e sim o destino de toda a civilização cristã. (Id., ibid., p. 71) A partir de outubro de 1931, a revista reproduz a série “A maternidade e a infância”, referente ao trabalho lido pelo médico Bento Ribeiro de Castro na Sociedade de Pediatria a 3 de agosto do mesmo ano.31 A higiene e a medicina são, para o autor, as “forças tutelares” da maternidade – sempre vista como maior função social da mulher –, que concorrem desde a fecundação para a saúde da mãe e do novo ser por ela gerado. Ribeiro de Castro destaca as “taras mórbidas” que podem acometer gestante e feto no Brasil, e os procedimentos mais eficazes para combatê-las. Os artigos enfatizam a ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis e a gonorréia. A primeira seria tida como a maior causa de abortos e de crianças que sofrem morte precoce ou deformidades, devendo ser tratada o quanto antes do primeiro trimestre de gravidez com arsênico (Neosalvarsan) e mercúrio. Em caso de negligência no tratamento da blenorragia na mãe, o nascituro estaria exposto a um tipo de oftalmia neonatal com risco de cegueira sem a devida administração de colírio de nitrato de prata a 1%. Além das enfermidades citadas, o médico menciona a importância de se enfatizar, em colégios femininos, uma educação moral voltada para a continência sexual e os conhecimentos sobre puericultura na preparação de futuras esposas e mães. Hamilton Nogueira volta a discorrer sobre os propósitos da eugenia quando do lançamento do primeiro boletim da Comissão Central Brasileira de Eugenia, fundada pelo médico paulista Renato Kehl, já mencionado no início deste capítulo.32 31 A Ordem, fev. 1932, n. 24, p. 217-221. No texto “Crônica feminina: sobre o lugar da mulher e de sua educação no periódico católico A Ordem”, Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi aponta a originalidade do tratamento do tema sob a perspectiva específica da vida feminina, já que a revista normalmente privilegia à família e questões morais de uma forma geral. Cf. Impressos e história da educação: usos e destinos, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2008, v. 1, p. 111-126. 32 Entidade que procurava fazer frente a algumas propostas discutidas na Liga Brasileira de Higiene Mental – instituição fundada em 1920 no Rio de Janeiro que congregava nomes como os de Carlos Chagas, Edgar Roquette-Pinto e Miguel Couto –, que preconizavam a solução do problema nacional através da higiene e não da raça, colocando-se, muitas vezes, contra a segregação e a favor da miscigenação. Renato Kehl já defendia mais abertamente a radicalização das ações ‘antidegenerativas’ como a esterilização de pessoas consideradas 97 Em artigo publicado em junho de 1932, lamenta a tendência “materialista” que considera as leis biológicas da hereditariedade orgânica como “panacéia universal”, abstraindo do terreno da educação eugênica toda sorte de interferência de ordem moral. Uma verdadeira educação eugênica deve considerar o aperfeiçoamento humano integral, não só das suas qualidades físicas, mas também e principalmente das suas faculdades espirituais, porque são estas que estabelecem a sua diferença específica da série animal. (A Ordem, jun. 1932, n. 28, p. 408-409) O posicionamento da revista A Ordem sobre o tema é sempre denunciativo, chegando mesmo a manifestar total repúdio à idéia que afirma ser defendida em sessões da Academia Nacional de Medicina sobre o aborto profilático e até estético. Hamilton Nogueira procura desmentir a concepção do que chama de “eugenistas extremados” de que tanto enfermidades físicas quanto mentais possam ser de todo hereditárias. Nesse sentido, questiona também o fato de que as classes intelectuais ou “superiores” – que retardam os casamentos de seus filhos e praticam voluntariamente a restrição de nascimentos – necessariamente gerariam médicos, advogados e engenheiros, bem como as classes de trabalhadores braçais, sempre mais fecunda em todos os países e responsáveis pela conservação da espécie humana, produziriam indivíduos com as mesmas características. O artigo “Esterilização dos inaptos”, publicado em outubro de 193233, questiona a intensificação do movimento em favor da aplicação legal de processos de esterilização em países como os EUA, Inglaterra e Suíça, seja como medida punitiva a criminosos, seja como meio de seleção racial. A cada exemplo citado pelos eugenistas que defendem a intervenção cirúrgica para tornar infecundos indivíduos portadores de “taras” que seriam inevitavelmente transmitidas aos seus descendentes, dentro do rigoroso determinismo das leis biológicas da ‘inaptas’ e contribuiu, junto com Oliveira Vianna, para a formulação da Lei de Restrição de Imigração (especialmente contra a entrada de asiáticos e judeus no país) durante o governo de Getúlio Vargas. Cf. Pietra Diwan, Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo, São Paulo, Contexto, 2007. 33 A Ordem, out. 1932, n. 32, p. 251-258 (também de autoria de Hamilton Nogueira). 98 hereditariedade, a revista contrapõe casos em que “malfeitores” não geraram apenas mendigos, criminosos e vagabundos, mas indivíduos presumidos honestos. Confrontando a declaração formulada por Renato Kehl de que o homem e a mulher seriam apenas “cabides de células germinais”, o texto de Hamilton Nogueira alega ser impossível chegar a qualquer conclusão apropriada sobre uma questão tão delicada fora das verdades de ordem espiritual, “a única que leva em conta todas as realidades humanas” (p. 253). As inúmeras estatísticas apresentadas pelos eugenistas de que o número de “alienados”, “cegos”, “surdos-mudos”, “débeis mentais” e “epiléticos” aumentam assustadoramente em todos os países a cada ano também não convencem nem autorizam a prática da eugenia negativa. Fazendo referência a estudos realizados por cientistas estrangeiros, dentre os quais o japonês Hideo Yagim, atribui-se a “idiotia”, a “imbecilidade” e a grande incidência de perturbações nervosas ou mentais como decorrentes de traumatismos obstétricos e de hemorragia intracraniana em mais de um terço dos bebês após o parto. Na opinião defendida pelo periódico através de Hamilton Nogueira, além de não existir qualquer acordo entre os especialistas quanto à hereditariedade das perturbações mentais ou de qualquer outro tipo, também existiriam riscos do ponto de vista médico para relutar às operações esterilizantes: Que me perdoem os cirurgiões. Se há intervenções mais ou menos graves, não há intervenções inteiramente destituídas de um perigo de qualquer natureza. Se a vasecetomia, por exemplo, é uma operação simples, o mesmo já não se dá com a salpingectomia, intervenção que pondo a descoberto o peritônio apresenta todos os riscos das laparotomias.34 (A Ordem, out. 1932, n. 32, p. 257) Na seção bibliográfica da edição referente ao bimestre de julho e agosto do ano de 1933 de A Ordem, condena-se um estudo realizado pelo médico suíço Ernst Ruedin (1874-1952), diretor do Departamento de Estudos Demográficos e 34 Laparotomia é o nome dado a qualquer procedimento cirúrgico que envolve a incisão da parede abdominal. No caso, a salpingectomia, que consiste na retirada das tubas uterinas, é uma operação mais complexa para impedir a gestação do que o método usado como contraceptivo masculino. 99 Genealógicos do Instituto Alemão para Pesquisas Psiquiátricas de Munique acerca da esterilização e interrupção da gravidez por motivos eugênicos.35 Mesmo reconhecendo que a ciência não domina as leis de transmissão hereditária das doenças mentais mais comuns estudadas em seu instituto – esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva e epilepsia –, Ruedin propõe que se tornem infecundos os portadores das mesmas e de seus parentes mais próximos. Mas a originalidade da sua sugestão frente aos demais colegas, conforme o extrato publicado na revista, estaria no fato dele insistir que se deixe a cada um a decisão espontânea de “sacrificar-se em benefício da raça e do futuro dos povos culturais”, em vez de se tomar medidas pela esterilidade compulsória. Ainda assim, além de questionar a capacidade de deliberação das pessoas com esse tipo de distúrbio, A Ordem prevê os abusos que a falta de critério sobre o assunto poderia acarretar, diminuindo as taxas de natalidade já em decréscimo nos países europeus, quando melhor seria empreender “uma campanha... em favor de maior número de nascimentos nas famílias em condições de criarem filhos hígidos”.36 Mais adiante, na mesma edição da revista, o tema da eugenia continua chamando a atenção de seus articulistas. Agora, é o jornalista Luiz Delgado (1906- 1974)37 que escreve sobre Raça e assimilação, livro de enorme repercussão desde o lançamento de sua primeira edição pela Biblioteca Pedagógica Brasileira em 1932. Nesta obra, o professor, jurista, historiador e sociólogo Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951) teria lançado um apelo acerca da formação quantitativa e qualitativa da nacionalidade brasileira, confrontada com o problema da mestiçagem das raças, da seleção eugênica da imigração e da distribuição ariana das etnias conforme a sua adaptabilidade às diversas zonas climáticas do país. O autor da resenha concorda com Oliveira Vianna que o Brasil estava aberto a todas as correntes e influxos que poderiam desfigurar sua personalidade, porém contesta com a redução do problema em termos raciais, considerando o conceito 35 “Uma nova panacéia eugênica” é o subtítulo de uma das obras criticadas nessa parte da revista (n. 41-42, p. 634-636), neste caso específico, “Die erblichen Grundlagen einer eugenischen Unfrucht-barmachung und Schwangerschaftunterbrechung” [“Fundamentos hereditários da esterilização e aborto eugênicos”, em tradução livre], publicado no hebdomadário médico alemão Deutsche medizinische Wochenschrift em 28 out. 1932. 36 A Ordem, jul.-ago. 1933, n. 41-42, p. 636. 37 Também catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, Luiz Delgado atuou intensamente na Ação católica do Recife. Ele assinava a autoria de seções bibliográficas também em outros periódicos, como o Jornal do Commercio. 100 puramente biológico que o pensador fluminense imputava à raça. Antes, estaríamos diante de um problema de mentalidades, já que não existiriam raças puras como unidades históricas. Não há raças: isto é, agrupamentos humanos em função dos seus caracteres antropológicos – não há raças que apareçam como organismos ativos na história. Aparecem na história, como unidade de ação, os alemães, os franceses, os brasileiros... mas não há povo nem há região onde não se encontrem diversas raças. Por sua vez, não há raça que não se divida por vários povos. Alguns estudiosos fazem mesmo dessa variedade de raças antropológicas no seio de um povo, a base da riqueza e da amplitude de seu gênio. Com efeito, a França e a Itália aí estão. (A Ordem, jul.-ago. 1933, n. 41- 42, p. 542) Para Luiz Delgado, o núcleo substancial de um povo, de uma pátria, de uma nacionalidade não estaria ligado à raça, mas a um elemento mais sutil e livre já presente entre brasileiros: o espírito. Falando tanto em raça, o sr. Oliveira Vianna se esquece de falar no espírito. E eu acho que, se nós temos alguma coisa a defender, não é tanto os nossos tipos morfológicos mas o nosso espírito que, este sim, já tem uma unidade, uma possibilidade de definição que, nem por serem intranscrevíveis [sic.] em números fixos e em índices cefálicos, deixam de ser verdadeiras. (Id., ibid., p. 542) O padre Leonel Franca (1893-1948), fundador e primeiro reitor da futura PUC-RJ desde 1940 até a sua morte, é autor de um longo texto intitulado “Exame pré-nupcial”, publicado pela revista A Ordem na edição bimestral de setembro e outubro de 1936.38 O artigo é uma resposta ao projeto de lei apresentado no mesmo ano pelo médico e deputado rio-grandense-do-sul, Nicolau Vergueiro (1882-1956), à Câmara Federal.39 38 A Ordem, set.-out.. 1936, v. XVI, p. 151-165. 39 Cf. Luzia Aurelia Castañeda, “Eugenia e casamento”, História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 901-930, set.-dez. 2003. 101 Antes de abordar o problema sob os mais variados ângulos, o teólogo jesuíta distingue duas fórmulas possíveis de avaliação eugênica dos nubentes: o “exame” e o “certificado” pré-nupcial. No primeiro caso, os candidatos ao matrimônio realizariam, voluntariamente, análises clínicas e laboratoriais para serem orientados por profissionais de confiança das suas respectivas famílias acerca das responsabilidades futuras de acordo com os resultados médicos obtidos. Seria uma espécie de consulta estritamente privada que, difundida como hábito, poderia ser tolerada. No segundo caso, referente ao “certificado” pré-nupcial, a questão já mudaria completamente de figura, pois em vez de um simples boletim de caráter particular, o atestado médico corresponderia um documento oficial no cumprimento de um dever cívico legal. Esta formalidade poderia cominar desde uma habilitação eugênica positiva ou negativa aos noivos, conservando-lhes, de qualquer jeito, a liberdade de contrair ou não o matrimônio, até a interdição temporária ou definitiva do casamento, conforme defendem os que pretendem tutelar de forma mais radical a saúde das futuras famílias e sua descendência. Assim, onde os exames médicos denunciam um perigo de contágio ou de transmissão de degenerescências, intervém a lei e proíbe o matrimônio. O efeito natural desta sanção legislativa seria elevar o nível eugênico de um povo, estancando as fontes contaminadas das descendências indesejáveis e concedendo só às nascentes puras o privilégio de alimentar as correntes da vida. (A Ordem, set.-out. 1936, p. 153) A crítica feita pelo padre Franca ao instituto que obriga os nubentes a apresentarem mais um papel para o casamento tem quatro razões principais: científica, jurídica, demográfica e funcional. Rebatendo a postura taxativa de eugenistas favoráveis ao veto das uniões entre casais disgênicos, ele registra a literatura que corrobora sua própria censura. Antes de tudo, os nossos conhecimentos científicos, no estado em que atualmente se encontram, não permitem de modo algum a certeza de prognósticos indispensável para justificar a gravidade de uma medida legislativa de tão penosas e incalculáveis 102 consequências... “em geral, escreve por sua vez o dr. Vervaeck40, o diagnóstico da grande probabilidade, senão da fatalidade da transmissão familiar das taras perigosas de certos grupos de doentes e anormais será difícil, senão impossível. As razões são complexas: incerteza das leis de hereditariedade no homem; possibilidade da latência de tendências perigosas na descendência direta e probabilidades de seu desaparecimento nas gerações seguintes sob a influência de uniões felizes, da sobriedade, da vida higiênica, de uma reeducação moral ou pedagógica apropriada ou de uma terapêutica eficaz. Enfim, e sobretudo será difícil distinguir num anormal ou doente se as taras ou tendências perigosas são de origem hereditária, se são devidas às blastotoxias ou se são conseqüência de enfermidades ou infecções contraídas na infância.” (Id., ibid., p. 153-154, grifos no texto) Levando adiante o argumento de que não existem motivos científicos suficientes para condenar a formação de novas famílias cujo certificado pré-nupcial fosse porventura recusado, o artigo considera, em tom sarcástico, que os eugenistas parecem obcecados por árvores genealógicas que só proliferam para a delinquência ou a enfermidade e nunca para o gênio, relatando invariavelmente o caso daquela “mendiga alcoólica do século XVII, primeira raiz de sete gerações, nas quais Galton41 pretende ter encontrado um número impressionante de criminosos” (p. 155). E prossegue declarando que não é preciso ser nenhum especialista em medicina para saber que uma descendência hígida ou não depende muito mais de fatores sociais do que de fatalidade biológica, como antes supunha a escola de Lombroso42. Neste sentido, seria inadmissível interferir na sorte e nos sentimentos humanos quando falta 40 Este trecho do pronunciamento do médico e antropólogo católico belga Louis Vervaeck (1872-1943) foi retirado do livro La limitation des naissances, de Guchtenheere, Paris, 1929, p. 112. 41 Refere-se aqui ao médico, antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico inglês Francis Galton (1822- 1911), primo mais famoso de Charles Darwin, que acreditava no determinismo biológico, ou seja, que os indivíduos já nasciam prontos para serem brilhantes ou estúpidos, geniais ou medíocres, saudáveis ou doentes. Cf. Castañeda, Op. cit., 2003, p. 903. 42 Cesare Lombroso (1835-1909) foi médico, cirurgião e cientista italiano cujas idéias acerca do ‘criminoso nato’ preconizavam que, pela análise de determinadas características somáticas, seria possível antever que certos indivíduos que se voltariam para o crime. Tal concepção influenciou o direito penal em todo o mundo durante bastante tempo. 103 um critério científico ou social para estabelecer os limites precisos em que uma tara, física ou moral, começa a ser uma ameaça considerável para a saúde da raça ou a conservação da sociedade. Estes deveriam ser, entretanto, no domínio da ciência, os preliminares indispensáveis de qualquer legislação que pretendesse impor restrições em matéria de eugenia. (Id., ibid., p. 157) O autor passa então a encarar as dificuldades de ordem ética – talvez a mais grave do ponto de vista da Igreja – relacionadas à obrigatoriedade do certificado pré-nupcial. Recorda-se que os direitos naturais do cidadão são anteriores e superiores a qualquer dever social imposto pelo Estado, que sob alegação alguma, mesmo a do exercício de zelar pelo bem público da sociedade, deveria intrometer-se num domínio tão íntimo da vida humana. Um cidadão comum não é uma coisa a serviço total ou incondicionado do grupo, é e continua a ser uma pessoa, com a sua finalidade moral inalienável, com o seu patrimônio de direitos intangíveis a condicionarem a realização dos seus destinos próprios. Recusamo-nos à idolatria da apoteose do Estado; a um Leviatã monstruoso que absorve e sacrifica todos os direitos pessoais para pô-los a serviço absoluto de uma finalidade temporal – nação, classe ou sangue – não prestamos o culto de uma genuflexão humilhante. (Id., ibid., p. 158) Mesmo a previsão de uma prole menos perfeita, salienta o padre Franca, não pode servir de desculpa para negar o direito fundamental ao matrimônio, procedendo uma inversão de valores entre a ‘letra fria’ da lei e os sentimentos humanos. Na verdade, leva-se em conta que “a família é a instituição eugênica por excelência”, a que mantém a existência e a educação da prole, sua integridade física e moral. Os resultados de uma medida legislativa que restringe os casamentos seriam uma tragédia anunciada, despencando o nível sanitário geral do povo, para a derrota do próprio eugenismo materialista. não se mutila impunemente a integridade da nossa natureza nem se reduz de uma maneira simplória a um processo de zootecnia um problema profundo e delicadamente humano. Suponhamos em ação o mecanismo do certificado pré-nupcial. Qual será o destino daqueles a quem o governo declara ineptos para o casamento? Que 104 ingênuo acreditará na possibilidade de uma vida moral e honesta nesta legião de celibatário forçados? Todos estes “refugos” da sociedade, privados por ela da proteção da família que os poderia preservar, defender e melhorar, lançar-se-ão em todas as irregularidades de uma vida sexual sem lei nem disciplina. E a união livre, o concubinato, a Vênus vaga ganharão tudo aquilo que perder a honestidade normal de um lar. (Id., ibid., p. 159) O terceiro aspecto a ser censurado na questão do exame pré-nupcial no ponto de vista do texto é o demográfico. Ainda que a “utopia eugenista” funcionasse a contento, que todos os “deserdados da deusa Hygis” fossem regularmente afastados do casamento e mantivessem a mais perfeita continência sexual, seria fácil prever a queda nas taxas de natalidade da população se esta dependesse apenas dos “diplomados pelas repartições oficiais como bons reprodutores da raça” (p. 160). Sem citar exatamente a fonte de onde retirou tais percentuais, o autor refere- se a um centro de consultas pré-matrimoniais localizado em Bonn, na Alemanha, onde apenas 54% dos candidatos se achavam em condições para contrair casamento imediato, enquanto entre os 46% restantes, havia alta proporção de sifilíticos e alcoólatras. Por último, o padre Franca elenca uma série de fatores de ordem prática que depõe contra o projeto apresentado pelo deputado Nicolau Vergueiro. Qualquer médico seria habilitado para assinar o certificado pré-nupcial? Os consultórios pré- nupciais seriam oficiais ou oficiosos? Em que data se faria o exame nos nubentes, muito antes ou às vésperas do casório? Seria preciso reunir vários especialistas e dispor de laboratórios bem equipados para realizar exames bacteriológicos, radioscópicos, serológicos, psiquiátricos etc., quando o país carece de médicos e unidades de saúde fora dos centros urbanos, afirma o autor. A eficiência do exame também poderia ser questionada se o mesmo fosse realizado com certa antecedência às núpcias ou se um certificado de inaptidão eugênica ocorresse a dias do enlace matrimonial, acarretando prejuízos materiais, sofrimento e humilhação para os noivos e suas famílias. Finalmente, assim colocadas todas as razões contrárias à interdição legal do matrimônio em virtude dos possíveis resultados dos certificados pré-nupciais, 105 acrescenta-se a sua incompatibilidade total com a doutrina católica, conforme declarado na encíclica Casti Connubii por Pio XI. No juízo do autor, a melhor alternativa seria o exame pré-nupcial livre, prudentemente introduzido nos costumes sociais. As dificuldades aqui diminuem até quase de todo desaparecerem. Aos interesses sanitários da raça e à inconveniência de se evitarem enganos e decepções dolorosas dar- se-ia, na medida do possível, uma satisfação justa. (Id., ibid., p. 164, grifos no texto) Antônio Osmar Gomes, folclorista mais conhecido nos jornais pelo pseudônimo de Paulo de Damasco e co-fundador do Centro de Cultura Católica na Bahia em 1937, junto com o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), escreve o artigo “O ídolo da raça” em agosto de 1938, condenando veementemente o nacional-socialismo como desvio filosófico e religioso.43 A idolatria da raça é tida como a negação mais cabal do princípio cristão da unidade da espécie humana, cujos contrastes na cor da pele, no tipo de cabelo ou na conformação craniana deste ou daquele povo não separam, mas antes são provas da sublimidade da pessoa humana. O sovietismo russo também é denunciado como ameaça ao ideal de comunhão entre os homens, de sua origem e de seu fim comum na medida em que procura sujeitar os direitos da pessoa humana à coletividade, segundo o ponto e vista das místicas totalitárias contemporâneas. Seu conteúdo intrinsecamente anti- espiritualista, é rejeitado pelo autor como mais nefasto que a teoria de classe porque subverte a ordem social de maneira desumana. Tem sentido contraditório e ação regressiva no seio da sociedade humana, em oposição total ao sentido construtivo e à ação progressiva do cristianismo que conquista os homens pelo amor e para a paz, e não pelo ódio e para a guerra. Pela exaltação racista, o 43 A Ordem, ago. 1938, p. 127-130. Em O antissemitismo nas Américas, Maria Luiza Tucci Carneiro afirma que os intelectuais do CDV foram os primeiros que manifestaram publicamente sua rejeição ao racismo nazista desde que o chanceler alemão Adolph Hitler (1899-1945) subiu ao poder em 1933 e mencionavam continuamente a encíclica que o papa Pio XI lançou em 1937, Mit brennender Sorge (“Com profunda preocupação”), condenando expressamente as violências cometidas na Alemanha. São Paulo, Edusp, 2007, p. 236. 106 homem é conduzido a essa mística perigosíssima de supremacia racial, de hegemonia individual, estabelecendo contradições odiosas, clamorosas injustiças e conflitos sempre latentes, em prejuízo do ideal evangélico de união e tranqüilidade da grande família humana. Essa exaltação racista compromete, perigosamente, o homem perante o seu próximo, tanto na vida social, como na vida política e, sobretudo, na vida humana, considerada o conjunto de todas as atividades do homem na cidade. Essa exaltação é que faz com que se subordinem as necessidades ditas da política racial a todas as atividades vitais dos povos, sejam de ordem material, econômicas e militares, sejam de ordem espiritual, morais e intelectuais. É ainda essa exaltação racial que desperta apetites bestiais de imperialismo, pela falsa e nebulosa concepção de que toda desigualdade tende ao resultado imediato da absorção do inferior pelo superior, visto que, segundo tal concepção, é na pureza, a nosso ver, bastante discutível, de certa e determinada raça, com seus naturais característicos fisiológicos, que deve estar o futuro e o destino verdadeiro dos povos sobre a terra. (A Ordem, ago. 1938, p. 129) O texto acusa a radicalização do racismo na agressividade ainda mais ostensiva contra judeus e negros, estes pelo caráter individualista avesso ao mito das “coletividades divinizadas”, e aqueles por serem considerados primitivos, sem lugar definido no “laboratório racial onde predomina o estandardizado espécime humano de faces róseas, louro e depilado” (p. 130). Racismo também é o assunto de “Igreja Católica e racismo – carta às universidades e faculdades católicas”. Trata-se da transcrição de um pronunciamento do papa Pio XI em 13 de abril de 1938 apelando para que as instituições de ensino superior combatessem erros doutrinários disfarçados sob a chancela de ciência: os mestres devem empregar todos os meios possíveis para dar à biologia, à história, à filosofia, à apologética, às ciências jurídicas e morais, armas suficientes para rebater as seguintes objeções: 1° - as raças humanas, pelos seus caracteres naturais e imutáveis, são de tal modo diferentes, que a mais humilde dentre elas está mais longe da mais importante, que a mais elevada espécie animal; 2º - é preciso por todos os meios conservar e cultivar o vigor da raça e a pureza do sangue; tudo o que conduz a esse resultado é, pelo fato mesmo, honesto e permitido; 107 3º - é do sangue, sede dos caracteres da raça, que todas as qualidades intelectuais e morais derivam, como de sua fonte principal; 4º - o fim essencial da educação é desenvolver os caracteres da raça e inflamar os espíritos com um amor abrasante pela sua própria raça, como bem supremo; 5º - a religião está sujeita à lei da raça e deve adaptar-se a ela; 6º - a fonte primeira e a regra suprema de toda ordem jurídica é o instinto racial; 7º - não existe senão o cosmos ou universo, ser vivo; todas as outras coisas, inclusive o homem, são apenas formas diferentes, amplificando-se do universal vivo, no decorrer das idades; 8º - todo homem existe pelo Estado e para o Estado. Todos os direitos que possui derivam de uma concessão do Estado. E ainda poderíamos acrescentar muitas outras dessas terríveis objeções. (A Ordem, out. 1938, p. 291-292)44 Para concluir o debate sobre a questão eugênica encontrado nas páginas de A Ordem nas décadas de 1920 e 1940, pode-se citar ainda o problema dos fluxos imigratórios na primeira metade do século XX no Brasil e no mundo. Várias medidas de caráter restritivo à entrada de imigrantes em território nacional foram tomadas ao longo do Estado varguista a fim de controlar a circulação de determinados grupos étnicos considerados mais ou menos ‘adaptáveis’ às condições do país.45 É assim que, no artigo “Imigração judaica”, Osório Lopes46 interpela os leitores sobre a pertinência ou não do país abrir suas fronteiras para os milhares de judeus que a política antissemita de Hitler vinha expulsando da Alemanha desde que subiu ao poder, em 1933. O texto faz inferência a outros trabalhos para corroborar o parecer de que os judeus não serviriam ao desenvolvimento do país – que precisaria de braços para trabalhar no campo –, mas antes aumentariam a “classe de parasitas” nas grandes capitais.47 Somente nos distantes tempos bíblicos, diz o autor, a pecuária e a agricultura interessavam ao povo hebreu, porém a vida moderna teria aniquilado “a beleza de um passado que era a maior sedução dos nossos olhos melancólicos de 44 Essas são algumas das teses contidas no famoso livro de Hitler “Minha luta”, de 1924. 45 Sobre a política repressiva contra os trabalhadores estrangeiros no Brasil, ver P. Diwan, Op. cit., 2007. 46 No livro O problema judaico, lançado pela editora Vozes, de Petrópolis, em 1942, o autor faz uma espécie de apanhado de todos os textos que escreveu sobre o mesmo tema. 47 A Ordem, jul.-ago. 1933, n. 41-42, p. 584-587. 108 ocidentais” (p. 584), e há muito qualquer trabalho que exigisse intenso esforço físico tornou-se repugnante aos semitas, que preferem as profissões liberais e a usura. Citando o livro de Élie Eberlin, Le juifs d’aujour d’hui48, o texto de Osório Lopes afirma que a atenção dos israelitas converge para as grandes cidades como Nova York, Londres, Paris, Berlim, Viena, Varsóvia, Buenos Aires, Rio de Janeiro etc., ocasionando a superpopulação e todos os efeitos prejudiciais do urbanismo, como o aviltamento salarial, o desemprego e a vagabundagem. O último parágrafo é taxativo quanto à inconveniência da entrada e estabelecimento do elemento semita no Brasil: A imigração judaica, em suma, é extremamente nociva aos nossos interesses. Não nos serve. O judeu não possui, por exemplo, as características do italiano e do alemão. Não lavra a terra. Entrega-se à agiotagem das vendas de fazendas e móveis. À prestação, sabem- no todos. O ‘russo’ que nos bate a porta, constantemente, acessível e confiante, é filho de Israel. Legítimo. (A Ordem, n. 41-42, jul.-ago. 1933, p. 587) O item a seguir passa, então, a tratar de outros artigos encontrados na revista que compreendem a ampla relação entre fé, razão e os possíveis prolongamentos ou interseções com a cultura cristã católica ao longo do período de 21 anos considerados no presente estudo, a partir de agora contemplados na ordem cronológica em que aparecem. 3.3 Desdobramentos do debate entre fé e razão Logo nos primeiros números do periódico aparece uma série de artigos sob os títulos “Espiritismo e ciência” ou “Os fenômenos espíritas”, assinados por 48 Editado pela Rieder em Paris, 1927. 109 Hamilton Nogueira.49 Antes de mais nada, os textos asseveram que não só o espiritismo como outras doutrinas filosóficas e religiosas não reconhecem nem respeitam a autoridade da Igreja Católica e, “invejando” sua unidade conservada ao longo dos séculos, procuram seduzir os “incautos” sob as vestes de ciência. Em seguida, o autor define o que se entende por ciência para então concluir sobre a ‘fraude’ impetrada pela doutrina espírita no livro Espiritismo racional e científico, lançado pela Redemptor, que expressa seus princípios nestes termos: O Espiritismo é ciência profunda, vasta, eclética, cujo estudo fornece conhecimentos, não só sobre o homem espiritual, mas também sobre o homem corpóreo, e ensinamentos de ordem moral e de ordem intelectual. Ele nos faz conhecer melhor o mecanismo das funções, não só das psíquicas ou mentais, mas também das orgânicas ou vitais; e as relações da alma com o corpo, cujas perturbações são causas predisponentes e até determinadas de estudos mórbidos. O Espiritismo tem por fim: esclarecer-nos sobre o outro mundo, sobre a vida além-túmulo, provar a existência da alma, sua preexistência e sobrevivência no corpo, satisfazendo assim uma necessidade iniludível da nossa alma, a aspiração incessante de nosso eu. (reedição do n. 1 de A Ordem, 2000, p. 157, grifo no texto) Hamilton Nogueira refuta o enunciado acima proposto sem, no entanto, recorrer a argumentos de ordem religiosa, a fim de “resguardar” a fé católica: o espiritismo não pode ser considerado como ciência, não somente porque não obedece ao método da experimentação, mas também porque o seu fim, o seu objetivo principal, é a explicação das causas primeiras e dos fins últimos, contrariamente ao fim da verdadeira ciência, que é a constatação e a verificação dos fatos na ordem natural. (Id., ibid., p. 158) Noutra ocasião, previne os leitores que as célebres materializações que ocorrem nas sessões espíritas são de autenticidade duvidosa, verificadas apenas 49 Para tentar preservar um pouco mais o primeiro número de A Ordem pesquisada nas instalações do CDV em salas cedidas pelo Mosteiro de São Bento, já com páginas bastante amareladas e puídas, consultamos sua reedição reproduzida no v. 91 de 2000, quando a revista completou 79 anos de existência no cenário nacional (p. 129-176). 110 “por indivíduos nervosos, excitados, facilmente impressionáveis”50, e a idéia de reencarnação não possui nada de original nem pode ser atribuída primitivamente ao escritor francês Allan Kardec, já que nos primeiros séculos de nossa era houve um surto de ocultismo, fomentado pelos platônicos, gnósticos, e alexandrinos, cujo principal objetivo era a evocação de espíritos, e, Tertuliano, na sua Apologética, menciona certas práticas que se assemelham aos processos empregados atualmente. (A Ordem, nov. 1921, n. 4, p. 55) Na opinião do autor, a doutrina espírita não passava de um “cristianismo paganizado” defendido muito antes de Kardec por três de seus compatrícios, Jean Reynaud, Pierre Lerroux e Eugène Sue. Até Tomás de Aquino, o maior teólogo da cristandade, teria mencionado em sua Suma teológica a falácia da existência do perispírito (designação dada ao suposto invólucro fluido que serve de ligação entre o corpo e o espírito), discutida entre filósofos da Antiguidade Clássica51. No terceiro número da revista, A Ordem pretende abordar, “à luz da medicina”, o milagre das 18 aparições de Nossa Senhora à camponesa Marie Bernarde Soubirous, mais conhecida como Bernardete, ocorridas entre 11 de fevereiro e 16 de julho de 1858 na pequena cidade de Lourdes, situada no sudoeste da França, a qual até hoje acorrem multidões de doentes do mundo inteiro em busca de cura para suas enfermidades.52 50 A Ordem, jan. 1922, n. 6. Na edição de março do mesmo ano, Hamilton Nogueira diz que no Rio de Janeiro e em todo o interior do Brasil é raro o dia em que não se notifica obsessões espíritas que em muito podem contribuir para os avanços em clínica psiquiátrica (n. 8, p. 116). 51 A Ordem, dez. 1921, n. 5. Além de anticientífica, a “heresia espírita” também seria considerada imoral por defender em seu maior código instrutivo, o Evangelho Segundo o Espiritismo, a união livre entre casais (maio 1922, n. 10, p. 149-150). 52 Conta a tradição popular que Bernerdete tinha 14 anos quando numa manhã de inverno foi buscar lenha na gruta de Massabielle, mas hesitou atravessar um riacho de águas gélidas porque sofria de asma. De repente, uma luz surgiu da pedra na forma de uma dama vestida de branco com uma faixa azul presa na cintura, um rosário entre as mãos em oração e rosas nos pés. A figura feminina apresentou-se como a “Imaculada Conceição” e da pedra brotou uma fonte que curou várias pessoas de diferentes males. As aparições de Lourdes tornaram-se uma questão nacional na França do imperador Napoleão III (1808-1873) e em 1862 a Igreja Católica decidiu confirmar que os milagres aconteciam por intercessão da Virgem Maria. Dois anos mais tarde, Bernardette entrou para a Congregação das Irmãs de Caridade em Nevers, onde serviu como enfermeira até o seu falecimento em 1879. Em 13 de abril de 1925, exumaram o corpo intacto de Bernardette que então foi colocado na capela do Convento de Saint-Gildard para veneração pública. Cf. João José Cavalcanti, Lourdes, 111 A redação adverte que os eventos de Lourdes foram estudados com todo rigor científico, [não se tratando] de fenômenos incertos, observações na escuridão, com o auxilio de “médiuns” e “fluídos”, mas sim de fatos verificados à luz do dia, por meio de verdadeiras ciências como a física, a anatomia, a fisiologia, a anatomia patológica. (A Ordem, n. 3, out. 1921) Neste sentido, desqualifica o que em outras crenças consideram-se evidências cientificamente demonstráveis com a chancela de uma “realidade objetiva” que não é, entretanto, fato do domínio natural, mas situação excepcional e particular que em nada afeta a credibilidade da ciência53. O artigo “A decadência do espiritismo”, de julho de 1922, demonstra melhor a repercussão da doutrina propagada por Allan Kardec como partidária do cientificismo, tendência intelectual muito em voga na época. O texto traz uma série de entrevistas reunidas no livro Les morts, vivent-ils?, que o psiquiatra francês Paul Heuzé realizou com seus conterrâneos. No Brasil, a enquete foi transcrita nas páginas de O Jornal54 por iniciativa do médico fisiologista Miguel Osório de Almeida (1890-1953)55 e pela revista As Vozes de Petrópolis, mais tarde editora fluminense. Citando trechos selecionados de “Os mortos vivem?”, revela as dúvidas de cientistas do porte de Marie Curie56 quanto à veracidade dos fenômenos espíritas e até de um padre católico que afirma que o posicionamento contrário da Igreja em Minerva, 1953. Perilo Gomes, primeiro secretário-geral de A Ordem e diplomata de carreira, narra em pormenores a história da devoção mariana e dos milagres a ela concernentes em artigos publicados a partir da décima edição da revista, em maio de 1992. 53 A Ordem, jul. 1922, n. 12. 54 Fundado em 1919 e comprado em 1924 pelo empresário, professor de direito e influente político Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (1892-1968), O Jornal foi o primeiro veículo de um dos grandes conglomerados midiáticos latino-americanos formado, entre outros, pelo Correio da Manhã, o Diário de Notícias, o Jornal do Commercio, a famosa O Cruzeiro (considerada a principal revista ilustrada brasileira do século XX) e a Rede Tupi de televisão. Ver Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, São Paulo, Martins Fontes, 1983. 55 Irmão do também médico Álvaro Osório de Almeida (1882-1952). 56 Esposa de Pierre Curie, com quem dividiu o Prêmio Nobel de Física do ano de 1903 pelas suas descobertas no campo da radioatividade. 112 relação ao espiritismo não é de cunho metafísico, mas sim no que diz respeito à natureza objetiva. Em “A fisiologia e os dados da fé católica”, critica-se a teoria racionalista defendida na atmosfera “atéia” e “anticlerical” do século XIX57 que procura estabelecer uma correspondência entre alma e cérebro, como se as faculdades “superiores” da psicologia humana pudessem ser reduzidas a interpretações fisiológicas. Na percepção da revista, a alma não seria apenas produto da elaboração de células nervosas da mesma forma que a bílis do fígado e o suco entérico dos intestinos. A fim de confrontar a teoria das localizações cerebrais enunciadas pelo médico, anatomista e antropólogo francês Paul Pierre Broca (1824-1880) em seus estudos sobre a fala, um de seus alunos, o neurologista Pierre Marie (1853-1940), ainda que impregnado de princípios materialistas censurados de todo por A Ordem, questionou postumamente o mestre em termos que deram alento à doutrina espiritualista58 da existência da alma: É preciso nos desligarmos absolutamente das antigas concepções, que tendiam a admitir, para certos processos psíquicos, notadamente para os da linguagem, centros tão limitados quanto para as funções motoras. Sabe-se que, para estas últimas, o ponto de partida parece ser em certos grupos celulares, donde nascem fibras de projeção, que transmitirão direta ou indiretamente, aos órgãos periféricos, as excitações necessárias. Para os processos físicos, o mecanismo é outro: estes nascem por uma espécie de vibração dos elementos nervosos, e estas vibrações se propagariam, por uma série de reações elaboradas, a um grande número de células, que seriam assim postas em ação pela excitação inicial, voluntária ou reflexa. Seria um “erro notável” pensar, como se fazia outrora, que “tal ou tal célula”, ou “tal ou tal grupo celular”, constitui “um centro” para cada uma das partes do discurso: substantivos, adjetivos, verbos etc., ou mesmo para a sintaxe que rege o emprego destas diferentes partes. (A Ordem, ago. 1922, n. 1, p. 8-9) 57 De acordo com o texto, período eivado de kantismo – doutrina do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) acerca dos limites e possibilidades do conhecimento racional – e de spencerianismo – teorias formuladas pelo filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903), cuja idéia central é a evolução mecanicista do cosmo da simplicidade relativa à complexidade relativa. 58 Termo “espiritualista” aqui assimilado como mística cristã que advoga a realidade autônoma e condicionante da alma em relação ao corpo, atestando a superioridade moral dos valores decorrentes do espírito sobre as inclinações e desejos materiais. 113 No mês seguinte a revista publica um artigo que dá continuidade à questão anterior, só que desta vez com o título “As ciências naturais e os dados da fé católica”. Aqui, permanece o estilo acusatório contra o que se considera como “grosseiros raciocínios” do século XIX, agora relativamente à hipótese da pluralidade da espécie contra a afirmação bíblica da origem humana a partir de um único casal. Condena-se veementemente o evolucionismo, colocando em dúvida a capacidade da ciência de conhecer as causas primeiras do universo, mas considerando apenas que alguns “mistérios” que emanam de uma inteligência divina superior são inalcançáveis. A revista contesta qualquer objeção de que a Igreja Católica se oponha ao progresso científico e defende os princípios do que deveria ser a verdadeira ciência: A ciência positiva não procura as causas primeiras, nem o fim das coisas; estabelece fatos e liga-os por relações imediatas; o espírito humano constata os fatos pela observação e pela experiência; compara-os, deduz relações, isto é, fatos mais gerais que, por seu turno – e esta é a sua garantia única de realidade – são verificados pela observação e pela experiência. O seu fim não é, pois, senão o estudo dos fenômenos de ordem natural, e aliás, somente naquilo que se refere às relações secundárias das coisas. (A Ordem, set. 1922, n. 2, p. 27-28) Dando prosseguimento ao debate sobre a “unidade da espécie humana”, acentua-se a posição superior do Homo sapiens na hierarquia dos seres criados, desmentindo a hipótese formulada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809- 1882) acerca da descendência simiesca dos homens. Os estudos de anatomia comparada evidenciariam somente semelhanças físicas aparentes, desprezando a faculdade da razão como conhecimento refletido da realidade – diferente da inteligência, também presente nos animais, que constitui o conhecimento sensível voltado para a objetividade concreta e particular –, o que nos diferenciaria dos macacos.59 59 A Ordem, set. 1922, n. 3, p. 69-70. 114 Na edição de outubro de 1922, registra-se com júbilo a criação da Sociedade de São Lucas60 no dia 18 do mesmo mês, que reúne médicos em torno de um espírito científico sob orientação católica, aos moldes das já existentes em outros países. Ressaltando que o exercício da medicina requer “elevado grau de moralidade”, a revista observa que o pertencimento a uma associação organizada “debaixo dos ensinamentos da Santa Igreja” serve de abono aos profissionais da área, que transparecem mais confiança e “absoluta compostura”.61 E, voltando à crítica sempre categórica ao século XIX, “cenário das mais degradantes revoltas contra a civilização cristã” em virtude de seu “ousado ateísmo e pedante cientificismo”, Hamilton Nogueira escreve um artigo sobre o biólogo, físico e químico francês Louis Pasteur (1822-1895), a quem considera um dos poucos gênios da época, para tentar amenizar um pouco o julgamento negativo em relação àquele século. Na homenagem prestada ao mestre, procura chamar a atenção dos positivistas para o exemplo de um homem que jamais acreditou na incompatibilidade entre ciência e fé, alguém que só se tornou grande na medida em que “se curvou diante da cruz”. O texto confere ênfase especial ao princípio geral que guiou os estudos de Pasteur, revolucionando as ciências médico-cirúrgicas em sua “obra humanitária”, qual seja, o de que “o micróbio de uma moléstia infecciosa, cultivado em certas condições determinadas, é atenuado na sua atividade nociva; de vírus ele se torna vacina”.62 Em seguida, a matéria exalta algumas realizações do “apóstolo da verdadeira ciência”, como a descoberta do soro anti-rábico, as pesquisas em torno dos micróbios das fermentações lácticas e alcoólicas, e das moléstias de vinhas e outras plantas que impulsionaram a indústria, o comércio e a agricultura, além das polêmicas controvérsias suscitadas pela rejeição da teoria da geração espontânea do naturalista Félix Archimède Pouchet (1800-1872). Enfim, conclui, com as palavras do próprio Pasteur, que “a ciência aproxima o homem de Deus”. 60 Médico de profissão e padroeiro da classe, Lucas é um dos evangelistas do cânone católico e escreveu a primeira história da Igreja, o livro “Atos dos Apóstolos”, vivendo à época das comunidades cristãs primitivas. 61 Esta também é a conclusão de Rita de Cássia Marques na tese A imagem social do médico de senhoras no século XX, defendida em 2003 no âmbito do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. A autora demonstra que era fundamental terem os médicos – muito especialmente os ginecologistas e obstetras – a “bênção” da Igreja para serem aceitos socialmente. 62 “A glória de Pasteur”, A Ordem, jan.-mar. 1923, n. 6-8, p. 135-137. 115 A seção “Bibliografia”, aqui dividida nos segmentos “Letras Brasileiras” e “Letras Estrangeiras”, traz na edição de janeiro de 1926 (ano V, n. 49) a indicação de um livro do advogado, diplomata, matemático e sociólogo Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979), Introdução à política científica, não propriamente para resumir o conteúdo da obra, mas para censurar, de maneira ofensiva e anedótica, como é bastante comum na linguagem escrita da época, seu autor. Na óptica de A Ordem, por tratar-se de um “Augusto Comte brasílico”, o jovem jurista, cuja produção bibliográfica chegou a quase 150 volumes, defendia uma noção estéril de ciência tributária do positivismo, ou seja, como conhecimento voltado para a técnica e a tecnologia, como instância “redentora da humanidade”, algo inaceitável para o espírito cristão. A matéria intitulada “Possessão, histeria e êxtase”, assinada pelo o padre José de Castro Nery debruça-se sobre alguns estudos realizados pelo médico psiquiatra, antropólogo e folclorista alagoano Arthur Ramos de Araújo Pereira (1903- 1949), em torno da “mitologia afro-baiana”.63 Ao religioso, interessa especialmente o exame das manifestações dos orixás nos pacientes observados por aquele se tornou um dos nomes mais importantes no processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil. Mas os elogios ao pioneirismo e à erudição do autor nas primeiras linhas logo se transformam em duras críticas: A parte mais contestável do seu trabalho é a que se refere à comparação da possessão demoníaca com histeria, tal qual a concebeu a escola de Salpêtrière64. O dr. A. Ramos cozinha na mesma caldeirada as encarnações do Apolo délficos gregos, as bacantes de Dionísio, os espíritos impuros da Bíblia, o diabo da Idade Média e a legião dos espíritos kardecistas contemporâneos. (A Ordem, maio-jun. 1933, n. 39-40, p. 329) 63 O texto mais citado aqui é “A possessão fetichista na Bahia”, dos Archivos do Instituto Nina Rodrigues (out. 1932), mas também há referências à célebre tese Faculdade de Medicina na Bahia, Primitivo e loucura (1926), e aos artigos “Os horizontes míticos do negro na Bahia” (Archivos..., abr. 1932), “Os instrumentos musicais dos candomblés da Bahia” (ago. 1932), e “O mito de Iemanjá e suas raízes inconscientes” (set. 1932), sendo estes dois últimos do periódico Bahia Médica. Ver A Ordem, maio-jun. 1933, n. 39-40, p. 328-335. 64 Salpêtrière refere-se ao hospital psiquiátrico parisiense em que Jean-Martin Charcot (1825-1893), neurologista francês, ministrou suas aulas para discípulos como, por exemplo, Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise. 116 O texto prossegue reconhecendo a dificuldade tanto de médicos quanto de teólogos em discernir as possessões de sintomas semelhantes a outras formas de enfermidade no sistema nervoso, mas não admite a negação completa da realidade demoníaca. As convulsões, os esgares, os ululos, as atitudes crônicas ou passionais não bastam para confundir duas séries de fenômenos tão dessemelhantes na sua etiologia. O poliglotismo, as suspensões no ar, a força inaudita dos demoníacos marcam condições que se não verificam no histerismo. (Id., ibid., p. 332) E considera com reserva as observações de “sectários empenhados na aprovação da sua heresia” quando são confrontados casos de histeria e êxtase. Na histeria, ocorreria a diminuição das forças intelectuais e volitivas, enquanto nos casos de êxtase, dá-se exatamente o contrário: um alargamento do campo da consciência, uma plenitude de luz. No histerismo, se acaso brotam palavras dos lábios da enferma, estas são desconexas e denotam um enfraquecimento do poder coordenador; no êxtase místico se executam verdadeiros tratados de ascéticas, onde os teólogos mais exigentes não encontram nada contra a doutrina professada.65 (Id., ibid., p. 333) A contenda sobre a origem da vida humana mobiliza páginas e páginas da revista A Ordem é o da origem da vida humana, mais precisamente a questão do evolucionismo. Não se admite que a ciência possa penetrar todos os mistérios do mundo, desvendando “a cadeia genealógica que une os seres atuais aos seus ancestrais, ...a causa do primeiro sopro vital sobre o universo”.66 65 Quer sejam explicadas à luz da medicina ou da religião, todas essas manifestações são consideradas próprias do gênero feminino. A genialidade dos escritos de Catarina de Sena (1347-1380) e Teresa d’Ávila (1515-1582), ambas canonizadas como ‘doutoras da Igreja’, é sempre fruto de algum tipo de força externa, impossível a mulheres comuns. Recorre-se ainda aos depoimentos das duas santas para declarar que o místico sai remoçado e com grande apetite para a ação de seu estado extático, ao passo que as nevropatias causam depressão e insônia. (p. 334) 66 Ver “Idéias transformistas”, A Ordem, set.-out. 1933, n. 43-44, p. 705-721. 117 Assim, o transformismo, como também é chamada a teoria sobre a evolução das espécies ao longo do tempo, é atacada em todas as suas bases, desde a sua própria origem e exposição. O processo de “seleção natural” proposto por Darwin para explicar a sobrevivência dos organismos mais aptos, estaria diretamente associada à doutrina malthusiana acerca da disparidade entre crescimento demográfico (sempre em progressão geométrica) e a produção de alimentos (sempre em progressão aritmética). De acordo com o artigo, a idéia da garantia de preservação da espécie através de variações individuais hereditárias ou adquiridas que evoluíram ao mero acaso, sem direção alguma, é em si mesmo absurda, e só obteve sucesso porque o materialismo da filosofia positivista era contra tudo o que se aproximasse minimamente das idéias espiritualistas, dando preferência a qualquer vestígio de explicação científica. o darwinismo é falso, é uma teoria sem valor científico, sem base racional. Há várias disposições orgânicas que não se tornam úteis ao indivíduo depois de atingirem um mínimo de desenvolvimento, uma complexidade assaz vantajosa: as presas venenosas das serpentes, por exemplo, exigem a coadaptação da glândula excretora e do dente caniculado. Ora, dentro das leis darwinianas, uma pequena variação dos elementos primitivos nunca lograria constituir o aparelho completo: qual a utilidade de uma glândula venenosa sem um ducto excretor? e qual seria a função de um dente caniculado que não se coadaptasse à glândula secretora? Pretenderá, por fim, alguém explicar uma coadaptação, uma ordem, uma harmonia, inúmeras vezes observada, sempre realizada, atribuindo-a ao simples jogo do azar? E não é tudo. O fator principal da seleção julgava Darwin ser a luta pela vida, sobrevivendo o mais forte, o mais hábil; ora, ‘...quando uma enorme baleia abre a boca no meio de miríades de pequenos copépodes, que sobrenadam nas águas dos mares..., que decidirá da sorte dos copépodes? Que importa eles serem maiores ou menores? mais vermelhos ou mais amarelados? que possuem este ou aquele modo de estrutura ou de funções? Tudo isto não entra em linha de conta quando a água se precipita pelas fauces do monstro cetáceo.’ (A Ordem, n. 43-44, set.-out. 1933, p. 711-712) 118 A partir dessa crítica inicial, rejeitam-se todos os argumentos que poderiam corroborar a tese de Darwin, começando pela anatomia e pela fisiologia comparadas.67 Proclamou-se com grande ardor, como prova evidente da origem simiesca do homem, a semelhança que ele apresenta com relação a certos macacos... Segundo as idéias transformistas, a evolução progressiva dos macacos teve como último aperfeiçoamento o alto desenvolvimento do organismo humano, de sorte que os estados mais semelhantes ao homem devem ser os mais aperfeiçoados, os que estão mais próximos na escala descendente. ...o chipanzé ou o gorila, vulgarmente indicados como antropomorfos, portanto os que na escala evolucionista ocupam o ápice da animalidade, apresentam uma cabeça caracteristicamente bestial sem a mínima semelhança com a cabeça humana: caixa craniana reduzida não atingindo sequer a terça parte do volume facial, dentes de ser feroz em disposição de presas defensoras, mandíbulas enormes governadas por músculos extraordinariamente desenvolvidos. (Id., ibid., p. 714-715) Portanto, sinais aproximativos entre a cabeça ou o corpo do homem com a dos animais não seria prova suficiente para demonstrar a teoria evolucionista. Tampouco as semelhanças histológicas são capazes de estabelecer parentesco real entre os organismos, pois de acordo com um dos estudos citados pela revista, os glóbulos vermelhos do sangue do coelho da Índia são em tudo idêntico ao dos seres humanos. Também estariam fora de questão os restos fósseis apresentados como documentos geológicos pela paleontologia para estabelecer qualquer grau de familiaridade entre homens e macacos. se é verdade que inúmeros restos fossilizados se apresentam como prova quase evidente da evolução das espécies animais, se é verdade que as camadas da era terciária nos mostram grande 67 De tão longos que são, não é possível esmiuçar em detalhes cada um desses argumentos, mas é preciso frisar que os mesmos se baseiam em pesquisas de outros cientistas que procuram derrubar a teoria darwiniana e todos os seus trabalhos são devidamente citados nas notas de rodapé do texto. Em outras palavras, nem sempre se recorre a controvérsias de cunho teológico para combater o que a revista normalmente trata como “heresias científicas”. Ao contrário, recorre-se à mesma linguagem e ao crivo de especialistas no assunto para asseverar a credibilidade diante do leitor. 119 quantidade, de sinais, de verdadeiras pegadas dos macacos e predecessores, não é menos certo que só em terrenos de formação quaternária se encontram vestígios da existência humana, e estes se mostram já com marcas indeléveis de um ser superior e inteligente, capaz de criar o fogo e mantê-lo para os dias futuros, capaz de inventar e construir instrumentos, capaz de idealizar uma indústria e a desenvolver, capaz até de conceber um vago ideal nessa vaga aspiração de um mundo supra-sensível, conforme se pode deduzir pela prática da sepultura. O homem aparece-nos pois, na qualidade de um verdadeiro Homo novus sem antepassados. (Id., ibid., p. 717) A conclusão de “Idéias transformistas” é que todo questionamento sobre a origem da vida só poderia ser examinada em seu duplo aspecto espiritual e animal. Enquanto o psiquismo animal é exclusivamente sensitivo, o psiquismo do homem é substancialmente superior, capaz de conceber idéias abstratas e gerais, estabelecer relações de causa e efeito, capaz de julgar e raciocinar, de escolher livremente seu destino, de conceber uma linguagem conceitual e códigos morais. Todas estas são verdades fulgurantes que brilham com a luz meridiana da evidência; só as não vê quem tem os olhos vendados por preconceitos ou não sabe a significação exata dos termos filosóficos. É pois metafisicamente impossível que o psiquismo animal possa, por evolução natural, tornar-se psiquismo humano. Para encontrarmos a origem deste último, uma vez que as causas segundas não no-la podem fornecer, é-nos de absoluta necessidade recorrer à uma intervenção imediata da causa primeira, de Deus. (Id., ibid., p. 713) Oscar Mendes Guimarães (1902-1983), crítico literário, jornalista e professor de literatura brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais e várias instituições de ensino superior estrangeiras, assina o texto “Ciência e religião”, constante no número duplo de A Ordem que sai nos meses de setembro e outubro de 1933.68 O artigo é mais uma tentativa de reconciliar razão e fé, ciência e religião, já tendo passado tempo suficiente, segundo o autor, desde o século XIX, que “o ódio 68 Cf. A Ordem, set.-out. 1933, n. 43-44, p. 745-749. 120 sectário contra a Igreja Católica” deixou de condenar a crença religiosa e “a falsa lei dos três estados de Comte69 passou de moda” (p. 745). Para o autor, na verdade, o conflito entre ciência e religião nem mesmo teria razão de existir, pois o campo de atuação de uma e de outra é completamente diferente. Longe de ser um conhecimento total, a ciência seria apenas parte do conhecimento, ou seja, o conhecimento dos fatos, o conhecimento experimental, que não esgota o conhecimento do homem e da natureza. E Oscar Mendes continua: Ora, é justamente aonde pára a ciência e se recusa a ir mais adiante, que a religião inicia seu domínio. Os seus problemas transcendem do campo científico e não podem ser solucionados pelos mesmos métodos. Problemas diferentes, métodos diferentes. Não pode haver conflito. Uma estuda o como dos fenômenos. A outra o porquê e para que. Os objetivos são diversos. (A Ordem, set.-out. 1933, n. 43-44, p. 746) Somente no Brasil, ainda de acordo com o texto, o problema persistiria, reclamando entre a nossa inteligência nacional os efeitos da “rajada de ar puro que vem saneando o pensamento ocidental”. Para tanto, o movimento intelectual católico poderia em muito contribuir, divulgando o último posicionamento da Igreja, transcrito pelo autor, nas decisões tomadas no Concílio Vaticano70. “Nenhum verdadeiro desacordo pode existir entre a fé e a razão. Não só a fé e a razão jamais podem estar em desacordo, mas elas próprias se auxiliam mutuamente; a reta razão demonstra os fundamentos da fé e, esclarecida por sua luz, desenvolve a ciência das coisas divinas... Longe de se por ao estudo das artes e ciências 69 A lei dos três estados de Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857), pensador francês fundador do positivismo, refere-se às fases de desenvolvimento da humanidade. Na primeira, a fase ‘teológica’, os fenômenos são explicados através de causas primeiras personificadas nos deuses; na segunda, a fase ‘metafísica’, as causas primeiras são substituídas por causas mais gerais, entidades abstratas sobre a natureza das coisas e dos acontecimentos; na terceira, a fase ‘positiva’, o homem tenta compreender a relação entre as coisas e os acontecimentos através da observação científica e do raciocínio. Ver José Arthur Gianotti, Augusto Comte: curso de filosofia positiva, São Paulo, Abril Cultural, 1978 (“Os Pensadores”). 70 O autor refere-se aqui ao primeiro concílio reunido no Vaticano entre 8 de dezembro de 1869 e 18 de dezembro de 1870, cujo ponto ápice foi a proclamação do dogma da infalibilidade papal e a condenação dos ‘erros’ do racionalismo, do materialismo e do ateísmo. Ver Roland Fröhlich, Curso básico de história da Igreja, São Paulo, Paulus, 2002, p. 147-156. 121 humanas, a Igreja o favorece e propaga de mil maneiras; porque ela não ignora, não despreza as vantagens que dele resultam para a vida humana. Não proíbe certamente que cada uma das ciências, de seus próprios princípios e de seu método particular; mas ao mesmo tempo que reconhece essa justa liberdade, vela com cuidado para que nenhuma delas sustente teses em oposição à doutrina divina ou que, ultrapassando os respectivos limites, venha invadir e perturbar o que é do domínio da fé”. (Id., ibid., p. 746-747) Mais uma vez, outro questionamento bastante comum na revista reaparece no artigo “Sobre a criação do mundo”, que é a transcrição de uma palestra dada pelo político, engenheiro e pensador católico Lúcio José dos Santos (1875-1944) no Ginásio Mineiro, em Belo Horizonte.71 Logo de início, o autor deixa claro que a narração bíblica da origem de todas as coisas no livro do Gênesis não pode ser considerada como científica, mas sim histórica, conforme a linguagem da época em que foi escrita.72 Por outro lado, afirma que também não se deveria levar o transformismo em conta de verdade científica, porém simples hipótese, impossível de ser comprovada. Nesse sentido, conclui que para os católicos, o que é rigorosamente científico não pode ser contrário à fé, assim como nenhum ensinamento da fé pode ser anticientífico. E quando algum conflito se manifesta, é fácil reconhecer que se trata ou de um modo errôneo de conceber o ensinamento da fé ou de uma interpretação abusiva ou mesmo tendenciosa do fato científico. (A Ordem, ago. 1935, n. 66, p. 166) Lúcio José dos Santos lembra ainda que o caso mais notável em que fé e razão parecem ter entrado em impasse é o de Galileu, no qual a Inquisição o teria condenado como suspeito de heresia. O cerne do problema estava em não considerar suas idéias como mera hipótese, que aliás já tinham sido propostas pelo 71 A Ordem, ago. 1935, n. 66, p. 155-169. 72 A última resposta da Pontifícia Comissão Bíblica sobre este problema – datada de 1909 até então –, mencionada de maneira vaga no discurso publicado pela revista, na realidade nega qualquer possibilidade de abandonar a interpretação literal do Gênesis. 122 astrônomo, matemático e sacerdote polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) quando descreveu o modelo cosmológico heliocêntrico.73 No mês de dezembro de 1935, é publicado o artigo “A contribuição franciscana para o adiantamento das ciências no século XIII”, assinado pelo frei Saturnino Schneider. O texto evoca a contribuição de nomes célebres da teologia e de vários outros ramos do conhecimento que também pertenciam à Ordem dos Frades Menores, fundada por Francisco de Assis, na Itália, em 1209.74 Antes de mais nada, se enfatiza a surpresa que o próprio idealizador de uma congregação religiosa mendicante, cuja espiritualidade era contrária ao intelectualismo, certamente teria ao ver seus irmãos espalhados entre os milhares de estudantes dos mais concorridos centros de estudos da época – Bolonha, Paris e Oxford –, ocupados com as grandes correntes do saber, tanto especulativa quanto a prática. A partir daí, o autor traça uma brevíssima biografia dos franciscanos que mais se destacaram em seus respectivos domínios, citando Robert Grosseteste (1168-1253) como notória autoridade em ciências naturais e experimentais da Universidade de Oxford, além de bispo de Lincoln, região situada no leste da Inglaterra. Seus tratados científicos versavam sobre temas como som, astronomia, geometria e, em especial, óptica. Contudo, um dos frades mais proeminentes de seu tempo foi justamente um dos discípulos de Grosseteste, Roger Bacon (1214-1294), tido como precursor do método científico contemporâneo, descrevendo-o como um ciclo repetido de observação, hipótese, experimentação e verificação. O artigo revela que Bacon recebeu o título de Doctor Mirabilis (“doutor admirável”, em latim), pois entre numerosas invenções por ele descritas, demonstra com admirável precisão possuir o segredo da lanterna mágica e do planisfério semovente; mas sobretudo na óptica é prodigiosa a sua riqueza de novos pontos de vista e conhecimentos que revela. Não 73 Freqüentemente invocado para afirmar que a Igreja Católica é contra o progresso científico, o “caso Galileu” refere-se ao processo enfrentado pelo físico, matemático e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), no Tribunal do Santo Ofício, por ter rejeitado que a Terra seria o centro do universo, tendo o céu acima dela e o inferno abaixo. A reabilitação de Galileu pela Igreja ocorreu em 1983, durante a presidência do cientista brasileiro Carlos Chagas Filho (1910-2000) na Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano. Ver Carlos Chagas Filho, Um aprendiz de ciência, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000. 74 A Ordem, dez. 1935, n. 70, p. 503-519. 123 só explica as leis da visão, a anatomia do olho, os efeitos da reflexão, a presbiopia e a miopia, mas também descreve a natureza e as propriedades dos vidros côncavos e convexos, sua aplicação à leitura e observação dos objetos longínquos; anuncia o telescópio e o microscópio, como ainda as grandes aplicações do vapor. Estuda os fenômenos do arco-íris, os halos, anéis ou zonas coradas do sol, os matizes diversos de que se tingem as cores, a polarização da luz pelo prisma, a ordem das cores nas superfícies estudadas; observa os fenômenos, tão misteriosos hoje como então, do magnetismo, atração do imã pelo ferro, a afinidade química do ácido e da base, o foco do calor solar que a lente concentra, a teoria dos espelhos, as regras da perspectiva, a causa da titilação das estrelas fixas e em termos precisos dá a receita, talvez mais célebres dos seus inventos, da pólvora (aplicada e posta em prática, um século mais tarde, pelo seu confrade frei Bertholdo Schwarcz), descoberta essa que, longe de considerar mero passatempo químico, a apreciou em toda a sua importância e resultados, descrevendo com grande energia os trovões e raios artificiais mais terríveis que os naturais, a explosão e detonação poderosa causada por pequeníssima quantidade e o estrago que, em doses maiores, poderia causar em cidades e exércitos. (A Ordem, dez. 1935, n. 70, p. 513, grifo no texto) Do padre João Batista de Siqueira75, o texto “Santidade e ciência” procura demover a idéia de que fé e razão ou religião e ciência poderiam ser de alguma forma estranhas. Mencionando o próprio Concílio Vaticano I, o autor sugere que a “verdadeira” ciência leva à santidade e vice-versa. Uma vez mais, refere-se ao século XIII como o de “grandes gênios e santos”, como um tempo em que o conhecimento circulava nos mosteiros e nas universidades católicas e, finalmente, que os estudiosos não se limitavam à atual “pseudociência positivista” que considera apenas os fenômenos e suas aplicações práticas.76 Com o propósito de discorrer sobre o desenvolvimento de um dos ramos de maior relevo da ciência nas últimas décadas, a psicologia, Teobaldo Miranda Santos, 75 Teólogo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, era o censor oficial que conferia o nihil obstat (permissão) para a publicação de um livro, certificando que a obra não continha nada contrário à fé ou à moral. Cf. Lina Gorenstein e Maria Lucia Tucci Carneiro, Ensaios sobre a intolerância: inquisição, marranismo e antissemitismo, São Paulo, Associação Editorial Humanitas, 2005. 76 A Ordem, nov.-dez. 1936, v. XVI, p. 307-315. 124 professor da Faculdade de Filosofia da Santa Úrsula77, publica extenso artigo intitulado “A educação e as tendências atuais da psicologia” na edição de fevereiro de 1938 de A Ordem.78 Segundo o autor, os usos e influências de um derterminado saber em vários setores da atividade humana indicam a sua importância social, bem como seu próprio desdobramento interno em tendências que chegam a divergir em torno de métodos de pesquisa e interpretação filosófica. Porém, a multiplicidade de correntes da psicologia contemporânea não configuram um estado de crise da disciplina, que chega a concordar na maioria dos resultados das pesquisas experimentais realizadas. Assim, passa-se a considerar os movimentos mais expressivos do campo.79 Inspirada nas experiências realizadas com animais pelo fisiólogo russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), conhecidas como “condicionamento reflexo” ou respostas dadas a determinados estímulos, a psicologia behaviorista deixa de lado o estudo dos fenômenos conscientes para se concentrar na atividade global do organismo, na conduta. Seu método de investigação é exclusivamente objetivo, nas ciências naturais como ciência do comportamento, visto que a consciência dos outros indivíduos escapa totalmente ao observador, o qual só pode estudar nos mesmos os gestos, os atos, as atitudes, as reações, compreendidas nestas as da linguagem. Daí o abandono votado pelos behavioristas à observação interna e o seu desprezo pelo conceito de consciência. (A Ordem, fev. 1938, v. XIX, p. 129) A segunda corrente psicológica mencionada por Teobaldo Miranda Santos é a estruturalista, em especial a vertente germânica da “Gestalt-theorie”, também 77 Universidade fundada em 1937 por Alceu de Amoroso Lima, a primeira a abrir vagas para mulheres no Rio de Janeiro. 78 A Ordem, fev. 1938, v. XIX, p. 126-151. 79 Em “A Igreja Católica e a emergência da psicologia científica no Brasil”, texto apresentado no 16º Encontro Nacional da ABRAPSO em Recife em nov. 2011, Patrícia Yoshimy da Silva Kajishima et al., contam como a visão cristã tradicional, repousando numa concepção de pessoa humana relacionada aos princípios da verdade, da vontade e da interioridade (este último reconhecível como uma espécie de “psicologização” na cultura ocidental moderna), participa e reage ao processo de implantação de uma psicologia empírica pautada em métodos objetivos ao longo da década de 1920 e 1930, inclusive sendo responsável pela criação do primeiro curso superior da disciplina na PUC-RJ em 1953. 125 conhecida como “psicologia da forma”. Bem diferente da visão behaviorista, a Gestalt não acredita que a conduta humana obedeça a processos mecânicos, mas sim à interprenetação de processos mentais. Nos estudos experimentais da percepção, levam-se em conta as noções de aptidão inata e adquirida, memória, funções superiores e inferiores, todas em conjunto e não como a soma de elementos esparsos, à semelhança de uma máquina e sua sequência estruturada de fatos ocorrendo simultaneamante aos fenômenos psíquicos. A terceira é a psicologia fenomenológica ou essencialista, que busca enfatizar as experiências vividas na subjetividade, em detrimento de princípios, teorias ou valores preestabelecidos. O texto revela as raízes mais profundas dessa escola, sustentando que A filosofia e a psicologia fenomenológicas representam, indubitavelmente, uma volta ao substancialismo aristotélico e se aproximam da filosofia tomista quando postulam uma diferença essencial entre o conhecimento sensitivo e intelectivo, e quando admitem a existência, fora da consciência, de uma realidade acessível ao nosso conhecimento. Elas representam um sintoma expressivo e confortador desse movimento de aproximação do realismo filosófico de Tomás de Aquino, que hoje se verifica na Alemanha por parte de numerosas correntes filosóficas entre as quais, as neokantianas, cujos postulados eram, até bem pouco tempo, de franca oposição ao pensamento escolástico. (Id., ibid., p. 137) A quarta corrente constitui a psicanálise fundada por Freud, cuja característica principal é conferir ao instinto sexual o estatuto de núcleo aglutinador de toda a vida psíquica e desencadeador das neuroses. Como grandes contribuições à ciência da psicologia, Miranda Santos aponta as cinco mais importantes que podem ser atribuídas à psicanálise: 1º - Os atos “falhados” [sic.] (tiques, lapsos, esquecimentos súbitos etc.), as atrações e repugnâncias inexplicáveis têm uma “significação” e mergulham as suas raízes nas camadas profundas da vida psíquica; 2º - A observação dos sonhos, dos devaneios e das associações livres de idéias conduzem ao conhecimento de certas 126 particularidades psíquicas da personalidade e podem explicar a causa de certos distúrbios mentais; 3º - O inconsciente exerce uma influência profunda sobre os processos conscientes e constitui o reservatório, sempre em atividade, dos nossos impulsos e das nossas tendências primitivas; 4º - No psiquismo “nada se perde”, tudo se inscreve e se fixa na psiquê. Todas as aquisições da nossa experiência se acumulam no inconsciente, onde ficam em estado dinâmico; 5º - A vida psíquica da infância tem uma influência capital sobre o desenvolvimento mental das fases posteriores. Daí a necessidade da educação orientar desde a mais tenra idade a evolução psíquica do indivíduo; 6º - A afetividade possui uma influência profunda sobre a gênese e a evolução de todos os processos mentais. (Id., ibid., p. 141) A quinta corrente da psicologia contemporânea registrada no artigo é conhecida como “caracteriológica” ou “personalista”. Em oposição às escolas sintéticas dominantes no século XIX, cuja tendência mecaniscista considerava as funções psíquicas como características isoladas e autônomas, as tendências analíticas mais novas percebem o psiquismo humano como uma estrututa global. A partir de uma compreensão de união íntima e essencial recíproca entre corpo e alma, a psicologia caracteriológica percebe o homem não como entidade abastrata, mas como entidade concreta cuja personalidade resulta de condições orgânicas e pontencialidades espirituais. A sexta e última corrente psicológica, a “neotomista”, é consagrada no texto da revista como a mais poderosa e influente da contemporaneidade – além de mais interessante para auxiliar os educadores em suas práticas pedagógicas –, na qual as premissas metafísicas e os processos experimentais se combinam numa interpretação integral da realidade. Para terminar, o autor ainda assinala as tendências intuicionista, funcional, introspectiva, experimental e psicopatológica em voga na psicologia da época sem, no entanto, tecer maiores comentários acerca das mesmas. A conclusão do artigo expressa que a variedade de métodos e interpretações da ciência psicológica representa a sua própria vitalidade, dentro de uma linha coerente de argumentação 127 que a afasta cada vez mais das ciências naturais, aproximando-a das ciências morais.80 Tema recorrente em A Ordem, a cronologia da criação do mundo e do homem resurge na edição de junho de 1938, em artigo assinado pelo professor de pré-história e etnologia da Universidade do Distrito Federal, Jorge Augusto Padberg- Drenkpol (1877-1948)81. O texto “A idade o gênero humano segundo a Bíblia” pretende investigar, com olhar científico e ao mesmo tempo isento de preconceitos contra os livros sagrados, o que nestes se acha ou não sobre o surgimento do homem e sua existência.82 Após conferir minuciosos esclarecimentos sobre a datação dos três principais textos bíblicos disponíveis (em hebraico, grego e aramaico), o resultado apresentado é o de que a criação do homem ocorreu cerca de 4450 a.C. Eis o que poderíamos hoje inferir, com toda crítica e cautela, dos números dados pela Sagrada Escritura. Contra isso, porém, clama a nossa ciência toda: será possível que ainda por 3140 a.C. um dilúvio haja destruído a humanidade inteira, à exceção de oito pessoas? Podem ter descendido desde então daqueles quatro ou praticamente três casais todas as nações e sobretudo todas as raças do globo? E mesmo sem um dilúvio, essas raças, tão antigas e diversas, poderiam ter-se formado em tão pouco tempo (desde 4500 a.C.), propagando-se pelo universo onde há milênio se encontram? E as língua inúmeras, denotando diferenciações e parentescos antiqüíssimos, já poderiam estar ramificadas como sempre se nos deparam? (A Ordem, jun. 1938, v. XIX, p. 539-540) 80 Em resumo, os pontos de convergência das escolas contemporâneas contempladas no texto são: negação de qualquer explicação mecanicista; desprezo da concepção de espírito como mera soma de elementos; rejeição do excessivo intelectualismo do século XIX, reconhecendo a influência da afetividade e do inconsciente em todas as manifestações da vida psíquica; e recusa das concepções fisiológicas da atividade mental humana. Cf. Id., ibid., p. 150. 81 Padberg-Drenkpol era natural de Osnabruck, Alemanha, mas veio ainda jovem para o Brasil e tornou-se cidadão do país em 1907. Foi professor de antropologia, geologia e paleontologia do Museu Nacional, lecionando ao lado de nomes como e de Heloísa Alberto Torres e Edgard Roquette-Pinto. Regeu as cadeiras de grego, pré-história e etnologia na Universidade do Distrito Federal aqui mencionada, instituição de vida curta fundada pelo célebre educador Anísio Teixeira (1900-1971) no Rio de Janeiro em 1935 e transformada em Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil em 1939. Ver Letícia Vicenzi, “A fundação da Universidade do Distrito Federal e seu significado para a educação no Brasil”, Forum Educacional, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, jul.-set. 1986. 82 A Ordem, jun. 1938, v. XIX, p. 533-545. 128 Mas os números da ciência, prossegue o autor, baseados nas descobertas das inscrições egípcias mais antigas, em todos os indícios geológicos dos períodos neolítico e paleolítico, além de outras evidências, remontam a idade do gênero humano a dezenas ou centenas de milênios, mostrando que a cronologia bíblica é forçosamente falha e envolvendo-nos na contradição de ter que desmenti-la. Para sair desse impasse, seria preciso considerar que os números citados na Bíblia são fruto de fontes humanas lacunares, cuja precisão não teria tanta importância, interessando mais à literatura judaica83. É evidente, portanto, que esses números e toda a cronologia neles baseada só podem reclamar uma fé humana, bastante relativa. Não são nada obrigatórios os pretensos quatro ou cinco milênios pré- cristãos e muito menos ainda a data de cerca de 3100 a.C. para o dilúvio. O paralelo entre aqueles quatro milênios e as quatro semanas do advento não passa de uma meditação posterior e nunca foi doutrina oficial. Em todo caso, a ciência tem toda a liberdade de calcular a idade do gênero humano dentro dos limites que ela necessitar e puder provar. Não há perigo de ela jamais aí colidir com a Bíblia, já que esta não nos dá nenhum ensinamento a respeito. (Id., ibid., p. 544-545) Assim, a conclusão final do artigo é a de que a Bíblia não esclarece e nem pretende nos esclarecer sobre o início da humanidade, tampouco sobre o seu fim. Por outro lado, o autor também espera ter deixado claro que os ensinamentos da religião e da ciência não colidem, apenas têm formas diferentes de expressar a verdade.84 O professor Lúcio José dos Santos volta a freqüentar as páginas da revista A Ordem, desta vez com “Evolução da engenharia”, artigo publicado em outubro de 83 O texto registra antes dados históricos de especialistas de todo o mundo que indicam que o reino de Israel terminou em 722 a.C., depois da conquista da Samaria pelos assírios. Cf. Id., ibid., p. 535. 84 O posicionamento de que a Bíblia não é um compêndio de história natural e sim uma obra de espiritualidade é defendido pela Igreja de maneira mais literal desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), estando presente também na encíclica Fides et Ratio: aos bispos da Igreja Católica sobre as relações entre fé e razão, lançada pelo papa João Paulo II em 1998 e disponível em www.vatican.va. A questão da ancestralidade primata do homem também não é colocada em dúvida, enfatizando-se apenas que o corpo tem origem na evolução, enquanto a alma é objeto da criação divina. Neste sentido, criacionismo e evolucionismo não seriam incompatíveis. Ver “Deus na ciência”, Pergunte e Responderemos, Rio de Janeiro, Lumen Christi, out. 2003, n. 496, p. 434-438. Este periódico, que à semelhança da revista A Ordem procura estabelecer um diálogo entre leigos e Igreja, foi fundado pelo monge beneditino, exegeta e teólogo dom Estevão Bittencourt (1919-2008), um dos muitos jovens que freqüentaram os cursos e palestras oferecidas pelo CDV. 129 1938. O longo texto desdobra-se em seis itens: a engenharia através dos tempos; a técnica e os técnicos; técnica e tecnocracia; técnica e psicologia; técnica e ética; e conclusão.85 No primeiro item, “Engenharia através dos tempos”, o autor inicia a pré- história da disciplina afirmando que da necessidade de se dominar a natureza e o meio para sobreviver, nasce a engenharia, cujo primeiro fruto foi a invenção da primeira máquina, isto é, a pedra. Já em seu período histórico propriamente dito, após o surgimento da linguagem escrita, da mensagem decodificada, se verifica de forma ostensiva a exuberância da arte das construções nas antigas civilizações da Assíria, Babilônia, Egito, Fenícia e Índia, para não mencionar os avanços da edificação de estradas e especialmente do grande “salto civilizatório” proporcionado pelos progressos da construção naval e outros meios de transporte. A primeira denominação ligada ao fazer profissional específico da engenharia foi a de técnico, ou seja, o artesão e o artista designado como arquiteto pelos romanos para as “construções civis e militares, fontes, cisternas, condução d’água, portos, pontes, escadas, relógios, máquinas elevatórias, instrumentos de música” (p. 328). Já a primeira notícia que se tem do termo engenharia, segundo o texto, remonta aos séculos XII e XIII. No item seguinte, “A técnica e os técnicos”, em segundo lugar no texto, empreende uma discussão acerca da definição do termo técnica, expressa conforme abaixo. Pode-se, entretanto, falar em um conceito mais amplo de técnica, como atuação sobre a natureza, mediante o conhecimento dela, para a obtenção de resultados previstos; assim se diz: a técnica do médico, a técnica do agricultor, a técnica do comerciante etc. Pode- se ainda falar na técnica como método, assim: a técnica operatória, a técnica do drama e até a técnica da revolução. Em sentido restrito, a técnica diz respeito às máquinas, na indústria. Em um ponto de vista mais elevado, diremos que a técnica é uma função cultural, comportando, pois, como a arte, como a natureza, uma filosofia. Quer dizer, pois, que devemos considerar um problema cultural ligado à técnica. Na Idade Média e menos ainda na Antiguidade, não existia esse problema. Os vários técnicos, alguns bem notáveis, das várias construções – sacerdotais no Egito 85 A Ordem, out. 1938, p. 320-351. 130 e na Assíria, artísticas dos gregos, imperialista-militares dos romanos, corporativo-religiosas do período medieval e mesmo ainda as civis e militares da Idade Moderna, todos eles tiveram a sua atividade organicamente articuladas àquelas várias culturas, sem que surgisse um problema cultural autônomo. A técnica só vem a constituir um problema distinto, perceptivo e compreensível, na fase industrial maravilhosa que, embora tenha tido início no fim do século XVIII, só toma vulto na segunda metade do século XIX e especialmente no século atual. (A Ordem, out. 1938, p. 333-334) Lúcio dos Santos prossegue então com o debate sobre o problema social da técnica – tão antiga quanto o homem, como se viu –, que atingiu o nível inicial de complexidade hodierno a partir da invenção da máquina a vapor, pelo matemático e engenheiro escocês James Watt (1736-1819). Cita ainda invenções anteriores, encerrando o presente item com uma observação acerca dos episódios conseqüentes a Watt. O progresso nas máquinas acentuou-se em 1875, mais ainda em 1880 e em 1900, especialmente com a Grande Guerra. Veio a eletricidade com suas múltiplas aplicações; vieram os motores de combustão interna, que possibilitaram grande desenvolvimento em automobilismo, aerostação e aviação, em máquinas agrícolas e na indústria em geral. Seria longo e aliás desnecessário, enumerar os progressos ultimamente realizados na técnica. Desses progressos resultou uma grande e profunda transformação econômica, sendo abaladas ou mesmo destruídas muitas idéias até pouco julgadas fundamentais e definitivas, a ponto de se sentirem verdadeiramente desorientados os melhores mestres na matéria. (Id., ibid., p. 339- 340) Na seção “Técnica e tecnocracia”, o autor afirma que à formação técnica conferida ao engenheiro, seria preciso acrescentar a imprescindível “cultura geral” sem cunho meramente utilitário, para que os governos possam contar com homens capazes de planejar pelo bem comum e de ter a visão de conjunto normalmente ausente neste profissional. Sem sacrificar a especialidade de sua formação, o engenheiro deveria abrir- se aos conhecimentos filosóficos, históricos e literários para não se “amesquinhar” no exercício de sua atividade. A hostilidade natural do meio à educação 131 desembaraçada da preocupação material de aplicação direta e de uma cultura desinteressada é prejudicial à própria sociedade.86 “Técnica e psicologia” desenvolve a idéia imediatamente relacionada ao item anterior de que a satisfação humana está para além das preocupações econômicas, mas corresponde também aos impulsos morais e espirituais, à necessidade do belo, do entretenimento, da criatividade. Finalmente, o penúltimo e último itens do artigo arrematam que técnica sem o concurso da ética deixa de ser uma bênção para tornar-se maldição, decretando a morte da cultura. Em vez funcionar como instrumento de libertação para o homem, a técnica seria a tirana que converge para a decadência moral e para a despersonalização da vida sociocultural ao apresentar como efeito imediato a contradição do agravamento geral da miséria junto com a exacerbação da riqueza nas mãos de poucos. Não é desejável, contudo, renunciar aos seus benefícios, e sim procurar solução equilibrada para o problema. É preciso evitar o fanatismo da produção e fugir dessa técnica que se exaure no industrialismo. A técnica só pode existir como fator do bem comum, em todas as ordens de manifestações humanas; não pode ser uma técnica mecanicista, mas uma técnica natural, orgânica, conducente à harmonia entre aquelas atividades... não se pode] escapar à técnica; ou encontramos a força necessária para dominá-la ou ela aniquilará a humanidade. (Id., ibid., p. 349) De autoria do padre Antônio de Almeida Morais Júnior (1904-1984), “A metapsíquica” empreende uma crítica ferrenha contra determinadas práticas em franco crescimento, dentro do espiritismo, que considera como pseudociência.87 Todas não passariam de antigas atividades supersticiosas (horóscopo, quiromancia, magia) e outras encobertas por nomes pomposos com que pretendem garantir sua legitimidade, como a 86 Insinua-se que tal hostilidade é devida à herança da influência do positivismo na formação dos engenheiros. 87 Ordenado padre em 1927, o autor foi elevado a arcebispo de Olinda e Recife em 1952, tendo participado de grupos de discussão constituídos por integrantes da administração pública federal e prelados brasileiros que sugeriam soluções para os problemas da região nordeste do país, dando origem à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) criada em 1959 no governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956- 1961). Seu presente artigo foi publicado em A Ordem, jul. 1939, v. XXII, p. 49-53. 132 cleptestesia ou o estudo sobre uma faculdade de conhecimento diferente das faculdades normais de conhecimento; telecnesia, estudo sobre a ação mecânica diferente das forças mecânicas conhecidas, que se exerce à distância, em circunstâncias determinadas, sobre objetos ou pessoas; ectoplasmia, estudo sobre a formação de objetos diversos, que parecem sair, às mais das vezes, do corpo humano e tomam a aparência de coisas reais, como roupas, pessoas etc. (A Ordem, jul. 1939, v. XXII, p. 53) Procurando invalidar completamente qualquer pretensão de cientificidade reivindicada pelos mentores do “ocultismo”, o texto define ciência como “conhecimento certo cuja razão própria e imediata é manifestada pela demonstração direta ou indireta”. Ao lado dos objetos que se limitam ao campo da ciência experimental e a investigação sobre a natureza, estariam as ciências filosóficas e teológicas, que com seus métodos singulares buscariam as verdades profundas do universo, da vida e da alma. Portanto, conclui-se que tudo o que desvia desses limites não mereceria anuência da razão. Dentro do debate sobre a psicologia, relacionada ao fenômeno religioso, frei Damião Berge (1895-1976) assina “A estrutura fundamental do sentimento religioso à luz da psicologia experimental – síntese histórica”. Primeiro, o texto menciona fontes filológicas que traduzem o termo religião como derivado de ‘reler’ e mais tarde, através do latim ‘religare’, no sentido de ‘religar’ os homens ao sobrenatural.88 Segue-se então a definição de religião a partir da teologia e da filosofia, que indicam a relação do ser humano com Deus pelo reconhecimento de sua própria contingência diante de todas as coisas e a conexão com algo que lhe é superior e misterioso. Mais recentemente, conforme continua o teto, os fenômenos religiosos começaram a ser alvo da etnologia, dos estudos comparativos das religiões e da sociologia, que se ocuparam especialmente de suas origens, dedicando-se ao conhecimento da relação que os povos mais primitivos tinham com os deuses. De acordo com o autor, todas essas pesquisas deixam de lado, porém, a consideração do fenômeno religioso como elemento vital experimentado pelo 88 A Ordem, fev. 1939, v. XXI, p. 125-150. 133 homem em todos os tempos e lugares, elemento este que produz efeitos psíquicos que passaram a chamar a atenção de especialistas interessados no assunto.89 A expressiva atração contemporânea pela psicologia do fenômeno religioso indica, conforme afirma o artigo, a superação dos preconceitos materialistas e positivistas do século XIX. Entretanto, a universalização deste conhecimento não se traduziu em nenhum consenso acerca do assunto, tamanhas as divergências interpretativas entre as escolas. Somente a reprodução planificada de um fenômeno, sua observação exata e pormenorizada poderia esclarecer dúvidas que permaneceram sem resposta nesse terreno. Assim, as pesquisas da psicologia empírica passaram a analisar o sentimento religioso de maneira descritiva, tal qual ocorre nas evidências encontradas num “exame de sangue”, verificando objetivamente a manifestação daquilo que é reconhecido pelo ‘eu’ em inúmeras experiências religiosas monitoradas em laboratório por meio de entrevistas com pacientes.90 Em síntese, o religioso franciscano sustenta que a psicologia oferece uma base sólida sobre a qual levantar a interpretação e a especulação metafísica. Há, entre esses resultados, verdades bastante animadoras: que o sentimento religioso é realizado dentro das faculdades mais elevadas e nobres do espírito humano; que é sempre ação; que é uma função intelectiva; que difere do que vulgarmente se entende por sentimento. Desde que a psicologia experimental, sendo, como é, uma ciência positiva, verificou e estabeleceu esses fatos básicos, sua missão está cumprida. Começa agora, para o investigador, o penoso trabalho da interpretação desses fatos. (A Ordem, fev. 1939, v. XXI, p. 148, grifos no texto) “O sonho e a memória” constitui outro artigo de Teobaldo Miranda Santos, desta vez sobre a análise da ação de fatores fisiológicos nas representações oníricas. Várias correntes psicológicas contemporâneas se dedicam a estudar os elementos fundamentais na gênese do sonho, chegando à conclusão, mais ou 89 Frei Damião lista várias referências bibliográficas ao longo do artigo, a maior parte de autores religiosos católicos e em língua alemã. 90 Alguns protocolos são parcialmente transcritos na revista. 134 menos consensual, de que a memória e a imaginação são preponderantes na formação de imagens durante o sono.91 De diferentes maneiras, todas apreciadas muito brevemente pelo professor, a psicanálise determina a contribuição das impressões recentes das experiências pessoais de véspera na arquitetura dos sonhos – mesmo quando referentes a acontecimentos de outras épocas da vida do sujeito –, indicando seu papel na psicologia individual. Neste sentido, conclui que As impressões orgânicas, quando conseguem impressionar o espírito do sonhador, nem sempre modificam o “enredo” do sonho em desenvolvimento. Quando não são repetidas e quando não são muito intensos, são interpretados, simbolicamente, de modo a se adaptarem, de qualquer maneira, ao “assunto” do sonho em ação. Quando o estado cenestésico é sereno e as sensações externas nulas, o sonho passa a ser constituído somente por um tecido de imagens fornecidas pela memória. A dinâmica associativa das representações confere, às vezes, ao drama do sonho, aspectos surpreendentes. Sem a atividade coordenadora da síntese mental da vigília, as imagens surgem na tela do sonho livres e imperiosas. É verdade que o espírito tem uma tendência a coordená-las em seqüências lógicas, mas isso nem sempre é conseguido. As imagens, então, em plena liberdade, se fundem, se combinam, se superpõem, em associações caprichosas, em variações caleidoscópicas, numa criação contínua de quadros fantásticos que fazem lembrar, às vezes, os desvarios plásticos de algumas pinturas supra-realistas ou as audaciosas realizações cênicas de certos filmes cinematográficos modernos. (A Ordem, out. 1938, p. 333-334) Outro tema colocado em questão nas páginas da revista A Ordem é o estudo dos tipos humanos e suas variações morfológicas, fisiológicas e psicológicas com o propósito de estabelecer uma classificação entre eles. Alvo de interesse desde a antiguidade, a biotipologia vai se tornando cada vez mais importante na primeira metade do século XX, e é objeto de extenso artigo assinado por Hamilton Nogueira na publicação do mês de setembro de 1938 em A Ordem.92 A intenção principal do autor é trazer à memória a contribuição de Alberto Magno (1193-1280), bispo dominicano, famoso por seu vasto conhecimento nos 91 A Ordem, jul. 1939, v. XXII, p. 12-37. 92 “Biotipologia medieval: doutrina dos temperamentos de santo Alberto Magno”, A Ordem, set. 1939, p. 235-252. 135 mais diferentes domínios – mecânica, zoologia, botânica, meteorologia, agricultura, física, química, tecelagem, navegação, mineralogia –, para a ciência e, em especial, para a biologia. O exemplo deste que é considerado mais um ‘doutor da Igreja’ pelo enaltecimento do cristianismo através de sua obra, é evocado também para defender o enorme legado da Idade Média para o saber, fato sistematicamente negado, de acordo com o texto, pela cultura moderna.93 Referindo-se brevemente à importância de Alberto Magno também por ser o pioneiro em aplicar a filosofia aristotélica no pensamento cristão, tendo exercido enorme influência teológica sobre o discípulo Tomás de Aquino (1395-1455), o artigo passa então a dar ênfase ao aspecto científico de seus estudos. Em primeiro lugar estaria o próprio arranjo classificatório das ciências em contemplativas e práticas. Depois, o imenso e definitivo interesse que consagrava à observação meticulosa antes da formulação teórica, fazendo com que fosse considerado por muitos estudiosos como legítimo elaborador do método experimental indutivo, séculos mais cedo que o ensaísta, filósofo e estadista inglês Francis Bacon (1561- 1626).94 Em terceiro lugar, estariam as pesquisas inovadoras nas áreas de botânica e zoologia que causaram impacto nas obras posteriores de naturalistas como Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708), Carl Lineu (1707-1778), George-Louis Leclerc Buffon (1707-1788), Georges Cuvier (1769-1832), e Friedrich Heinrich Alexander von Humboldt (1769-1859).95 No que diz respeito à contribuição de Alberto Magno para a psicologia, mais exclusivamente para a caracteriologia de que o título do artigo faz referência, o texto revela que esta depende de observações diretas da anatomia e da fisiologia (esqueleto, músculos, nervos)96, seguidas das relações entre corpo e alma a partir 93 Menciona-se o caso de Gregor Johann Mendel (1822-1884), monge agostiniano de origem austríaca como típico do sectarismo anti-religioso, pois não obstante ele ter formulado as leis de transmissão dos caracteres hereditários, permaneceu desconhecido por mais de trinta anos. Cf. A Ordem, set. 1939, p. 235. 94 Um dos estudiosos referenciados na bibliografia do artigo é Félix Archimède Pouchet (1800-1872), biólogo francês defensor da teoria da geração espontânea e autor de Histoire des sciences naturelles au moyen âge (Albert le Grand), Paris, s.n., 1853. 95 Hamilton Nogueira cita esta lista a partir de um livro recém-lançado à época: Carlos Morales Macedo, Biología fundamental, Barcelona, s.n., 1936. 96 Por isso a psicologia é inserida no rol da física, considerada parte das ciências naturais para os filósofos medievais. Cf. a Ordem, Op. cit., p. 239. 136 da fisionomia, que completam as diferenças individuais derivadas da constituição íntima de cada indivíduo. Não sendo o homem um puro espírito, mas possuindo também um corpo que faz parte da sua essência, Alberto considera-o na totalidade da sua constituição. Ele reconhece que, pela sua natureza espiritual, merece a alma ser estudada numa ciência à parte, mas as suas manifestações através da matéria corporal não são compreensíveis depois do estudo detalhado do corpo humano e das relações entre o corpo e o espírito. (A Ordem, set. 1939, p. 244) Para o colaborador a revista A Ordem, a doutrina caracteriológica do sábio católico é semelhante às teorias mais modernas, conforme demonstra o seguinte quadro comparativo dos conceitos desenvolvidos pelo médico italiano Nicola Pende (1800-1870), criador da biotipologia.97 97 Adepto das idéias fascistas, o livro mais famoso de Pende, La scienza moderna de la persona umana: biologia-psicologia-tipologia normale e patologia applicazione mediche, pedagogiche e sociologiche, foi lançado em Milão no ano de 1947. Disponível no acervo da biblioteca da Fundação Casa de Rui Barbosa. 137 Figura 5 - QUADRO “TEMPERAMENTO E CARÁTER SEGUNDO SANTO ALBERTO MAGNO E PENDE” ALBERTO MAGNO PENDE Temperamento colérico Temperamento hipertireoidiano a) Fisionomia - os coléricos são longos e gráceis. b) Caráter - são ágeis, muito leves e instáveis. a) Fisionomia - longitipia constante... magreza habitual. b) Caráter - domina sobretudo grande irritabilidade psíquica, inquietação cerebral, instabilidade de todo processo psíquico. Temperamento melancólico Temperamento hiposuprarenálico a) Fisionomia - os melancólicos são ternos, pequenos e escuros. b) Caráter - têm pensamentos graves e quase imóveis. Suas formas de compreensão são obscuras porque não acham em si divertimento algum. Também têm má suspeita dos outros. Suicidam-se. Não amam nem são amados. Procuram estar sós. Sofrem muito de insônia. a) Fisionomia - hábito microsplânico longilíneo com tronco hipoplástico. Ossos tubulares delicados, magreza e caquexia habituais. Pele hipotrófica com aumento de pigmento. b) Caráter - depressão grave de toda energia mental, grave exauribilidade de todos os processos intelectivos, grande abulia, melancolia, tristeza invencível, falta de confiança, de coragem e de esperança. Insônia. Temperamento fleumático Temperamento hipotireoidiano a) Fisionomia - são pequenos e gordos. São alvos, sem rubores, muito pálidos... Têm a pele espessa... têm veias pequenas e são incapazes de aquecer o seu sangue. b) Caráter - são preguiçosos, sonolentos e moles, de beleza feminina e de quase nenhuma memória. Muito sonolentos, tímidos... e o gênio e a memória deles são maus. a) Fisionomia - hábito brevilínio, atarracado, de estatura inferior à média. Tendência à adiposidade generalizada. Pele espessa, pobre de pigmento, de coloração pálida (amarelada, suja). Reação vasomotora lenta, acrocianose, tendência ao resfriamento das extremidades. Sensação exagerada de frio, extremidade muito fria e cianótica. b) Caráter - apatia e lentidão de todo processo psíquico. Inteligência quase nunca completamente desenvolvida ou elevada, freqüentemente inferior à média. Fácil esgotamento muscular e psíquico. Grande necessidade de sono. Temperamento sanguíneo Temperamento hipersuprarenálico a) Fisionomia - os sanguíneos são de boa carne e de forma exterior perfeita. b) Caráter - são de compleição agradabilíssima, não tristes nas vicissitudes, sempre de boa esperança, de gênio exterior e costumes bons. a) Fisionomia - hábito apoplético com hiperdesenvolvimento e hipertonia muscular. b) Caráter - grande energia moral e intelectual. Euforia. Fonte: A Ordem, set. 1938, p. 246-248. 138 O texto encerra chamando a atenção para o fato de que a assim denominada biotipologia medieval compreende a extensão dos conhecimentos presentes desde a filosofia grega de Aristóteles (384-322 a.C.) e a medicina árabe de Avicena (980-1037), prolongando a noção de humores a de hormônios na endocrinologia atual e, através desta mesma noção acerca da compleição do corpo, traçando as disposições psicoafetivas (psicopatias) de cada pessoa. O termo ‘biotipologia’ vai reaparecer uma vez mais na seção de livros das páginas de A Ordem em setembro de 1941.98 Trata-se de uma nota à então recém- lançada obra de Everardo Backheuser (1879-1951), Ensaio de biotipologia educacional, Porto Alegre, Globo, 1941, v. 1 da coleção “Vida e Educação”. Backheuser era engenheiro, geógrafo e professor em todos os níveis de várias instituições de ensino importantes no Rio de Janeiro, como o Colégio Pedro II, a Escola Politécnica e a Universidade Federal Fluminense, além de importante militante católico, especialmente na área de educação.99 O pequeno trecho elogioso não traz muitas informações sobre o livro a não ser que o mesmo consiste num estudo para facilitar o conhecimento da personalidade, da totalidade psicofísica dos estudantes através da biotipologia proposta por Pende, criando condições mais favoráveis ao desenvolvimento do próprio processo educativo. Também é de Teobaldo Miranda Santos o último artigo cuja temática incide na questão da ciência no período de análise proposto no presente trabalho. Em “Será a pedagogia uma ciência?”, o autor introduz sua especulação acerca da cientificidade da pedagogia defendendo, antes de mais nada, o caráter filosófico de todas as disciplinas, a dependência geral da matriz de todo conhecimento empírico ou especulativo, a partir da filosofia.100 A seguir, o texto menciona estudiosos que refutam a pedagogia como ciência, tomando-a como teoria e prática que não investiga cientificamente os fatos educativos, porém se inspira em tais acontecimentos para oferecer aos educadores 98 Cf. v. XXVI, n. 9, p. 82-83. 99 Ver Maria de Lourdes A. Fávero & Jader de M. Britto, Dicionário de educadores no Brasil, Rio de Janeiro, UFRJ, 1999, p. 175-181. 100 A Ordem, fev. 1942, v. XXVII, n. 2, p. 43-48. 139 uma visão normativa e orientadora do exercício da profissão, a partir da contribuição de outras ciências como a biologia, a psicologia e a sociologia. O ponto de vista defendido pelo professor é o de que, apesar de se valer de dados de outras ciências experimentais, a pedagogia é uma ciência da formação humana. Não constitui um setor das ciências naturais, mas sim do espírito, bastante próxima da ética e com autonomia e objetivos exclusivos. Assim, a natureza científica da pedagogia não pode ser posta em dúvida, pois ela tem um objeto formal próprio que é a formação do homem... todos os problemas relacionados à educação pertencem à sua órbita. Esses problemas são múltiplos e variados: os fins, os meios, os valores, os objetos, os agentes da educação. Tudo isso faz parte do âmbito da pedagogia. Daí o erro dos que limitam, arbitrariamente, esse âmbito, reduzindo a pedagogia a um dos seus aspectos parciais. (A Ordem, fev. 1942, v. XXVII, n. 2, p. 47) No apanhado geral de matérias acerca da relação entre fé e razão ou ciência e religião constantes na revista A Ordem entre 1921 e 1942, é possível se deparar com temas que se repetem ao longo do tempo, mas cuja abordagem nem sempre é a mesma, revelando que seus articulistas não escrevem em uníssono. Para ficar num só exemplo, pode-se retomar a contribuição dos professores Lúcio dos Santos e Padberg-Drenkpol que, destoando algumas mensagens divulgadas no periódico sobre proeminência da faculdade intelectiva da fé em relação à razão, procuram, em seus respectivos textos, colocar ambas em pé de igualdade, como é a posição contemporânea da Igreja Católica, resumida de forma muito breve nas considerações finais a seguir. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em setembro de 1998, João Paulo II, 264º papa da história da Igreja entre 1978-2005, lançou a penúltima encíclica de seu longo pontificado, intitulada Fides et Ratio, cuja intenção primordial era propor um diálogo com todos os intelectuais interessados na fé para que as conquistas da razão fossem cada vez mais incorporadas ao acervo do pensamento cristão. A tradição católica sempre procurou cultivar a busca de respostas acerca das verdades fundamentais da vida humana e o documento defende a necessidade de uma filosofia que promova a capacidade especulativa de tocar a metafísica através da inteligência, criticando as ideologias que desacreditam o conhecimento pleno da verdade. Longe de serem instâncias contraditórias, razão e fé deveriam estar em convergência, para não correrem o risco de se empobrecerem mutuamente: a fé privada da razão colocaria em evidência o sentimento e a experiência, deixando de ser uma proposta universal; a razão sem o recurso da fé não seria estimulada a voltar o olhar sobre a profundidade do ser. Na verdade, é difícil falar em abstrato sobre ciência e religião – como desdobramento dessa discussão filosófica entre fé e razão –, restringindo-se à ciência contemporânea, de matriz ocidental, e ao cristianismo. Para além do fato de que ambas podem ser consideradas do ponto de vista epistemológico, enquanto modos de acesso ao conhecimento, existe a possibilidade de encará-las no nível afetivo (subjetivo), que costuma se opor ao conhecimento, tanto no sentido de aderir ao que questiona, como no de rejeitar o que propõe. A proposição deste trabalho de recuperar entre as categorias mais significativas do discurso de ‘dentro’ da revista A Ordem, aquilo que o pensamento católico laico dos anos 1920-1940 projeta como fundamental no processo de promoção da doutrina da Igreja na sociedade através da reconquista da inteligência 141 brasileira no intercâmbio entre fé e razão, por certo também faz parte desse antigo esforço de apreensão do que se infere da diferença básica entre ciência e religião e que reside em seu respectivo objeto: uma realidade empírica de caráter objetivo e outra não empírica de caráter intersubjetivo. Alguns eixos temáticos da “Ciência na perspectiva vitalista”, título do capítulo derradeiro do presente trabalho, indicam de que modo se procurou dar conta de tal empreitada, considerando a noção de que periódicos constituem espaços privilegiados para circunscrever as idéias-força na história de determinados grupos e movimentos, como se quer evidenciar no caso em pauta do apostolado leigo católico. O grande destaque do debate científico na revista A Ordem parece ser a abordagem relativa à teoria que busca produzir uma seleção das coletividades humanas baseadas em leis genéticas. De fato, os vitalistas propõem a retradução do discurso eugênico tão em voga à época a partir de uma leitura na chave que enfatiza a ‘saúde moral’ da população e não através do conceito de raça, que reputa como meramente biológico. Nesse sentido, alerta o público leitor acerca da necessidade de se construir as bases de uma “eugenia cristã” através da profilaxia do espírito, garantida pelos mandamentos da lei divina contida na Bíblia e disseminados pela fé da Igreja romana. Daí também o empenho dos intelectuais católicos pela educação moral e religiosa em todos os níveis de ensino, em especial o superior, dirigido à formação das elites dirigentes responsáveis pelo futuro do país e cujo comportamento serviria de exemplo às demais camadas da população. Como desdobramento das discussões sobre a aprovação de leis eugênicas em diversos países, os colaboradores de revista A Ordem rezam a mesma cartilha da encíclica Casti Connubii que Pio XI lança em 1931, com textos em franca oposição às práticas de aborto, de controle de natalidade e de todas as formas de intervenção do Estado em relação à “santidade” do matrimônio – como a aprovação do divórcio pela legislação civil –, reivindicando o primado da Igreja no terreno da moral. À exceção desse tipo de prolongamento da questão eugênica já mencionada, os vitalistas pelo menos parecem estar de acordo com a repercussão negativa que teve o problema dos fluxos migratórios de caráter restritivo à circulação de certos grupos étnicos considerados pouco adaptáveis às necessidades do país, 142 colocando-se frontalmente contra o elemento semita como coletividade “parasitária” das metrópoles e, portanto, infensa ao trabalho braçal nas lavouras. Outras controvérsias acerca da abrangente relação entre fé e razão nos seus cruzamentos com a cultura católica, dentro do recorte cronológico da tese, dizem respeito à variada gama de temas derivada das teorias cientificistas em efervescência no período da Primeira República (1889-1930), como o positivismo, o evolucionismo, o espiritismo kardecista etc., que para os vitalistas indicava muito mais a crença no ‘Deus do progresso’ do que no Deus cristão. Embora muitos dos assuntos abordados nos artigos da revista A Ordem estejam situados nos anos da primeira metade do século XX tanto no plano científico quanto no plano político e religioso, tensões nos posicionamentos adotados pela cúria romana e pelo episcopado brasileiro ocorreram ao longo de toda história da Igreja, que jamais foi uma instituição monolítica. Tendo em vista algumas das ramificações nos desdobramentos das atividades do movimento católico leigo nascido na década de 1920, quando muito se pode até falar de um ideário conservador homogêneo, observa-se práticas que adquiriram as matizes mais diversas, obtendo resultados inesperados e diametralmente opostos aos projetos originalmente traçados. Aliás, alguns estudos apontam no sentido da existência e persistência inevitável de divisões no interior de grandes e complexas burocracias, como no caso das Forças Armadas e da Igreja – esta, talvez, ainda mais que a primeira, dada a sua natureza transnacional. Não seria esse o caso, por exemplo, da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Juventude Operária Católica (JOC), ambas herdeiras da Ação Católica Brasileira de 1935, que acabaram se tornando instâncias questionadoras da realidade extremamente desigual do país, ganhando mais tarde o rótulo de ‘progressistas’? Se a elite católica que se reuniu em torno do propósito de estabelecer uma espécie de ‘consciência de nação’ a fim de atuar como porta-voz de seus anseios, cristianizando a cultura e redimensionando as relações humanas a partir do imaginário social, de ações cotidianas concretas na vida pública e do ‘saneamento’ das consciências pela via da educação e da imprensa certamente logrou muitos êxitos, é certo que o curso de alguns acontecimentos posteriores não agradou parte da hierarquia eclesiástica dita ‘reacionária’. 143 De qualquer forma, não há como negar a linha sucessória entre o Centro Dom Vital – por muito tempo instituição símbolo de grande prestígio e respeitabilidade social – e as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) que se dissiparam no Brasil principalmente nos anos 1960 e 1980 entre os membros das classes populares vinculados a uma ou mais paróquias vizinhas. Através do método “ver-julgar-agir”, as CEBs buscam olhar a realidade em que vivem (“ver”), julgá-la com os olhos da fé (“julgar”) e encontrar caminhos de ação impulsionados por este mesmo juízo (“agir”). Durante a luta contra a ditatura militar (1964-1985) deram uma grande contribuição à redemocratização do país, promovendo ações nos meios operários e do campesinato, em associações de moradores e desenvolvendo outras iniciativas que fortaleceram o movimento social como um todo no âmbito de uma Igreja que se debatia com a “teologia da libertação” e sua “opção preferencial pelos pobres”. Ecos dos questionamentos outrora presentes entre os representantes da Igreja Católica nas mais diferentes jurisdições da sociedade organizada – nos grupos de pressão nos parlamentos, nas associações religiosas, na congregação dos bispos –, persistem no imbricado jogo de relações entre a ordem temporal (razão) e a ordem sagrada (fé), como duas asas voando em direção à descoberta da verdade, conforme os termos com que João Paulo II intitulou sua encíclica... FONTES E BIBLIOGRAFIA 1 FONTE PRIMÁRIA 1.1 Centro Dom Vital, Mosteiro de São Bento (Rio de Janeiro) A ORDEM (Revista). Rio de Janeiro: Órgão do Centro Dom Vital (CDV), ano I, n. 1, ago. 1921. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 2, set. 1921. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 3, out. 1921. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 4, nov. 1921. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 5, dez. 1921. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 6, jan. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 7, fev. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 8, mar. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 9, abr. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 10, maio. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 11, jun. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 12, jul. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano I, n. 1, ago. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano II, n. 2, set. 1922. 145 __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano II, n. 3, out. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano II, n. 4-5, nov.-dez. 1922. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano II, n. 6-8, jan.-mar. 1923. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano II, n. 9-11, abr.-jun. 1923. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano II, n. 12, jul. 1923. 1 Biblioteca Rodolfo Garcia, Academia Brasileira de Letras A ORDEM (Revista). Rio de Janeiro: Órgão do Centro Dom Vital (CDV), ano V, n. 49, jan. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano V, n. 50, abr. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano V, n. 51, jul. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano V, n. 52, out. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano VI, n. 54, abr.-jun. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano VI, n. 55, jul.-set. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano VI, n. 55, jul.-set. 1926. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano VIII, n. esp., mar. 1928. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano VIII, n. 1, dez. 1928. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano VIII, n. 2, jun. 1929. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano IX, n. 3, set. 1929. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano IX, n. 4, dez. 1929. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, n. 5, fev. 1930. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, n. 6, abr. 1930. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, n. 7, jun. 1930. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, n. 8, ago. 1930. 146 __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, n. 9, out. 1930. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, v. XIV, n. 11, jan. 1931. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano X, n. 12, fev. 1931. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 17, jul. 1931. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 19, set. 1931. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 20, out. 1931. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 22, dez. 1931. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, v. VI, n. 23, jan. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 24, fev. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 25, mar. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 26, abr. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 27, maio 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 28, jun. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, v. VII, n. 29, jul. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 30, ago. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 31, set. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 32, out. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XII, n. 34, dez. 1932. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 35, jan. 1933. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 36, fev. 1933. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 39-40, maio-jun. 1933. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 41-42, jul.-ago. 1933. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIII, n. 43-44, set.-out. 1933. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XI, n. 47, jan. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XI, n. 49, mar. 1934. 147 __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XI, n. 50, abr. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XI, n. 51, maio 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XI, n. 52, jun. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XII, n. 53, jul. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XII, n. 55, set. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XII, n. 57, nov. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XII, n. 58, dez. 1934. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 59, jan. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 60, fev. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 61, mar. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 63, maio 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 64, jun. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIV, n. 65, jul. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, n. 66, ago. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, n. 67, set. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, n. 69, nov. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, n. 70, dez. 1935. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVI, v. XV, jan. 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, n. 72, fev. 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, n. 73, mar. 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, abr.-maio, 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XVI, jun. 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XVI, jul.-ago. 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XVI, set.-out. 1936. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XVI, nov.-dez. 1936. 148 __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, fev. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, mar. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, abr. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, maio 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, jul. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, set. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, out. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, nov. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVII, v. XVIII, dez. 1937. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XIX, jan. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XIX, fev. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XIX, mar. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XIX, abr. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XIX, maio 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XIX, jun. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XX, jul. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XX, ago. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XX, set. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XX, out. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XX, nov. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XVIII, v. XX, dez. 1938. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXI, jan. 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXI, fev. 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXI, mar. 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXI, abr. 1939. 149 __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXI, maio 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXI, jun. 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXII, jul. 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIX, v. XXII, ago. 1939. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XX, v. XIV, ago. 1940. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XX, v. XXIV, n. 9, set. 1940. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XX, v. XXIV, n. 10, nov. 1940. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XX, v. XXIV, n. 11, dez. 1940. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXV, n. 6, jun. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXVI, n. 7, jul. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXVI, n. 8, ago. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXVI, n. 9, set. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXVI, n. 10, out. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXVI, n. 11, nov. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXI, v. XXVI, n. 12, dez. 1941. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXII, v. XXVII, n. 1, jan. 1942. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXII, v. XXVII, n. 2, fev. 1942. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXII, v. XXVII, n. 3, mar. 1942. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXII, v. XXVII, n. 4, abr. 1942. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXII, v. XXVIII, n. 11-12, nov.-dez. 1942. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXIII, v. XXX, n. 7, jul. 1943. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXIV, n. 6, jun. 1944. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXIV, v. XXXII, n. 11-12, nov.-dez. 1944. 150 __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXVI, v. XXXV, n. 5-6, maio-jun. 1946. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XXVI, v. XXXVI, n. 7, jul. 1946. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XXXVII, n. 5, maio 1947. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XLI, n. 4, abr. 1949. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XLII, n. 4, out. 1949. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XLVIII, n. 5, nov. 1952. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XLVIII, n. 6, dez. 1952. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XLIX, n. 1, jan. 1953. __________. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, v. XLIX, n. 2-3, fev.-mar. 1953. __________. 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[Texto referente ao primeiro estatuto do Centro.]1 Presidente: Jackson de Figueiredo Vice-presidente: Hamilton Nogueira Secretário: Perillo Gomes Tesoureiro: José Vicente de Sousa Bibliotecário: Vilhena Moraes Art. 1º – O “Centro Dom Vital” é uma associação civil com sede na capital da República e tem por fim cooperar com o movimento social católico no Brasil, realizando o seguinte programa: § 1º – Fundação de uma biblioteca dotada de um serviço de informações bibliográficas. § 2º – Propagar a leitura de obras católicas, promovendo, do modo que a sua diretoria achar mais conveniente, a edição de uma coleção de livros de todos os gêneros julgados úteis à religião e ao Brasil, e de uma revista que será órgão oficial da associação. Art. 2º - O “Centro” compreende quatro classes de sócios: efetivos, em um número limitado de 12, únicos deliberantes e elegíveis para os cargos da diretoria, assim como para os que por esta forem criados segundo as necessidades do “Centro”, obrigados a uma mensalidade nunca inferior a 10$000 [dez mil réis]; cooperadores, em número ilimitado, obrigados a uma contribuição de 2$000 [dois mil réis] mensais ou 20$000 [vinte mil réis] por ano, pagos de uma só vez; honorários, as pessoas estranhas que por seus serviços à causa católica mereçam esta distinção; protetores, as pessoas que venham prestar ao “Centro” serviços de extraordinária relevância ou que concorrerem com a mensalidade de 30$000 1 As notas a seguir não fazem parte dos textos originais retirados de A Ordem, mas foram elaboradas a fim de esclarecer um ou outro ponto dos mesmos. Infelizmente, não foi possível encontrar referências sobre todos os nomes, instituições ou fatos citados. Todos os grifos (itálicos) são da revista. 178 [trinta mil réis] ou fizerem um donativo ao “Centro”, não inferior a 1:000$000 [um conto de réis]. Art. 3º – A admissão dos sócios de qualquer classe cabe à diretoria, por maioria de votos, tornando-se preciso: a) para a dos efetivos, proposta de qualquer membro da diretoria; b) para a dos cooperadores, apresentação por um sócio; c) para a dos honorários ou protetores, proposta do presidente. § 1º – Só poderá ser sócio efetivo quem for católico praticante e residir na capital da República. 179 “Estatutos do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro”. A Ordem. Rio de Janeiro: Órgão do Centro Dom Vital (CDV), ano X, v. XIV, n. 11, jan. 1931, p. 53-58. [Texto referente ao segundo estatuto do Centro, dentro do período de abrangência da pesquisa.] Publicamos em seguida os novos estatutos do Centro Dom Vital já aprovados pelas autoridades eclesiásticas competentes e que passam de agora a reger o Centro do Rio de Janeiro. Art. 1º – O “Centro Dom Vital” do Rio de Janeiro é uma associação civil com sede na Capital Federal e com a finalidade expressa nestes estatutos. Fins Art. 2º – O “Centro Dom Vital” do Rio de Janeiro tem por fim desenvolver, por todos os meios intelectuais legítimos, a cultura católica superior entre nós, realizando o seguinte programa: § 1º – Organização de cursos de teologia, filosofia, ciência, história da Igreja etc., que sejam o núcleo da nossa futura universidade católica. § 2º – Fundação de uma biblioteca dotada de um serviço de informações bibliográficas em sede social adequada e propagação da leitura de obras católicas. § 3º – Publicação de livros de todos os gêneros julgados úteis à religião e ao Brasil, em uma ou várias coleções especiais, e de uma revista que será o órgão oficial da associação. § 4º – Promoção de reuniões periódicas entre o Centro e associações congêneres nos vários países da América, com o fito de promover uma crescente aproximação católica interamericana. Sócios Art. 3º – O Centro compreende três classes de sócios: a) efetivos, até o número de 20, únicos deliberantes e elegíveis para os cargos da diretoria, assim como para os que por esta forem criados segundo 180 as necessidades do Centro, obrigados além da contribuição mensal de 10$000 (dez mil réis) a responsabilizar-se pelas despesas que excederem da arrecadação; b) assistentes, em número ilimitado, obrigados ou não a uma contribuição mensal de 10$000 (dez mil réis), a juízo da diretoria; c) protetores, com os mesmos direitos dos “efetivos”, as pessoas que venham a prestar ao Centro serviços de extraordinária relevância ou concorrerem com a mensalidade de 50$000 (cinqüenta mil réis) ou fizerem ao Centro donativos de soma não inferior a 1:000$000 (um conto de réis). Art. 4º – A admissão dos sócios de qualquer classe cabe à diretoria, por maioria de votos, tornando-se necessário: a) para a dos efetivos, proposta de qualquer membro da diretoria; b) para a dos assistentes, apresentação por um sócio; c) para a dos protetores, proposta do presidente. Art. 5º – Só poderá ser sócio efetivo quem se comprometer: a) a uma vida eucarística freqüente e ativa; b) a uma submissão completa à ortodoxia da Igreja Católica; c) a uma adesão total às determinações e conselhos da Santa Sé; d) à subordinação consciente à autoridade diocesana; e) a renunciar a qualquer atividade política ou social que, de qualquer modo, contravenha às condições acima enumeradas ou prejudique à finalidade do Centro, a juízo da diretoria e do assistente eclesiástico. Art. 6º – Os membros da Ação Universitária Católica (AUC) que se formarem poderão ser sócios do Centro sem necessidade de qualquer outra formalidade desde que se submetam às disposições destes estatutos. Art. 7º – A perda do caráter de sócio efetivo e contribuinte só se pode dar pela renúncia, falta de pagamento de contribuição por mais de seis meses ou unânime deliberação da diretoria. Da diretoria Art. 8º – A diretoria do Centro consta de: a) um presidente; b) um vice-presidente; 181 c) um secretário-geral; d) um tesoureiro; e) um bibliotecário. Art. 9º – O presidente será escolhido pela autoridade diocesana e o seu mandato será vitalício. Parágrafo único – O presidente só poderá ser destituído por deliberação unânime da diretoria e aprovação expressa da autoridade diocesana. Art. 10º – Os demais cargos da diretoria serão preenchidos por eleição da Assembléia Geral Ordinária, constituída na forma do art. 11, e só poderão ser eleitos para eles os sócios efetivos. § 1º – O mandato dos membros da diretoria será de cinco anos. § 2º – Em caso de vaga em qualquer dos cargos da diretoria, designará o presidente um substituto até a primeira Assembléia Geral Ordinária ou Assembléia Parcial Extraordinária que elegerá o novo membro pelo prazo do mandato a expirar. § 3º – Nos casos de substituição na diretoria, o presidente pode vetar a eleição de qualquer dos sócios efetivos, salvo quando se verificar unanimidade da votação dos sócios presentes à Assembléia Geral. § 4º – Qualquer membro da diretoria poderá ser destituído do seu cargo pela maioria de uma Assembléia Geral convocada especialmente para este fim, atendendo-se ao voto de qualidade, sendo que valerá 3 (três) o do presidente 2 (dois) o de cada membro da diretoria e 1 (um) o de cada sócio presente. Assembléias Art. 11 – A Assembléia Geral Ordinária é composta de sócios presentes efetivos ou assistentes, devendo reunir-se ordinariamente uma vez ao ano, por convocação do presidente, no mês de junho, para tomar conhecimento dos atos da administração ou para eleição dos membros da diretoria. Art. 12 – A Assembléia Geral Extraordinária é composta de todos os sócios presentes ou ausentes, representados por procuração, podendo reunir-se em qualquer época sempre que o entender o presidente, ouvida a diretoria. Art. 13 – O número legal de sócios para funcionamento das assembléias é, na primeira convocação, 3/4 (três quartos) do número existente de sócios, funcionando com qualquer número na segunda. 182 Art. 14 – Ao presidente cabe a administração geral do Centro, dentro das normas destes estatutos, bem como a representação jurídica do mesmo, ativa e passivamente, e em suas relações com terceiros, por si ou por procurador por ele constituído. Funções Art. 15 – Ao vice-presidente cabe colaborar com o presidente em suas funções e substituí-lo em seus impedimentos. Art. 16 – Ao secretário cabe os trabalhos de redação de atas, correspondência, arquivo etc., substituindo o vice-presidente. Art. 17 – Ao tesoureiro cabe a arrecadação e administração geral da vida financeira do Centro. Art. 18 – Ao bibliotecário cabe a organização da biblioteca, confecção do catálogo e das fichas, informações bibliográficas, conservação e aquisição de volumes etc. Assistente Art. 19 – O assistente eclesiástico será designado pela autoridade diocesana. Art. 20 – Ao assistente eclesiástico compete: a) acompanhar todos os trabalhos do Centro, zelando por sua ortodoxia e finalidade religiosa; b) fazer a censura prévia de todas as publicações do Centro, inclusive da revista; c) vetar as deliberações da diretoria ou da assembléia que se opuserem às doutrinas ou instruções das autoridades eclesiásticas ou à finalidade do Centro. Desse veto caberá recurso, pelos interessados, à autoridade diocesana. Administração Art. 21 – A diretoria se reunirá uma vez por mês a fim de tomar conhecimento dos trabalhos do Centro. 183 Art. 22 – O presidente distribuirá os sócios, efetivos e assistentes por quatro comissões de estudo que tomarão as seguintes denominações: a) comissão de teologia e liturgia; b) comissão de apologética e história; c) comissão de filosofia e ciência; d) comissão de sociologia e línguas. Art. 23 – A direção da revista do Centro, “A Ordem”, cabe ao presidente e a outro redator por ele convidado, sob a orientação do assistente eclesiástico. Parágrafo único – A revista terá sua economia própria, cabendo ao Centro sustentá-la em caso de insuficiência do seu orçamento. No caso contrário, os saldos do orçamento da revista serão aplicados nas publicações do Centro. Funcionamento Art. 24 – O Centro Dom Vital do Rio de Janeiro se reúne todas as sextas- feiras, começando a reunião por uma série de orações em comum, segundo a ordem estipulada em publicação especial. Art. 25 – Depois das orações haverá uma reunião de estudos que constará geralmente de uma conferência pelo presidente ou a pessoa por ele designada e debate em torno de problemas nela tratados. Art. 26 – As quatro comissões de estudo organizadas de acordo com o art. 22 serão constituías pelo número de sócios em que cada uma delas se inscrever. § 1º – Todos os sócios se inscreverão numa dessas quatro comissões, comprometendo-se a especializar-se em estudos referentes à matéria respectiva. § 2º – O presidente do Centro designará um presidente para cada uma dessas respectivas comissões, que se responsabilizará pelos seus trabalhos. § 3º – Cada comissão se dedicará ao estudo dos assuntos indicados pelo seu título genérico e organizará reuniões entre os seus membros a juízo do respectivo presidente. § 4º – Cada sócio efetivo se compromete a escrever pelo menos um trabalho por ano dentro do tema da comissão em que se inscrever. § 5º – Esses trabalhos, a juízo do presidente e do assistente eclesiástico, poderão ser publicados em “A Ordem” a juízo de seus diretores e reunidos em 184 volume no fim de cada ano sob a denominação comum de “Anais do Centro Dom Vital”. Art. 27 – Independente dos trabalhos normais pelos sócios do Centro, serão designados cada ano, sob o patrocínio deste, cursos ou conferências por pessoas de comprovada competência, sobre temas de interesse doutrinário para a finalidade da associação. Do patrimônio Art. 28 – Os bens do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro constam dos móveis e estantes existentes em sua sede e de bens e valores que já possua ou venha a possuir, devidamente discriminados em suas atas. Parágrafo único – No caso de vir a dissolver-se o Centro Dom Vital do Rio de Janeiro, antes de ter sido possível à Assembléia Geral deliberar sobre o destino dos seus bens, passarão os então existentes em plena propriedade para a Mitra do Arcebispado de S. Sebastião do Rio de Janeiro, para serem aplicados na fundação ou manutenção de sociedade congênere. Disposições transitórias Art. 29 – O Centro Dom Vital do Rio de Janeiro procurará difundir a sua ação por todo o Brasil, promovendo a fundação de núcleos do mesmo gênero, sob a mesma denominação em todos os estados, com plena autonomia de ação, mas dentro das normas do artigo seguinte. Art. 30 – Cada uma dessas sedes organizará o Centro com plena autonomia e personalidade jurídica, acrescentando ao título a designação da cidade em que for instalado e subordinando-se as seguintes condições: a) que seus estatutos e atos sejam aprovados pela autoridade diocesana local; b) que seja, por esta, designado um assistente eclesiástico para acompanhar os trabalhos da associação; c) que tais estatutos não contravenham às disposições fundamentais destes, especialmente quanto à finalidade do Centro; 185 d) que cada sede aceite as disposições dos estatutos da “Confederação Vitalista” a ser organizada entre as várias sedes do Centro Dom Vital. Art. 31 – Será promovida, em tempo oportuno, a “Confederação Vitalista”, que será a reunião de todos os Centros em um feixe comum, de acordo com um regimento que será oportunamente aprovado por entendimento das várias diretorias locais.2 Disposições gerais Art. 32 – O Centro Dom Vital do Rio de Janeiro reserva o nome de sócio benemérito exclusivamente ao seu fundador, Jackson de Figueiredo, em memória dos inestimáveis serviços por ele prestados ao Centro. Art. 33 – Nos casos omissos nestes estatutos, decidirá a diretoria; nos urgentes, o presidente. Art. 34 – A reforma dos estatutos depende de deliberação de uma Assembléia Geral Extraordinária convocada para este fim, com a presença de 2/3 (dois terços) dos sócios efetivos e aprovação da Assembléia Geral Ordinária seguinte. Art. 35 – O Centro entende submeter-se a todas as determinações do direito canônico, às leis eclesiásticas, tendo por nulo e de nenhum efeito todo e qualquer ato tentado em contrário. Art. 36 – Ficam revogadas todas as disposições de estatutos anteriores a estes. Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1930. Pelo Centro Dom Vital do Rio de Janeiro – Alceu Amoroso Lima, presidente. Nihil obstat.3 Padre Leonel Franca, SJ4. 2 Não se tem notícia da efetiva criação de uma organização com este nome. 3 Permissão para publicar um livro, outorgada por censor oficial da Igreja Católica que o examinou e se certificou de que nada continha contrário à fé ou à moral. 4 Abreviação que designa a Companhia de Jesus – Societas Iesu, em latim – cujos membros são conhecidos como jesuítas. Fundada em 1534 pelo basco Inácio de Loyola (1491-1556), foi reconhecida pela Igreja em 1540. 186 ATHAYDE, Tristão de. “CCB [Coligação Católica Brasileira] 1934”. A Ordem. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XIV, v. XII, n. 57, nov. 1934, p. 321-338. Traz para nós, anualmente, o mês de novembro, uma evocação mais viva do nosso Jackson. Foi a 4 desse mês que, há 6 anos, desaparecia da terra o nosso grande fundador. E desde então, fielmente, reunimos cada ano os seus amigos e discípulos, em torno de seu túmulo e da sua memória, para aproximarmos as nossas saudades e balancearmos a nossa atuação. Porque, como dizíamos logo após a morte do nosso grande chefe, não paramos para quedar saudosos em meio do caminho. Julgamos que o melhor meio de honrar a sua memória é considerá-lo sempre vivo entre nós. E prosseguir fortemente na tarefa iniciada. Eis porque, à beira do seu túmulo, cada ano, fazemos nosso exame de consciência coletivo, para ver o trabalho empreendido, apreciar os defeitos revelados e esboçar novos planos. Trabalho feito Vejamos, em primeiro lugar, o trabalho feito durante este ano que para nós começou em novembro de 1933. Uma tarefa sobrepujou todas as demais no decorrer desses últimos meses: a da Liga Eleitoral Católica. Tarefa tão ingente e inadiável que absorveu o melhor dos nossos esforços. Pois apesar de não ser a LEC uma obra específica do Centro Dom Vital ou da Coligação Católica Brasileira, e sim toda a ação católica nacional – a ela consagramos desde o início todos os nossos esforços, pondo à disposição todos os nossos recursos. Fomos o centro de preparação da Liga, a sede de sua Junta Nacional, dos seus escritórios centrais, do seu arquivo. Aqui se reuniram a sua diretoria, as suas lutas locais, os seus eleitores. E após a preparação eleitoral, a realização do seu programa. Aqui se fez toda a campanha constituinte. Aqui se reuniram aos deputados católicos para assentarem a realização do nosso programa. Daqui se expediram telegramas, convocações, comunicados para todo o Brasil. Aqui se 187 redigiram as publicações, se elaboraram as emendas, se discutiram os seus termos. Aqui se fez, como nos QG [quartéis-generais], a preparação das nossas forças eleitorais. E aqui também, como nos PC [partidos comunistas], a elaboração da nossa ofensiva. Era a primeira vez, na história do catolicismo brasileiro, que tal empreendimento se realizava. E, apesar dos inúmeros defeitos de que, com mais ou menos fundamento, não deixaram de nos acusar os descontentes (e muito dos quais somos os primeiros a reconhecer) – podemos afirmar que, não fora a organização da Coligação Católica Brasileira e não teria sido possível levar avante a tarefa que empreendemos, não apenas no Rio, mas em todos os estados do Brasil, de modo direto ou indireto. Os resultados aí estão, como a melhor das respostas aos pessimistas e descontentes. Há quem negue, à Liga Eleitoral Católica, o papel principal ou mesmo qualquer influência nessa vitória. Era o que não há muito escrevia, no Diário Carioca, o sr. José Eduardo de Macedo Soares e a nós mesmos o dizia, há pouco, um político católico, revolucionário de 1922, classe equivalente, hoje em dia, aos “republicanos históricos” de 1891.5 Nada de mais falso. Não fora a manifestação decidida dos católicos e a organização da Liga, nos moldes em que se fez, e não só não teria dado um passo no sentido das teses católicas, mas, ou muito me engano ou teríamos tido na Constituição novidades “espanholas” como pelo menos o divórcio, senão as mexicanas, como todos sabemos...6 5 José Eduardo de Macedo Soares (1882-1967) foi oficial da Marinha pertencente à importante família de políticos fluminenses. Deputado federal entre 1915 e 1923, constituinte de 1933-1934 e senador na legislatura de 1935-1937. 6 No México, nominalmente um dos maiores países católicos do mundo junto com o Brasil, a chamada ‘questão religiosa’ – presente nas disputas entre conservadores e liberais em quase todos os países latino-americanos – levou a uma sangrenta guerra civil com a prisão de padres e a morte de milhares de pessoas pelo sufocamento da rebelião popular contra a “modernização social” empreendida pela Constituição laica e de forte apelo anticlerical de 1917. Os efeitos do conflito com o Estado mexicano, onde a Igreja não goza de personalidade jurídica independente, e os curas não podem usar batina em público nem têm o direito de voto ou elegibilidade, ainda podiam ser sentidos nas difíceis negociações para a viagem do papa João Paulo II a Puebla em 1979. Cf. Alain Rouquié, “Igreja e igrejas: história religiosa e sociedades”, O Extremo-Ocidente: introdução à América Latina, São Paulo, Edusp, 1991, p. 195-200. Ao longo dos anos 1923 a 1927, A Ordem desencadeia uma série de denúncias contra a perseguição da Igreja no México. Espanha e Rússia também são países com regimes anticatólicos constantemente combatidos na seção sobre o panorama internacional da revista nas décadas de 1920 e 1930. 188 A Liga impediu tudo isso e introduziu, em nossa legislação constitucional, o que jamais fora alcançado pelos católicos em qualquer das anteriores Constituintes, como já demonstramos em outras publicações. Aqui, porém, não estamos, nem para discutir a atuação da Liga, nem para comentar, senão em síntese, os seus resultados. E sim para mostrar que um dos fundamentos do seu êxito foi a existência, a organização e a cooperação da CCB, que como todos sabemos não é mais do que o desdobramento do Centro Dom Vital e portanto da obra de Jackson de Figueiredo. Foi ele ainda, portanto, que veio dar o seu apoio à obra de remodelação constitucional, na parte que deu plena satisfação às exigências da consciência católica brasileira. Uma Constituição que começa apelando para Deus, que consagra o princípio de “colaboração” entre a Igreja e o Estado, que incorpora a “indissolubilidade” do matrimônio a seus dispositivos, que torna facultativo o casamento civil e reconhece os efeitos civis ao casamento religioso, que acaba com o laicismo escolar e prescreve a assistência religiosa facultativa às classes armadas, eliminando o serviço armado do clero, e que em seus dispositivos sociais acompanha quase ponto por ponto, o programa social da Liga Eleitoral Católica – uma Constituição nessas condições, sucedendo a outra em que tudo isso era sistematicamente silenciado, em homenagem ao laicismo positivista que a ditou, é sem dúvida possível uma afirmação incomparável de vitalidade católica. E de reação contra o espírito agnóstico que predominou em toda a legislação do período em que Jackson travou o seu ingrato e valoroso combate contra a democracia liberal, laicista e maçônica, da Primeira República. Jackson, como Felício dos Santos7, era favorável à formação de um partido católico e no momento de sua luta política, angustiado pela queda das emendas religiosas em 1926, parecia ser esse o caminho para o triunfo de nossas reivindicações. Hoje, é provável que à vista das circunstâncias, admitisse Jackson a LEC, com a sua organização extra-partidária, aparentemente mais fraca, confusa e 7 Antônio Felício dos Santos (1843-1931) diplomou-se em medicina em 1863 e ingressou na carreira política como deputado por Minas Gerais. Adepto do positivismo, atuou no movimento pela proclamação da República e presidiu o Banco do Brasil a convite de Rui Barbosa, Ministro da Fazenda do novo regime. Em 1897, converte-se ao catolicismo, consagrando-se ao desenvolvimento do jornalismo confessional, atividade que lhe rendeu uma medalha de honra do Vaticano em 1923. 189 ineficiente, mas única no momento político nacional e única compatível com a orientação autêntica da Ação Católica em todo o mundo. Tal o âmbito que tomou a Liga Eleitoral Católica e tais as repercussões políticas, legislativas e sociais de sua atuação, que o ambiente político legislativo se modificou radicalmente, repercutindo essa transformação nas atividades mais específicas na obra de Jackson, por nós continuada na medida de nossas forças. Antes, porém, de tratarmos sumariamente do funcionamento das nossas obras sociais, devemos mencionar outro movimento geral que absorveu grandemente a atividade da nossa organização, durante o período. Refiro-me à peregrinação brasileira ao Congresso Eucarístico de Buenos Aires. São unânimes os testemunhos de que essa manifestação de fé excedeu a tudo o que até hoje se fez, nesse sentido, na América do Sul. E a comunhão sucessiva de 100 mil crianças, num dia, de 300 mil senhoras, em outro sobretudo a de 250 mil homens, em uma noite, de uma às três da madrugada, em plena via pública de Buenos Aires, é dessas demonstrações coletivas que marcam a posição de uma Igreja constantemente acusada de periclitante e de moribunda. Não podia o Brasil faltar assim a esse encontro internacional de fé, que pela primeira vez se realizou na América do Sul. Por isso se empenhou a CCB em promover uma peregrinação de âmbito efetivamente nacional, que se realizou afinal, sob a direção espiritual e com a presença de S. Emª o cardeal dom Sebastião Leme, de mais de 30 bispos e arcebispos brasileiros, e cerca de mil peregrinos, entre leigos e clérigos. Foi, de todas as peregrinações estrangeiras a Buenos Aires, aquela que mais unida, grandiosa e calorosamente aclamou a Cristo Rei. Damos, pois, por bem empregados os esforços consumidos nessa organização, mandando a justiça que se dê, nessa tarefa, um posto especial de honra ao nosso infatigável secretário-geral, dr. Fábio de Aguiar Goulart, alma dessa peregrinação, que lhe deu o melhor do seu trabalho, por longos meses, e procurou organizá-lo o melhor que pôde, dentro das dificuldades materiais, quase insuperáveis, com que lutamos. E já que mencionamos o nome do nosso modesto e dedicadíssimo secretário-geral, dr. Fábio Goulart, fique aqui registrado também o êxito, no decorrer deste período, de sua reivindicação máxima, desde o primeiro dia da organização da CCB. 190 Refiro-me à fundação da nossa Congregação Mariana, de Nossa Senhora da Graça e Santo Inácio de Loyola, que se tem regularmente reunido sob a presidência do nosso assistente eclesiástico padre Bannawarth, SJ, que veio preencher as funções do nosso grande Leonel Franca, SJ, cujo estado de saúde nos privou, este ano, daquelas famosas conferências da última sexta-feira de cada mês em Santo Inácio8, que por quatro anos foi a maior realização cultural e apostólica do Centro Dom Vital e já deu lugar a essa apologética maravilhosa, que é a “Psicologia da fé”. Essa Congregação Mariana, virá coordenar e intensificar nossa vida sobrenatural de oração e de prática dos sacramentos, base de toda a nossa atuação social. Das seis associações que formam a CCB, três funcionaram regularmente no decorrer deste ano: o Centro Dom Vital, a Ação Universitária Católica e o Instituto de Estudos Superiores. Traçado, desde a sua abertura em maio, o programa de conferências para as sextas-feiras do ano, têm-se realizado com regularidade de dois cursos previstos, um de “História da Igreja”, por frei Sala, OP9, e outros de “Problemas filosóficos contemporâneos”, do jovem prof. Guilherme de Azevedo Ribeiro, que foi a revelação deste ano e de cuja sólida preparação cultural e eloqüência de dicção muito se pode esperar. Outra série que muito interesse despertou, sendo freqüentada por numeroso e escolhido público, foi a das seções literárias, em honra de grandes vultos do pensamento católico, tendo falado10: Sobre Charles Péguy: Barreto Filho, Frederico Schmidt e José Geraldo Vieira; Sobre Chesterton: embaixador Afonso Reis; Sobre Ernest Psichari: Octavio Tarquínio de Souza, Hamilton Nogueira, mlle. Rachel Boher; Sobre François Mauriac: Lucia Miguel Pereira e Francisco Santiago Dantas. 8 Tais reuniões tinham lugar no Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro. 9 Abreviação que designa a Ordem dos Pregadores (Ordo Praedicatorum) ou Ordem dos Dominicanos, fundada em 1216 pelo sacerdote castelhano Domingos de Gusmão (1170-1221). 10 Todos também articulistas da revista A Ordem. 191 Devem ainda realizar-se este ano duas sessões, uma dedicada a Jacques Maritain, e outra a Paul Claudel. Foi fundado, no decorrer do ano, um novo centro em Itajubá e até o fim de dezembro contamos ter fundado outro em Ouro Preto. Empreendeu-se uma campanha de extensão do quadro social, que se elevou a 500 sócios, cifra jamais alcançada e que bem demonstra o esforço de irradiação que temos feito. Quanto à Ação Universitária Católica, está atualmente em plena atividade e começa a formar um núcleo de mocidade de primeira linha, quanto à espiritualidade, cultura e ação. Em duas atividades, particularmente, se tem desenvolvido recentemente o esforço aucista: a das Liturgias e a das Equipes Sociais. Para a primeira, foi criado o Centro de Liturgia, sob a assistência de dom Martinho Michler, OSB11, prof. do Instituto Católico de Estudos Superiores, e que foi renovador dos estudos litúrgicos em nosso meio. Cresce todo dia o número de aucistas empenhados nesse aperfeiçoamento de sua vida espiritual e tanto nos que se inclinam à vida monástica, três ou quatro em seguimento aos nossos três que há um ano se encontram no noviciado dominicano de Toulouse, como nos demais, a liturgia tem aberto novo campo à sua vida interior. E, ao mesmo tempo, como que a mostrar que a vida contemplativa é realmente o fundamento da vida ativa, outro campo de atividade vem crescendo em progresso contínuo: o das “Equipes Sociais”, isto é, do apostolado entre os operários. Mais de 11 equipes, de três ou quatro estudantes cada uma, trabalham com cerca de 300 operários, iniciando a verdadeira solução cristã do problema social aqui no Rio. A vinda de Robert Garric12 ao Rio, o ano passado, coincidiu com a fundação, pela AUC, dos então chamados “círculos de irradiação externa”, a que dera todo o seu zelo de jovem convertido, o acadêmico de Direito Emmanuel Hasselmann, hoje frei Sebastião, do Noviciado Dominicano de Toulousse. Em breve se transformavam esses círculos, de operários e estudantes, nas equipes atuais, segundo o molde da grande obra iniciada em França por Garric 11 Abreviação que designa a Ordem dos Beneditinos (Ordo Sancti Benedicti), congregação religiosa monástica criada em 529, na Itália, por Bento de Núrsia (480-543). 12 Intelectual francês, Robert Garric (1896-1967) foi o fundador das “Equipes Sociais” em 1920, apostolado que visava à evangelização do meio operário por uma elite social. 192 depois da guerra e que tão bem se adapta às necessidades de nosso meio católico, para efetivação da obra social cristã tão encarecida pelos documentos pontifícios, desde Leão XIII e particularmente pelo atual papa, S. Santidade Pio XI. Digna de menção, ainda, entre as atividades aucistas deste período, foi a Semana Universitária, realizada na primeira semana de setembro, com sessões a cada noite, dedicadas a cada uma das Faculdades Superiores, à Academia de Comércio e ao Instituto de Música, bem como uma, no domingo 2, dedicada ao Instituto Católico de Estudos Superiores. Em todas elas falaram estudantes e professores, sendo exaltado o espírito universitário cristão, que os católicos têm por dever restaurar, no mundo moderno, pois vive deturpado pelo pragmatismo universitário de nossos dias utilitários e anticulturais. Devemos ainda mencionar o êxito que estão tendo as reuniões semanais da AUC, aos sábados à tarde, em que se debatem problemas da atualidade social e questões doutrinárias em torno de conferências e palestras de “vitalistas”, “aucistas” e convidados. “Last but not least”, coroa da atividade da AUC este ano o aparecimento de sua revista “Vida”, que é e será a tribuna do nosso movimento universitário católico e que já conquistou o seu lugar, ao cabo de cinco ou seis números publicados, ao lado das demais revistas universitárias de caráter neutro ou hostil aos nossos ideais. Como se vê, a AUC, com os seus 180 membros e seus 40 ou 50 freqüentadores assíduos, já constituem uma base sólida para a formação dessa frente única da mocidade católica, que o nosso grande cardeal vai em breve empreender, depois da fundação da Ação Católica Feminina e do êxito alcançado pelos trabalhos da Juventude Católica Feminina. Essa atividade da AUC já começa, aliás, a irradiar, e foram no decorrer do ano realizadas várias visitas a institutos de educação secundária, inclusive a estabelecimentos leigos e oficiais, como o Colégio Pedro II, sendo fundados vários núcleos de pré-aucistas no externato dos Irmãos Maristas, no Colégio Santo Inácio e no dos Padres Barnabitas13. 13 Todos colégios de elite no Rio de Janeiro, sendo, o primeiro, o Colégio Marista São José, à rua Barão de Mesquita, na Tijuca – no qual estudaram Mário Jorge Lobo Zagallo, Cristóvão Buarque e Fernando Collor de Mello; o segundo, o Colégio Santo Inácio, localizado na rua São Clemente, em Botafogo – onde passaram nomes como o de Vinícius de Moraes, Mário Henrique Simonsen, Arnaldo Jabor, Pedro Malan, Armínio Fraga e Cazuza; e, o terceiro, o Colégio Zacarias, na rua do Catete – onde estiveram, entre outros, Antônio de Pádua Chagas Freitas e Lulu Santos. 193 Por iniciativa ainda de aucistas da Faculdade de Direito, foi realizado no próprio edifício da Faculdade, uma homenagem ao prof. Barreto Campello14, pela sua atuação na Constituinte em favor dos postulados católicos, falando a vários estudantes e professores numa afirmação impressionante de fé católica, naquele recinto envenenado pela pregação comunista ou pré-comunista de tantos catedráticos revolucionários! Se a AUC se deixar, cada vez mais penetrar pela consciência clara do espírito litúrgico, do espírito social e do espírito universitário, que devem presidir as suas atividades à luz da fé católica, terá dado início a um dos movimentos de renovação espiritual mais cheios de futuro e de vida a que podemos aspirar. Outro setor animado da nossa Coligação continua a ser o Instituto Católico de Estudos Superiores, que tem mantido regularmente seus cursos de teologia, liturgia, filosofia, sociologia e biologia. Mantendo um número total de 180 alunos, com freqüência média nos cursos de 30 ou 40, vai preparando o ambiente para realizações futuras de maior âmbito. Durante o Primeiro Congresso Católico de Educação15 que com êxito surpreendente foi aqui realizado por iniciativa da Confederação Católica Brasileira de Educação e de seu benemérito presidente dr. Everardo Backheuser16 – foram estudadas as bases da futura Universidade Católica e como a colaboração do Instituto foi grande nos trabalhos encarregados de estudar o problema, julgamos de bom aviso transcrever aqui o projeto das referidas bases: I Deve ser o quanto antes criada a Universidade Católica Brasileira, em âmbito nacional e para a qual concorram todos os católicos do Brasil. 14 Francisco Barreto Rodrigues Campello (1888-1971), estudou medicina e farmácia antes de se formar na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Recife. Foi promotor público, constituinte de 1933-1934, um dos fundadores do Partido Democrata Cristão (PDC) e professor de Direito da Universidade do Brasil – depois da reforma iniciada em 1965, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). 15 Realizado no Rio de Janeiro em setembro de 1934. 16 Filho de descendentes alemães e portugueses, Everardo Adolf Backheuser (1879-1951) foi renomado engenheiro, geógrafo, professor e co-fundador da Academia Brasileira de Ciências em 1916, tendo produzido extensa obra intelectual sobre diversos assuntos, dentre os quais mineralogia, psicologia, geopolítica, geografia, geologia, religião e pedagogia. 194 II A Universidade Católica visa à pesquisa científica e o ensino superior, em todos os seus ramos, num ambiente religioso e à luz da doutrina da Igreja, trazendo a colaboração dos católicos ao progresso cultural do país. III Essa Universidade deve ser inteiramente subordinada às determinações doutrinárias e práticas da Santa Sé, sendo orientada, na sua organização e direção, pelo episcopado brasileiro. IV Nas suas relações com o Estado, deve essa Universidade ser independente, mas com direito à fiscalização federal e à concessão oficial de diplomas de habilitação em seus cursos. V Não sendo possível fundar, desde logo, uma Universidade completa, como os grandes modelos que se nos oferecem em Louvain17, Milão, Paris e Washington, deve essa universidade obedecer a uma formação gradativa, começando pelos cursos essenciais e menos onerosos, incorporando os já existentes e alargando, pouco a pouco, o seu âmbito de ação. VI O espírito dessa Universidade deve ser, ao mesmo tempo, especulativo e prático, de modo a ter como base os estudos superiores de religião, filosofia e letras, que darão à nossa universidade o seu espírito católico, preparando ao mesmo tempo novas elites para as carreias liberais e profissionais. 17 A Universidade de Louvain, na Bélgica, era primordialmente o modelo pretendido pelos católicos uma vez que lá se operou a restauração dos estudos filosóficos e teológicos acima de todas das ciências. 195 VII As faculdades que parecem mais urgentes e exeqüíveis, devendo ser por elas iniciada a organização da Universidade, são a faculdade de direito, uma de educação, para a formação de professores, uma de religião, filosofia e letras, com os cursos necessários e possíveis, sendo desejável também, o quanto antes, a fundação de uma escola de jornalismo. São essas as três associações de nosso grupo coligado que apresentam maior vitalidade. Quanto à ABC (Associação de Bibliotecas Católicas), se bem que ainda não tendo iniciado a sua finalidade precípua, tem se ocupado, de um lado, com a publicação de “A Ordem”, que continua regular e florescente, com o número de seus assinantes elevado a perto de 1500, e de outro com a “Biblioteca Anchieta”, fundada pela ABC para a venda de livros de caráter cultural católico, que tem tido regular atividade, tendo feito vendas, em nove meses deste ano, no valor de 13:718$900, o que é bom índice de seu movimento. Quanto à Confederação Nacional de Operários Católicos e à Confederação de Imprensa Católica não têm tido, por motivos vários, atuação digna de registro nestes últimos meses. Eis aí, sumariamente resumidos, os pontos capitais de nossas atividades no decorrer do último período. É necessário mencionar ainda, de modo particular, a atividade do secretariado da Coligação que, sob a direção do nosso companheiro dr. Fabrício de Barros, continua a prestar inestimáveis serviços às nossas atividades, contando com um corpo de funcionários zelosos e ativos. Organizado pelo diretor do secretariado, apareceu neste período o “Boletim da Coligação Católica Brasileira”, de que já se publicaram três números e que visa informar os nossos sócios e cooperadores, cujo auxílio material e moral têm permitido manter os serviços de nossa secretaria, aqui deixamos registrado o nosso profundo agradecimento. 196 Defeitos Prometemos, no início deste relatório, fazer não apenas a resenha dos trabalhos empreendidos, mas também a dos defeitos observados em nossa própria atuação. Ficar na primeira parte seria, porventura, farisaísmo. Mas é necessário que, ao considerarmos os defeitos observados, não venhamos a cair naquilo que Mauriac18 tão bem chamou de falso publicanismo: “Le Christ... nous aime dans la mesure ou nous nous connaissons, ou nous acceptons la grace de nous connaitre: sa furer contre les pharisiens témoigne qu’il nous rejette, lorsque nous refusons de nous voir tels que nous sommes... Mais attention a l’autre danger: dés qu’un homme se frapper la poitrine en songeant qu’il est le publicain, le voici devenu le pharisien; car, aujourdhui le pharisien est celui qui si glorifie d’être le publicain” (“Journal”, p. 72). Procuremos, fugindo do farisaísmo e do falso publicanismo, de dizer simplesmente o que pensamos dos nossos defeitos, depois de ter expostos as nossas realizações durante o período em que tratamos. Nosso principal defeito parece ser a multiplicidade de empreendimentos. A Coligação é grande demais, abrange coisas demais e, como não é possível, diz o povo, abarcar o mundo com as pernas, várias de nossas atividades sofrem do nosso excesso de pretensão. Cada um dos setores em que se ampliou a atividade do Centro Dom Vital exigiria cuidado especial. Estudantes, operários, imprensa, cultura, livros, cada um desses campos de ação está pedindo um cuidado especial, além da coordenação de todas as atividades na própria Coligação. E para isso seria preciso uma ação mais enérgica, mais concentrada e mais presente. Reconheço que me faltam qualidades para isso e que um empreendimento desses exigiria alguém que fosse realmente um grande organizador e que pudesse dedicar à obra todo o seu tempo. Outro defeito é que, por falta dessa coordenação efetiva de atividades, não conseguimos ainda formar um corpo de colaboradores, chefes de serviço, que tomem a peito, cada qual, um dos nossos setores e a ele se dedique de corpo e 18 François Charles Mauriac (1885-1970) foi um escritor católico francês laureado com o Nobel de Literatura em 1952. Escreveu um famoso ensaio contra a pena de morte na França que levou a um abaixo-assinado pelo fim da pena capital no país e foi assinado, entre outros, por Albert Camus (1913-1960). 197 alma. Somos todos homens ocupados, que não podem dar à Ação Católica senão os seus lazeres, quando ela exige full time e não os remanescentes... O núcleo de pessoas decididas a dedicar algumas horas por semana à Ação Católica, entre os homens, ainda é relativamente pequeno, de modo que os dez ou 12 que somos, a movimentar os sete grandes setores de nossa ação, não conseguem, nem de longe, dar conta do serviço. E este cresce de modo assombroso. Estamos no centro da ação católica nacional e para o Rio convergem todas as atenções e as exigências de todo o Brasil. Fôssemos 100 os que hoje somos dez e haveria trabalho para todos. Há inúmeras coisas a fazer, em todos os terrenos, e o êxito dos empreendimentos depende dos que estejam decididos a levá-los avante, com coragem e pertinácia. A experiência nos tem ensinado que a sorte das obras depende da ação dos seus dirigentes. Se cada um de nós fizesse o propósito inabalável de levar avante esta ou aquela parte da nossa obra, estou certo de que tudo iria melhor. Somos culpados, pois, por excesso de pretensões e por falta de energia e de tenacidade na sua realização. Deixamos que as coisas caminhem por si e, por isso ou aquilo, não damos às obras tudo o que lhes poderíamos dar. Essa é a verdade. Distribuíssemos melhor o nosso tempo, concentrássemos mais nossa atenção, pesássemos melhor a responsabilidade que nos cabe, deixássemos de lado o comodismo e o desperdício de tempo em coisas fúteis e estou certo de que veríamos um florescimento muito maior de nossas obras. O defeito principal, pois, do relativo marasmo em que vivemos, da falta relativa de vitalidade que sofremos, das deficiências graves, enfim, da nossa ação, está em nós mesmos. E, quando escrevo nós, não quero despersonalizar as responsabilidades. Penso em mim, em primeiro lugar, e não fosse a advertência de Mauriac... Mas o essencial é que a verdade crua é esta. Se estamos longe de ter atingido, já não digo o que poderíamos alcançar, mas o que podemos e devemos atingir com nossos atuais recursos – é que não fazemos nem de longe todo o nosso dever. Multiplicidade excessiva de tarefas e deficiência de qualidades para as preencher – eis os dois defeitos básicos que a experiência nos tem ensinado, no decurso de nosso funcionamento. E daí o resultado relativamente pequeno de um 198 esforço que, em consciência, não é pequeno. Não damos tudo o que podemos, nem sabemos aproveitar bastante o que já damos. A essa deficiência de tempo, de aproveitamento e de número, de dirigentes, junto ao excesso de atividades as mais diversas, todas urgentes e quase inadiáveis, vem somar-se a deficiência de meios materiais. Não temos capital próprio, vivemos au jour le jour, da boa vontade de alguns colaboradores e de recursos imprevistos que vêm quando Deus quer e às vezes à custa de esforços em desproporção com os resultados auferidos. E infelizmente, se a base da Ação Católica é toda espiritual e psicológica – graça divina, boa vontade e desejo de servir a Nosso Senhor – não é ela toda a base da ação católica. E esse eterno espantalho das contas a pagar vai também tolhendo as atividades. A essa precariedade de recursos, sujeitos às flutuações da boa vontade dos doadores ou a cobranças difíceis de sócios nem sempre dispostos a pagar para resultados que não se traduzam em vantagens concretas e visíveis, vem somar-se a deficiência de nossas instalações. Tem crescido de tal modo nossas atividades que a nossa sede é simplesmente ridícula. Um casarão velho, num segundo andar, sem elevador, que espanta a todos os que sofrem ou temem vir a sofrer um dia do coração, entre janelas coloniais que mal deixam penetrar o ar, mas deixam vir os ruídos quase intoleráveis de uma esquina em que bondes e carros disputam a palma da vitória sonora – tudo isso é um peso tremendo a vencer. Nossos rapazes não têm onde estar. Enquanto a Associação Cristã de Moços lhes oferece instalações luxuosas, com piscina, sala de ginástica, biblioteca, nós lhes damos lições e boa vontade. Convenhamos que é pouco para a mocidade, por melhor que ela seja. Tanto mais quanto precisamos pensar na mocidade não universitária, menos intelectual, portanto, e para quem o engodo dos exercícios físicos ou das salas confortáveis será por vezes o caminho de Damasco...19 19 A expressão “caminho de Damasco” refere-se ao episódio bíblico em que Paulo, antes de conversão que o consagrou como proeminente apóstolo do cristianismo, teve a visão de uma grande luz ofuscante durante uma viagem entre Jerusalém a Damasco para continuar sua missão de perseguir os primeiros discípulos de Jesus. Perseverar no caminho de Damasco significa passar por etapas não planejadas e, ao mesmo tempo, ser capaz de adaptar-se ao novo e ao desconhecido, como cristão que assume a fé por inteiro e não apenas na participação das missas dominicais. 199 Nosso Instituto mal pode funcionar por falta de instalações suficientes e de um bom serviço de secretaria. Aos operários não damos nada, nesse sentido, quando temos que lhes dar tudo, se não quisermos continuar na criminosa impreparação [sic.] em que vivemos. A obra das Equipes é por ora a única coisa que temos, e por isso lhe damos tal importância e a recomendamos vivamente a todos, estudantes e não estudantes. Defeitos de ordem moral e material, portanto, continuam a pesar fortemente sobre nossos trabalhos, impedindo-lhes um desenvolvimento mais efetivo e rápido. Não é só, porém. Temos um grave defeito de ordem intelectual que precisa ser analisado e corrigido. No tempo de Jackson, quando o Centro Dom Vital era ele e quatro ou cinco amigos, quando os recursos eram muito menores que os nossos, as instalações incomparavelmente mais deficientes e os prognósticos muito mais sombrios do que hoje – Jackson conseguiu não só manter “A Ordem” como publicar cerca de 15 volumes da coleção “Eduardo Prado”20, que até hoje constituem a magnífica flora intelectual e o testemunho de todo um movimento de renovação espiritual de uma geração e da própria inteligência brasileira. E nós, hoje, que temos feito? A não ser o volume de “Ensaios de biologia” publicado por Hamilton Nogueira e seus alunos, e “A Ordem”, que vai mais ou menos – nada, nada e mais nada. Convenhamos que não é muito... Por que? Porque, ainda aí, não fazemos o nosso dever, não damos tudo o que podemos dar, não resolvemos problemas inadiáveis como esse da “Livraria Católica”, que é hoje uma vergonha para todos nós, sem direção, sem eficiência, sem ordem, sem livros, sem responsabilidade, sem nada – ou o da Editora Católica, que há muito já deveríamos e poderíamos ter organizado. Bastava que resolvêssemos esses dois problemas, o da Livraria e o da Editora, para que, ao menos no terreno intelectual, pudéssemos apresentar um resultado mais de acordo com as tremendas responsabilidades que pesam sobre nossos ombros. Os “vitalistas” têm trabalhado pouco e com fraca consciência de sua missão, que é a de dar à inteligência brasileira moderna uma base espiritual e católica. Temos publicado poucos livros. Temos feito poucos cursos. Temos estudado pouco os problemas atuais à luz dos nossos princípios. E daí uma irradiação pequena do nosso espírito. 20 O advogado, jornalista e escritor Eduardo Paulo da Silva Prado (1860-1901) foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras e um dos mais importantes analistas da vida política do Brasil. Monarquista convicto, formou-se em Direito pela tradicional Faculdade de São Paulo na turma de 1881, e após a proclamação da República, passou a combater os atos arbitrários do governo em livros e jornais. 200 Jackson estava quase sozinho e foi arrancando cada um de nós ao seu literatismo, ao seu liberalismo, ao seu laicismo ou ao seu comodismo, graças aos seus sacrifícios e à sua campanha intelectual. Tenhamos sempre isso em mente. O Centro Dom Vital é um movimento e não uma associação. Não somos um clube de leitura, de prazer, de conversas displicentes ou de boas instalações para passar o tempo. Somos um movimento de ação, de ação intelectual, de ação intelectual católica. É preciso que cada um se sinta participante do movimento. Não nos devemos dividir aqui em ensinados e ensinantes, se possível dizer, em faladores e ouvintes – mas em participantes todos do mesmo ideal, das mesmas tarefas e dos mesmos trabalhos. E como na seara da inteligência é que temos de agir, não podemos de modo algum parar a meio caminho e temos de seguir para frente estudando e procurando trazer a lume os frutos do nosso estudo. O Centro Dom Vital deveria ser sempre um núcleo de convertedores e não apenas um grupo de convertidos. E para isso é preciso manter uma atmosfera de conquista e não de rotina. O que, atualmente, estamos longe de ter conseguido. Defeitos de ordem moral, de ordem material e de ordem intelectual, eis aí o que um honesto exame de consciência nos obriga a trazer a lume nesta hora anual de prestação de contas a Deus, em memória de nosso pranteado e sempre presente fundador e amigo. Propósito Mostramos, primeiramente, o fruto dos nossos esforços durante este último período. Examinamos em seguida, conscienciosamente, os defeitos por nós mesmos observados em nossa atuação. E como não nos deslumbramos com os frutos alcançados (por vezes memoráveis, como no caso da Liga Eleitoral Católica) nem nos abatemos com as deficiências observadas – vamos agora, para concluir, delinear o que nos parece mais urgente para corrigir o quanto possível os defeitos que entravam nossa atuação. 201 Contra os erros de ordem moral, só uma atuação interior, de cada um sobre si mesmo, pode esperar um êxito qualquer. É preciso que cada um se convença de que realmente pesa sobre nossos ombros, mormente depois da nova legislação constitucional, a maior responsabilidade que jamais pesou sobre qualquer geração católica brasileira. E ninguém pode descansar sobre o vizinho. Ninguém pode deixar para amanhã, ninguém pode eximir-se de prestar o seu concurso, qualquer ele que seja. É preciso que isto não seja apenas uma palavra lida ou um propósito vão. É agora, é hoje, é já, que cada um precisa dedicar-se e dar tudo o que pode. Estamos em plena batalha. E o mais difícil, das batalhas que nós cristãos travamos, é mostrar aos displicentes que a batalha continua, sobretudo quando nada é visível e os choques se dão no fundo das consciências. Combater os inimigos visíveis, os generais Rabellos, Anísios Teixeiras, Heitores Limas21, é relativamente fácil. O difícil é combater um estado de espírito, um ambiente, um modo de viver. E é sobretudo o que nós temos que fazer para compreender que não podemos adiar a nossa reação contra a falta de dedicação suficiente às obras da ação católica que aqui ou alhures empreendemos. Para isso, retiros, meditações, leituras espirituais, adorações noturnas, vida litúrgica, tudo é indispensável. É preciso sacudir a nossa inércia, nossa dispersão de atividades, nossa capacidade de adaptação à mediocridade ambiente e, finalmente, aquilo que Jackson chamava de “a saudade do erro”, o que ele observou com tanta agudeza psicológica em quase todos os convertidos. Quanto às nossas deficiências de ordem material, vimos serem de duas ordens: defeitos de organização e precariedade econômica. Contra os primeiros, precisamos concentrar mais nossas atividades, abandonando as que parecem impossíveis de ser encaminhadas de momento e concentrando nossos esforços sobre obras urgentes, como uma regularidade maior na vida administrativa de cada associação; a extensão das obras de moços, tanto na universidade como fora dela; a organização do apostolado entre os operários, tão urgente e difícil; o desenvolvimento da nossa ação de publicidade, tão deficiente e que deixa muitas vezes na sombra resultados já promissores de nossos esforços etc. 21 Anísio Teixeira e Heitor de Lima foram expoentes do movimento pedagógico conhecido como “Escola Nova”, que defendia a laicidade do ensino contra as pretensões católicas na educação (ver capítulo 2). Já o general Manuel Rabelo Mendes era positivista e co-fundador da Liga de Defesa Nacional, uma entidade civil de tradição republicana. 202 Precisamos, antes de tudo talvez, cuidar de nossa instalação material, de nossa sede. É simplesmente impossível continuar como estamos sob pena de marcar passo e, portanto, decair, pois em matéria de ação social, quem não cresce desaparece. Todo o problema de nossa organização social, aliás, está intimamente ligado ao da fundação oficial, para breve, da Ação Católica Brasileira em moldes nacionais. Mesmo que isso se faça, porém, pouco temos que mudar em nossa natureza, não só porque as ações continuam a existir dentro da estrutura geral, mas ainda porque os vários setores de nossa atuação serão necessariamente os que a ACB terá também de trabalhar e estamos sempre dispostos a desaparecer, como obra à parte, desde que assim os exijam as autoridades competentes. Esta é a disposição preliminar para o bom êxito de nossos esforços. Nenhuma de nossas obras têm a pretensão de ser indispensável. Valem apenas como meios de ação apostólica. No dia em que seu desaparecimento for considerado útil pela autoridade competente, não durará sequer um dia mais. Só assim entendemos trabalho católico de ação, sem qualquer vislumbre de individualismo ou de associacionismo (isto é, de amor excessivo ao nosso juízo próprio ou à nossa própria obra). Sempre prontos a nos fundir no juízo comum, na obra comum do Corpo Místico de Cristo. Assim é que devemos e queremos viver a Ação Católica. Tudo pelas nossas obras, enquanto forem julgadas úteis ao bem comum da Igreja. Nada por elas, quando outras forem mais urgentes e adequadas às necessidades do momento. Por ora, portanto, tudo por elas. Quanto à face econômica da Coligação e de cada uma de suas associações, é mister cogitar uma ação conjunta não na ilusão de que já é o momento de levantarmos um capital suficiente para de suas rendas nos mantermos, mas para que cada obra possa viver por si. Já bastariam esses propósitos para preencher o nosso próximo ano, que deve ser um ano de consolidação de nossa obra do ponto de vista social e não de novos empreendimentos. Uma sede adequada às nossas necessidades; serviços mais bem remunerados de modo a serem mais eficientes na parte do secretariado; dedicação maior de cada diretoria à sua própria associação; extensão do apostolado entre os moços e entre os operários; solução do caso da Livraria e fundação da Editora Católica. 203 Eis aí uma súmula do que poderemos fazer, no próximo ano, nos pontos em que nos sentimos mais deficientes. Não nos referimos aqui ao trabalho da LEC, que devem passar por certas transformações para corrigir também os defeitos que as duas eleições, de 3 de maio de 1933 e de 16 de outubro de 193422, revelaram em seu organismo nacional – porque excedem o âmbito da CCB. Não nos referimos também às atuais atividades que devem ser mantidas e sempre ampliadas, como o funcionamento normal da AUC, do Centro Dom Vital e do Instituto, o que se subentende. Falta ainda, porém, atender à terceira das deficiências acima indicadas: a de ordem intelectual. Precisamos efetivamente tomar providências nesse sentido, de modo a sermos mais fiéis à nossa tradição e à nossa natureza. Precisamos nos forçar a trabalhos doutrinários e literários mais freqüentes e numerosos. Precisamos publicar mais livros. Escrever mais jornais. Dirigir representações aos governos; entrar em contato com outras associações intelectuais; organizar congressos locais, cursos, conferências, tudo de acordo com a formação cultural do nosso movimento “vitalista”. Para isso, pensamos em criar no seio do Centro Dom Vital uma espécie de Academia Vitalista23, com mais responsabilidades intelectuais, de modo a nos forçar ao trabalho cultural mais freqüente. E a fundação da Editora Católica viria completar essa tarefa, permitindo a publicação e a divulgação de obras adequadas ao desenvolvimento cada vez maior da boa cultura católica em nossos meios sociais e intelectuais. Eis aí, em palavras apressadas, mas que procuraram ser sinceras, a expressão dos nossos trabalhos, dos nossos defeitos e dos nossos propósitos, ao cabo deste novo ano de atividade católica.24 22 Respectivamente para os candidatos à Assembléia Nacional Constituinte e à Câmara Federal (vide segundo capítulo da tese). 23 Não se tem notícia da efetiva criação de uma organização com este nome, mas pode-se considerar a fundação da PUC como algo neste sentido. 24 Fala-se em “novo ano” não só pela consideração da morte de Jackson como o marco inaugural da fundação de A Ordem e, por tanto, das atividades do CDV, renovadas ao longo de 12 meses, como também pelo fato de que o ano litúrgico na Igreja Católica tem início em dezembro, antes do ano civil, no advento que antecede as comemorações natalinas. 204 Temos procurado sempre servir com amor à causa de Nosso Senhor, sendo fiéis à memória do nosso inesquecível Jackson. Dizia Pascal, seu mestre de Port- Royal, mr. Singlin25, que a nossa grande caridade para com os mortos era sempre fazer o que contaríamos que fizéssemos, se fossem vivos. É o que procuramos sempre fazer, pensando no legado que nos deixou nosso grande Jackson e no valor inestimável do tesouro que a ele devemos. Só Deus pode julgar se estamos cumprindo ou não com o nosso dever. E se continuamos fiéis às palavras ditas à beira do seu túmulo naquela tarde luminosa e triste em que para ali levamos os seus despojos depois que o oceano por oito dias os embalou – palavras que pronunciamos com o coração a soluçar e a vontade decidida de nunca trair: “descansa em paz, amigo, pois tudo faremos para que tua vida não tenha sido em vão”. 25 O padre Singlin recebeu o físico, matemático, filósofo e teólogo francês Blaise Pascal (1623-1662) na abadia de Port-Royal des Champs em 1659, quando este resolveu dedicar-se exclusivamente aos estudos teológicos. Pascal é autor da célebre frase “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. 205 Ação Católica Brasileira: mandamento dos arcebispos e bispos do Brasil”. A Ordem. Rio de Janeiro: Órgão do CDV, ano XV, v. XIII, n. 64, jun. 1935, p. 437-444. Correspondendo aos desejos paternais e elevados propósitos do papa Pio XI que, por toda parte, quer se organize a Ação Católica, de maneira eficiente e, quanto possível, uniforme, nós, arcebispos e bispos do Brasil, havemos por bem promulgar, cada um para a sua própria diocese, os presentes Estatutos da Ação Católica Brasileira, já revistos e abençoados pela Santa Sé. Portanto, para a maior glória de Deus, salvação das almas e bem espiritual de nossa pátria, ao mesmo tempo que os damos por promulgados, mandamos igualmente que, de acordo com estes Estatutos Gerais, em todas as dioceses e paróquias do território nacional seja, quanto antes, organizada a Ação Católica Brasileira. Rio de Janeiro, aos 9 de junho, festa de Pentecostes26, 1935. Sebastião, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro. Augusto, arcebispo da Bahia e primaz do Brasil. José, arcebispo bispo de São Carlos. Santino, arcebispo de Porto Alegre. Duarte, arcebispo de São Paulo. João, arcebispo de Porto Alegre. Adauto, arcebispo de Paraíba. Manoel, arcebispo de Fortaleza. Francisco, arcebispo de Cuiabá. Miguel, arcebispo de Olinda e Recife. Helvécio, arcebispo de Mariana. Antônio, arcebispo bispo de Jabuticabal. Otaviano, arcebispo bispo de São Luís do Maranhão. Antônio, arcebispo de Curitiba. 26 Festa católica em memória da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos em Jerusalém que ocorre 50 dias após a Páscoa e equivale à comemoração no calendário judaico (“Shavuot”) do dia em que Moisés recebeu de Deus as tábuas da Lei. 206 Joaquim, arcebispo de Florianópolis. Antônio, arcebispo de Belém do Pará. Emanuel, arcebispo de Goiás. Serafim, arcebispo de Diamantina. Luís, bispo do Espírito Santo. Idílio, bispo de Petrolina. Vicente, bispo de Corumbá. João, bispo de Cajazeiras. Amando, prelado de São Peregrino Latioso. Inocêncio, prelado de Bom Jesus de Gurguéia. Sebastião, prelado de Conceição do Araguaia. Emiliano, prelado de São José de Grajaú. Florentino, prelado de São José de Tocantins. Monsenhor Pedro Massa, administrador apostólico do Rio Negro e de Porto Velho. Monsenhor João Batista Gouturon, administrador apostólico do Registro de Araguaia. Monsenhor Guilherme Maria Thiletz, administrador apostólico de Foz do Iguaçú. Monsenhor Francisco M. Richard, administrador apostólico de Guamá. Frei Eliseu de Van der Meyer, administrador apostólico de Paracatú. Monsenhor Francisco Rei, administrador apostólico de Guajará-Mirim. Frei Germano Vega, administrador apostólico de Santana de Jataí. Frei Gregório Allonzo, administrador apostólico de Marajó. Monsenhor João du Dréneuf, administrador apostólico de Diamantino. Frei Inácio Martinez, administrador apostólico de Labrea. Frei Evangelista de Cefalônia, prefeito apostólico do Alto Solimões. Monsenhor Miguel Alfredo Barata, prefeito apostólico de Tefé. Estatutos da Ação Católica Brasileira I Natureza e fins 207 Art. 1º – A Ação Católica Brasileira é a participação organizada do laicato católico do Brasil no apostolado hierárquico para a difusão e atuação dos princípios católicos na vida individual, familiar e social. a) como fim último, visa a AC, no dizer do Santo Padre Pio XI, “dilatar e consolidar o Reino de Jesus Cristo”; b) como fins próximos: a formação e o apostolado dos católicos leigos. Art. 2º – Para alcançar os seus fins, a ACB, propõe: a) reunir em organizações próprias, de caráter nacional, diocesano e paroquial, os homens, as senhoras, a juventude masculina e feminina; b) coordenar todas as associações e obras católicas existentes. Art. 3º – A ACB está sob a imediata dependência da hierarquia e exerce suas atividades fora e acima de toda e qualquer organização ou influência política partidária. Art. 4º – A ACB é consagrada ao Coração Eucarístico de Jesus e fica sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, de São José, São Pedro de Alcântara e dos Bem-Aventurados Inácio de Azevedo e seus companheiros. II Das organizações fundamentais da ACB Art. 5º – Individualmente os católicos brasileiros só fazem parte da AC quando inscritos nas seguintes organizações, consideradas como básicas e fundamentais: a) Homens da AC (HAC), para maiores de 30 anos e os casados de qualquer idade; b) Liga Feminina da Ação Católica (LFAC), para maiores de 30 anos e as casadas de qualquer idade; c) Juventude Católica Brasileira (JCB), para moços de 14 a 30 anos; d) Juventude Feminina Católica (JFC), para moças de 14 a 30 anos. As associadas da Juventude Feminina Católica, logo que atinjam a idade de 25 anos, é facultada a passagem para a Liga Feminina Católica; aos 30 anos completos, é obrigatória. Nada impede que na Juventude Católica Brasileira e na Juventude Feminina, para o exercício de funções técnicas, organização de quadros, círculos de 208 estudo, por exemplo, sejam aproveitados sócios da HAC e da LFAC. Nada impediria igualmente que, em caso de necessidade, possam os dirigentes continuar na JCB e JFC até o limite de 35 anos de idade. Sem prejuízo da unidade de orientação, a Juventude Católica compreende também os seguintes setores: a) Benjamins da AC, para menores de 8 a 12 anos; b) Aspirantes da JC, para os de 12 a 14 anos. Art. 6º – Individualmente os católicos brasileiros só fazem parte da a) Juventude Estudante Católica (JEC) para a mocidade do curso secundário; b) Juventude Universitária Católica (JUC) só para universitários, onde seja possível; c) Juventude Operária Católica (JOC), para a mocidade operária. Logo que seja possível, a JUC e a JOC passarão a funcionar independentemente da Juventude Católica, constituindo assim organizações fundamentais da ACB. Art. 7º – Em regra geral, os sócios serão inscritos nas organizações da AC pelas diretorias locais; nada impede, contudo, que nos primeiros tempos também os Conselhos Diocesanos o façam. Art. 8º – Para a inscrição em qualquer das suas organizações, exige a AC: a) vida exemplar; b) prática dos sacramentos; c) aceitação prévia dos programas da AC e da respectiva organização; d) pagamento de pequena taxa anual a ser fixada pelos Conselhos Diocesanos, com audiência do Conselho Nacional. Art. 9º – As diretorias das organizações fundamentais da AC serão compostas pelo assistente eclesiástico, presidente, secretário e tesoureiro, com mandato de três anos. As diretorias diocesanas serão nomeadas pelo exmo. bispo e as paroquiais pelos vigários, com aprovação do ordinário. As diretorias nominais serão nomeadas pela Comissão Episcopal da Ação Católica. Art. 10 – Ainda que inscritos na ACB, em regra geral, não devem participar das diretorias os católicos que na vida dos partidos políticos, na sua propaganda e 209 imprensa, exerçam funções em que possam influir ou das aparências de influírem nas decisões da ACB. Art. 11 – Individualmente, não como representantes da AC podem os seus sócios filiar-se a qualquer partido político que, nada contendo em seus programas e atividades de contrário às leis de Deus e da sua Igreja, dê ainda a necessária garantia de respeitá-las. Art. 12 – Além de sua completa informação nos princípios e regras gerais da ACB, todas as suas organizações serão regidas por estatutos e regulamentos aprovados pela Comunhão Episcopal. III A coordenação das associações e obras católicas Art. 13 – Fica estabelecida em todas as dioceses a Confederação das Associações Católicas que têm por fim unir e coordenar, para objetivos gerais da AC, todas as associações e obras católicas existentes, as quais, sem prejuízo de sua autonomia e atividades particulares, são desde já consideradas como associações ou obras aderentes da ACB. Art. 14 – As Confederações Diocesanas – em duas seções distintas, masculina e feminina – serão presididas pelo exmo. sr. bispo ou seu representante, preferivelmente, o vigário geral, assistido por um Conselho Superior, cuja maioria será ocupada na seção masculina, pelo próprio Conselho Diocesano da AC e, na feminina, pelas diretoras diocesanas da Liga Feminina da AC e da Juventude Feminina. Art. 15 – As Confederações reger-se-ão por estatutos aprovados pelos respectivos bispos, dentro dos princípios e normas gerais da ACB. Art. 16 – As obras organizadas em federações nacionais ou diocesanas com fins especiais (professores, escoteiros, congregações marianas etc.) farão parte da Confederação das Associações Católicas através dos centros locais e dos órgãos ou conselhos superiores. Art. 17 – Os membros das associações agregadas às confederações católicas serão encaminhados a se inscreverem individualmente numa das organizações fundamentais da ACB. 210 Art. 18 – Para a unidade de orientação e eficiência dos movimentos de caráter nacional, as Confederações Diocesanas, unidas e coligadas entre si, formam a Confederação Católica Brasileira, que sob a direção do Conselho Nacional da AC terá a sua sede no Rio de Janeiro. IV Dos órgãos diretores e coordenadores da ACB Art. 19 – Na união das organizações fundamentais e das associações confederadas consiste o quadro oficial da ACB. Art. 20 – Conservando plena autonomia em seus fins específicos, não só nas organizações fundamentais da AC como em todas as confederações e suas associações são coligadas no que diz com os objetivos gerais da AC. Daí a necessidade dos órgãos coordenadores de que tratam os artigos seguintes. Art. 21 – Comissão Episcopal da AC – “Participação no apostolado hierárquico”, é óbvio que da hierarquia recebe a AC o mandato e as diretrizes. Assim, em nome do episcopado que lhe delega poderes, a Comunhão Episcopal, composta de cinco membros, cabem a alta direção o “controle” geral da ACB ao arcebispo do Rio de Janeiro, por comum acordo do episcopado, compete representá-lo e resolver nos casos comuns e urgentes. Art. 22 – Junta Nacional da AC – A Junta Nacional da AC, constituída do assistente eclesiástico, do presidente, do secretário e tesoureiro, nomeados por três anos pela Comissão Episcopal, compete: a) presidir, sob a dependência da Comissão Episcopal, o Conselho Nacional da ACB da qual é, por natureza, o aparelho diretor; b) executar as diretrizes e resoluções que o episcopado assentar através da Comissão Episcopal, da qual é órgão executivo; c) acompanhar, estimular e coordenar as atividades da AC, por meio dos Conselhos Diocesanos e Paroquiais. Art. 23 – Conselho Nacional da ACB – O Conselho Nacional da ACB será constituído dos assistentes eclesiásticos, presidentes, secretários e tesoureiros nacionais das organizações fundamentais e da Confederação, mais quatro membros, residentes no Rio de Janeiro ou dioceses próximas, nomeados pela Comissão Episcopal, com mandato de três anos. 211 Ao Conselho Nacional compete auxiliar a Junta Nacional no desempenho de suas atribuições, principalmente no que diz com a coordenação e disciplina de todas as obras da ação católica. Art. 24 – Juntas e Conselhos Diocesanos – Aos Conselhos Diocesanos, constituídos dos assistentes eclesiásticos, presidentes, secretários e tesoureiros diocesanos das organizações fundamentais da AC e da Confederação das Associações Católicas, as quais os respectivos bispos poderão acrescentar mais alguns membros, o exmo. bispo escolherá um assistente eclesiástico, um presidente, secretário e tesoureiro com mandato de três anos, que formarão a mesa diretora ou Junta Diocesana da AC, com funções análogas às da Junta Nacional (art. 22). Art. 25 – Conselhos Provinciais – Aos Conselhos Provinciais, na sede metropolitana, se a bem da unidade, coordenação e eficiência da AC em toda a região, os respectivos metropolitas e seus sufragâneos o quiserem estabelecer, competem, dentro da província eclesiástica, as mesmas atribuições dos Conselhos Diocesanos, para assuntos de interesse geral da província. Dos Conselhos Provinciais, que serão constituídos como os Diocesanos, farão parte representantes de todas as dioceses. Art. 26 – Conselhos Paroquiais – Aos Conselhos Paroquiais, constituídos dos presidentes, secretários e tesoureiros de todas as associações católicas (não excetuadas as associações simplesmente religiosas e outras especializadas) que tenham sede no território da paróquia e, eventualmente, mais algumas pessoas, designadas pelo pároco cabe, sob a sua direção ou de sacerdote delegado pelo ordinário: a) estimular o apostolado do laicato católico coordenando as atividades das diversas organizações; b) urgir e executar, através das respectivas associações, os planos e diretrizes dos órgãos superiores da AC.