FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE Amanda de Lucas Xavier Martins O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE E A PROMOÇÃO DA SAÚDE: uma revisão de literatura sobre a centralidade do seu trabalho na Atenção Básica da Saúde Rio de Janeiro 2014 Amanda de Lucas Xavier Martins O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE E A PROMOÇÃO DA SAÚDE: uma revisão de literatura sobre a centralidade do seu trabalho na Atenção Básica da Saúde Dissertação apresentada à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação Profissional em Saúde Orientadora: Márcia Raposo Lopes Co-orientador: Eduardo Navarro Stotz Rio de Janeiro 2014 Catalogação na fonte Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Biblioteca Emília Bustamante M386a Martins, Amanda de Lucas Xavier O agente comunitário de saúde e a promoção da saúde: uma revisão de literatura sobre a centralidade do seu trabalho na Atenção Básica da Saúde / Amanda de Lucas Xavier Martins. – Rio de Janeiro, 2014. 120 f. Orientador: Márcia Raposo Lopes Co-orientador: Eduardo Navarro Stotz Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Profissional em Saúde) – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, 2014. 1. Agente Comunitário de Saúde. 2. Promoção de Saúde. 3. Vigilância em saúde. I. Lopes, Márcia Raposo. II. Stotz, Eduardo Navarro. III. Título. CDD 362.10425 Amanda de Lucas Xavier Martins O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE E A PROMOÇÃO DA SAÚDE: uma revisão de literatura sobre a centralidade do seu trabalho na Atenção Básica da Saúde Dissertação apresentada à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação Profissional em Saúde Aprovada em 17/07/2014 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Dra. Helena Maria Scherlowski Leal David (UERJ / Faculdade de Enfermagem) ___________________________________________________________________________ Dra. Marcela Alejandra Pronko (FIOCRUZ / EPSJV) ___________________________________________________________________________ Dra. Márcia Raposo Lopes (FIOCRUZ / EPSJV) ___________________________________________________________________________ Dr. Eduardo Navarro Stotz (FIOCRUZ / ENSP) Dedico esta dissertação aos meus pais, José Carlos Martins (in memorian) e Luiza de Marilac de Lucas Xavier Martins, como continuidade no esforço de compreensão e luta pela justiça social, defendida dedicadamente por ambos. AGRADECIMENTOS À minha mãe Luiza de Marilac de Lucas Xavier Martins, militante da saúde, pelo incentivo e suporte na trajetória de construção do conhecimento na área. Ao Prof. Dr. Eduardo Navarro Stotz, Prof. Dra. Márcia Raposo Lopes e Prof. Dra. Marcela Alejandra Pronko pelo auxílio paciente, oportunidades e conhecimentos proporcionados durante a trajetória do mestrado e elaboração da dissertação. Aos Professores e alunos da Faculdade de Enfermagem da Uerj, pelo aprendizado e oportunidades na construção da prática docente. Aos amigos Augusto, Marisa, Analaura, Priscila, Bárbara e Gustavo, que contribuíram com amizade, companheirismo e conhecimentos na realização de todas atividades ao longo desta trajetória. Ao meu irmão Yuri de Lucas Xavier Martins pelo companheirismo de sempre. Especialmente, aos Agentes Comunitários de Saúde que tive o prazer de acompanhar e conhecer o trabalho na Estratégia de Saúde da Família em Angra dos Reis - RJ, nas aulas do Curso Técnico de ACS na EPSJV e Curso de Educação Popular em Saúde no Rio de Janeiro - RJ. RESUMO O estudo buscou compreender na literatura científica e documentos oficiais da saúde a centralidade do trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS), mediados pelo ideário da Promoção de Saúde, na Estratégia de Saúde da Família e Atenção Básica de Saúde (ESF/ABS). O ACS assume caráter central na prática sanitária pela Vigilância em Saúde articulada ao ideário da Promoção da Saúde, considerando papel mediador entre serviços dessa área e a população no território. O levantamento da literatura e os documentos oficiais apontam para a importância desse ideário na definição das atribuições dos ACS, demonstrando, entretanto, conflitos e contradições nas concepções de saúde envolvidas na prática sanitária e a reorientação do modelo de atenção à saúde. O ideário da Promoção de Saúde tem despontado como atualização no discurso das Políticas de Saúde para controle sanitário e para mediação de conflitos no âmbito local, em que o papel do ACS é dilemático e central na ESF/ABS. A prática sanitária, conforme perspectiva institucional, tem direcionado a ação educativa e o incentivo à ‘participação comunitária’ para viés behaviorista e biomédico, associados à pactuações por metas, em que, atualmente, destaca-se as Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANTs). Por outro lado, o legado anterior dos movimentos populares em saúde aponta para viabilidade histórica da ‘participação comunitária’ na luta pela saúde enquanto direito social, sentido mais próximo da Saúde Coletiva e dos princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa perspectiva se mantém como horizonte a ser alcançado sob inflexões no financiamento, gestão e formulação das políticas de saúde no âmbito da aparelhagem estatal. Palavras–chave: Agente Comunitário de Saúde. Promoção de Saúde. Vigilância em Saúde. ABSTRACT The study sought to understand the scientific literature and official documents of the centrality of the health work of Community Health Agents (ACS), mediated by the ideology of Health Promotion in Primary Care and Family Health Health Strategy (FHS / ABS). The ACS plays a central character in the health practice Health Surveillance articulated the ideology of Health Promotion, considering mediator between services in this area and the role population in the territory. The survey of the literature and official documents indicate the importance of this notion in defining the duties of the ACS, showing, however, conflicts and contradictions in health concepts involved in health practice and reorientation of the health care model. The ideology of health promotion has emerged as updated the discourse of Health Policy for sanitary control and mediation of conflicts at the local level, where the role of the ACS is dilemmatic and central in the ESF / ABS. The health praxis, as institutional perspective, has directed educational activities and the encouragement of 'community participation' for behavioral and biomedical bias associated with the pacts by targets, which currently stands out the Noncommunicable Diseases and (DANTs). Moreover, the previous legacy of popular movements in health points to historical viability of 'community participation' in the fight for health care as a social right, closest meaning of Public Health and the constitutional principles of the Unified Health System (SUS). This perspective remains as goal to be reached under inflections in financing, management and formulation of health policies within the state apparatus. Keywords: Community Health Agent. Health Promotion. Surveillance in Health. LISTA DE SIGLAS ABS Atenção Básica a Saúde ACS Agente Comunitário de Saúde AIS Ações Integradas de Saúde ANAS Associação Nacional dos Agentes de Saúde APS Atenção Primária a Saúde BM Banco Mundial CEBs Comunidades Eclesiais de Base CONACS Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde CONASEMS Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde CONASP Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária CONASS Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde CNS Conferência Nacional de Saúde CNRH/IPEA – Centro de Recursos Humanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada o CNRS Comissão Nacional da Reforma Sanitária DANTs Doenças e Agravos Não Transmissíveis DMP Departamentos de Medicina Preventiva DRU Desvinculação de Rendas da União DSS Determinantes Sociais de Saúde ENEMECS Encontros Nacionais de Experiências em Medicina Comunitária ESF Estratégia de Saúde da Família FHC Fernando Henrique Cardoso FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FMI Fundo Monetário Internacional FSESP Fundação do Serviço Especial de Saúde Pública IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social MARE Ministério de Administração e reforma do Estado MOPS Movimento Popular da Saúde MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social MPT Ministério Público do Trabalho MS Ministério da Saúde NOB Normas Operacionais Básicas OMS/WHO Organização Mundial da Saúde OPAS Organização Pan-Americana de Saúde OSCIPs Organização da Sociedade Civil de Interesse Público OSs Organizações Sociais PAB Piso da Atenção Básica PACS Programa de Agente Comunitário de Saúde PDRE Plano Diretor da Reforma do Estado PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde PIB Produto Interno Bruto PES Planejamento Estratégico Situacional PECs Programas de Extensão de Cobertura PCB Partido Comunista Brasileiro PPREPS/OPAS – Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde da OPAS PROESF Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família PMC Projeto Montes Claros PNAB Política Nacional da Atenção Básica PNACS Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde PMAQ Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNPS Política Nacional de Promoção de Saúde PPA Plano de Pronta Ação PSF Programa de Saúde da Família PT Partido dos Trabalhadores RAS Rede de Atenção à Saúde REFORSUS Reforço à Reorganização do SUS RSB Reforma Sanitária Brasileira SGETS Secretaria da Gestão do Trabalho e Educação na Saúde SES Secretária Estadual de Saúde SESP Serviço Especial de Saúde Pública SNS Sistema Nacional de Saúde SUS Sistema Único de Saúde UNICEF United Nations Children’sFund /Fundo das Nações Unidas pela Infância USAID United States Agency for International Development/Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 11 1 CAPÍTULO I - AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO ESTADO ......................... 16 2 CAPÍTULO II - A INSERÇÃO DO ACS NA POLÍTICA DE SAÚDE: CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO DE SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO .................................. 27 2.1 As lutas populares e implicações na atuação dos Agentes de Saúde nos anos 1970/80......... 27 2.2 A conjuntura neoliberal brasileira e a institucionalização dos ACS nos anos 1990............... 39 2.3 A conjuntura neoliberal brasileira e a inserção dos ACS nos anos 2000 ............................... 48 3 CAPÍTULO III - A REORIENTAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO SOB ENFOQUE DA PROMOÇÃO DA SAÚDE E SAÚDE COLETIVA NO BRASIL ............. 57 3.1 Modelo de Atenção à Saúde e a APS: a questão da Promoção de Saúde............................... 57 3.2 ABS e as inflexões da RSB: ESF sob a perspectiva da Vigilância em Saúde ........................ 70 3.3 O papel social do ACS: a questão da mediação..................................................................81 4 CAPÍTULO IV - A CENTRALIDADE DO ACS NO MODELO DE ATENÇÃO A SAÚDE: A MEDIAÇÃO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE ...................................................... 92 4.1 O trabalho do ACS e o ideário da Promoção da Saúde ......................................................... 103 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 115 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 119 11 INTRODUÇÃO A Saúde da Família é considerada a estratégia da Atenção Básica a Saúde (ABS) com objetivo de substituir o modelo de atenção à saúde, tradicionalmente com enfoque biomédico. Os Agente Comunitário de Saúde (ACS), trabalhadores ligados exclusivamente à ABS, assume caráter “central” nesta perspectiva de atenção, por meio do exercício de mediação entre população e serviços de saúde. Ao longo do processo histórico da consolidação do seu trabalho, observam-se configurações específicas conforme orientações das políticas públicas de saúde, assim como na realização prática da mediação entre serviços de saúde e população, em determinadas conjunturas e locais. O processo da institucionalização do trabalho do agente de saúde, enquanto parte estruturante na proposta alternativa de modelo de atenção à saúde, data, principalmente, a partir da década de setenta. Esse tem em vista contribuir para ampliação da cobertura dos Cuidados Primários de Saúde diante do acirramento das desigualdades sociais e piora do quadro sanitário, por intermédio dos Projetos de Medicina Comunitária, Programas de Extensão de Cobertura (PECs) e Programa de Interiorização das Ações de Saúde (PIASS). No contexto do fim da ditadura militar e luta pela redemocratização no Brasil, a influência de militantes da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) contribuiu para formação de diversos movimentos populares ligados à saúde e para ações na prática voluntária das Pastorais Católicas com a perspectiva de luta pela saúde como direito social. Contudo, é na conjuntura dos anos noventa que ocorrerá expansão institucional desse trabalhador e que se consolidarão as principais características da sua atuação até os dias atuais, distanciando-se da mediação exercida na década anterior. Apesar da conquista política nas definições dos princípios constitucionais em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), nos anos de 1990, tem em sua implementação sérias restrições financeiras. Conforme Viana e Dal Poz (1998), a crise da saúde nos anos noventa, devido subfinanciamento do setor, está aliada ao prognóstico de aumento de gastos com assistência, tendo em vista a transição demográfica (aumento da população adulta/idosa) e epidemiológica (aumento da demanda por serviços de saúde, relacionadas as doenças crônicas-degenerativas). Este diagnóstico, respaldado no âmbito dos relatórios das agências internacionais (BM/OMS/OPAS), orienta as reformas incrementais no sistema de atenção à saúde do Brasil, principalmente a partir de 1995, através de um conjunto de modificações no desenho e operacionalização da política de saúde. As mudanças ocorridas nas formas de organização dos serviços, modalidades de alocação de recursos e formas de remuneração das 12 ações de saúde e modelo de prestação de serviço (modelo de atenção à saúde), se manifestam através da implementação do Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Segundo os autores, o PSF/PACS representam a reforma incremental no sistema de saúde brasileiro, operada principalmente através da indução financeira da Norma Operacional Básica (NOB/96). O período de implementação do SUS e, fomento a reorientação do modelo de atenção, é marcado pela intensificação dos ajustes fiscais macroestrutural no âmbito do Estado, auge do período neoliberal brasileiro. Nesse sentido, a Reforma Administrativa do Estado (1995) redefine os papéis de atuação e organização do setor público, representando grande retrocesso nas conquistas das politicas publicas sociais, assim como, no aumento da precarização do trabalho em saúde. A expansão de cuidados em saúde pelo PSF, trazem à tona questões relacionadas ao equacionamento das ações de saúde e gastos por parte do setor público, conforme proposição da agenda global de saúde pelas agências internacionais; assim como, a busca da consolidação da ABS como estratégia de reorientação do modelo de atenção, pelos princípios constitucionais do SUS (universalidade, integralidade, equidade, descentralização, regionalização e participação popular), tendo em vista a convergência política na urgência da descentralização/ municipalização das ações de saúde. Para além da diretriz descentralizadora do sistema de atenção, há também, no discurso de reorientação do modelo de atenção, o interesse comum de representações políticas, no âmbito das definições e formulações das políticas institucionais, no que tange à mudança na prática sanitária com priorização das ações de promoção e prevenção a saúde. Identifica-se ampla indução financeira para expansão da cobertura da ABS, buscando consolidar e qualificar a ESF, viabilizados por convênios entre gestão municipal do sistema de saúde e Ministério da Saúde, a partir de projetos de reestruturação do sistema de saúde no Brasil, tais como: REFORSUS (1996-2003) e PROESF I (2003-2007) e II (2009-2013). (BRASIL, 2012b). A reorientação do modelo de atenção da ABS brasileira, conforme Paim (2008), seguiu a proposta da Vigilância em Saúde, com incorporação da organização do processo de trabalho em base territorial e atuação contínua sobre o processo saúde-doença, articulado à intervenção sobre os determinantes sócioambientais, se estabelecendo enquanto nova reflexão sobre Promoção da Saúde e ‘qualidade de vida’. Esta reorientação se configura a partir da Vigilância em Saúde articulada às ações de Promoção da Saúde, com espaço privilegiado na ESF. 13 As proposições no âmbito da Vigilância em Saúde se manifestam a partir de distintas vertentes, em que a atuação no território é estratégica para reorganização na integração institucional dos sistemas de vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental; ou para reorganização da atenção, por meio da análise da situação de saúde para fins de monitorização, cálculo interpretativo e recomendações normativas; ou para mudança da práxis sanitária conforme princípios constitucionais do SUS. Segundo Paim (2003b, p. 577) as visões restritas à integração institucional e à análise da situação de saúde “(...) empobrecem a vigilância da saúde por subestimarem a pertinência de redefinição de práticas sanitárias destinadas a controlar determinantes, riscos e danos, sobretudo no nível local.”. Considerando as diretrizes do movimento internacional da Promoção de Saúde, na Carta de Ottawa (1986), tais como: mediação, educação em saúde, organização comunitária, intersetorialidade e reorientação da atenção à saúde; articuladas ao trabalho pela Vigilância em Saúde, pode-se inferir que o trabalho no território, com alta capilarização dos serviços de saúde e proximidade na identificação das necessidades de saúde da população, representa o caráter central da ESF/ABS. O Brasil se torna signatário da Conferência Internacional de Promoção da Saúde de Santa Fé de Bogotá na Colômbia (1992) discussão sobre a temática com e para os países da América Latina. A discussão de Bogotá (1992) referencia as diretrizes da Carta de Ottawa (1986), contudo indicam ações mais próximas de monitoramento de riscos, de repasse de informações, de reforço à autonomia e de participação “ativa” da população. Observa-se adesão de tais elementos no Brasil nas atividades desenvolvidas na ESF, apontando para um esforço preventivo no controle de riscos no âmbito local. Entretanto, segundo a Política Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL, 2010 p. 10): No SUS, a estratégia de promoção da saúde é retomada como uma possibilidade de enfocar os aspectos que determinam o processo saúde- adoecimento em nosso País – como, por exemplo: violência, desemprego, subemprego, falta de saneamento básico, habitação inadequada e/ou ausente, dificuldade de acesso à educação, fome, urbanização desordenada, qualidade do ar e da água ameaçada e deteriorada; e potencializam formas mais amplas de intervir em saúde. O ACS é considerado figura “central” para atender a diferentes perspectivas da prática sanitária e reorientação do modelo de atenção pela ESF/ABS voltadas para Promoção da Saúde. A regulamentação do exercício profissional do ACS, nº 11.350/2006 (Brasil, 2006) e a própria portaria nº 2.488/2011 (Brasil, 2012a) citam como principais atribuições dos ACS a prevenção de doenças, a promoção da saúde por intermédio de atividades individuais e coletivas, o desenvolvimento de ações educativas e o incentivo à participação popular na 14 busca da promoção da ‘qualidade de vida’. Destacam-se as ações direcionadas, em sua grande maioria, para a dimensão de risco por fatores isolados ou situações (risco ambiental, sanitário e social), eixo central a ser controlado, monitorado e prevenido no âmbito local. Em outra perspectiva, o trabalho do ACS é considerado de suma importância na atuação pela saúde enquanto direito social. A participação anterior nos movimentos populares pela saúde, assim como sua mobilização enquanto categoria profissional na luta por direitos trabalhistas (à exemplo das conquistas da lei 10.507/2002, instituição da profissão e exigência de formação profissional mínima) apontam para a possibilidade de uma mediação transformadora do ACS (Borstein, 2009). Essa compreensão se aproxima da intervenção na saúde, conforme princípios constitucionais do SUS. Tendo em vista que a configuração do papel deste trabalhador manifesta a disputa dos sentidos atribuídos ao seu objeto de atuação e a respectiva organização da sua intervenção pelas políticas de saúde, recorremos à pesquisa documental e à análise de dados de fontes primárias e secundárias oficiais, assim como à literatura relacionada à temática do trabalho do ACS e a Promoção da Saúde, buscando responder a seguinte questão: Como a Promoção de Saúde, enquanto centralidade da atuação do ACS, é compreendida na literatura e orientação institucional para reorientação do modelo de atenção à saúde? A pesquisa tem como objetivo analisar os sentidos acerca da prática sanitária no papel do ACS, mediadas pelo ideário da Promoção de Saúde, para viabilização da reorientação do modelo de atenção e suas respectivas tendências na ESF/ABS. Procura-se compreender a inserção do trabalho do ACS na ESF/ABS, visto que tais ações apontam para seu caráter central na expansão/descentralização dos Cuidados Primários em Saúde e para a ‘mudança’ na prática sanitária. Trata-se, portanto, de considerar o papel do ACS na conformação do modelo assistencial, definido atualmente pela portaria nº 2.488/2011. O estudo parte do referencial teórico do materialismo histórico e dialético, considerando a inserção do trabalho em saúde no conjunto de relações sociais contraditórias, estruturada a partir da totalidade social de acordo com o movimento dinâmico e específico, em cada conjuntura histórica, do modo de produção da sociedade. Dessa forma, entendem-se as definições da política de saúde concernentes à lógica da organização, da estrutura e do estabelecimento das políticas públicas sociais do Estado capitalista. Isto é, as ações do Estado, sob o fio condutor de suas funções econômicas, resultam de um equilíbrio instável da correlação de forças entre interesses em disputa, de classes e frações de classe, em sua articulação e concessão política para manutenção/reprodução da ordem social vigente. (POULANTZAS, 2000). 15 Quanto à estrutura da dissertação, o primeiro capítulo tem como objetivo situar a perspectiva da abordagem teórico-metodológica deste estudo. Busca-se apresentar a discussão da política da saúde e sua caracterização enquanto política pública social, recorrendo a autores que situam a discussão na perspectiva da teoria crítica social, pelo viés marxista do Estado Capitalista e a configuração do campo da saúde como arena de disputa entre os interesses na manutenção da ordem social vigente e a luta de classes. O segundo capítulo tem como intenção situar histórico e politicamente a configuração da atuação dos ACS no âmbito das políticas de saúde no contexto econômico e social da institucionalização deste trabalhador, a partir dos Programas de Extensão de Cobertura (PECs), do Programa de Interiorização das Ações de Saúde (PIASS), dos Projetos da Medicina Comunitária, do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa de Saúde da Família (PSF). Assim como, o trabalho dos agentes de saúde ligados às Pastorais da Igreja Católica e aos Movimentos Populares de Saúde (MOPS), em suas respectivas conjunturas históricas. No terceiro capítulo, encontram-se a discussão da reorientação do modelo de atenção à saúde, a luz dos referenciais teóricos da Saúde Coletiva, pela Vigilância em Saúde e das orientações técnicas das agências internacionais sobre a Promoção da Saúde, relacionadas a prática sanitária na Atenção Básica à Saúde (ABS) e na Estratégia da Saúde da Família (ESF). No quarto capítulo é discutida a configuração da centralidade da atuação e atribuições do ACS na ESF/ABS, e suas respectivas compreensões no âmbito da produção científica, mediada pelo ideário da Promoção de Saúde. Por último, o quinto capítulo será dedicado às conclusões e considerações finais. 16 1 CAPÍTULO I - AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO ESTADO O campo da saúde, assim como o das outras políticas públicas sociais, está historicamente relacionado às definições prioritárias da política econômica do Estado na ordem social correspondente. Entende-se “desenvolvimento econômico”, nessa ordem social, como expressão do padrão de acumulação da classe empresarial, a partir da exploração da força de trabalho, fato que segrega as condições de reprodução social em classes desiguais. Nesta perspectiva, o Estado Capitalista é um estado de classe, assim definido por Lênin: “Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma "ordem" que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes.”. (LENIN, 2011 p. 38). Diante da complexidade em que é exercida a dominação de classe na época do capitalismo “organizado” nos países imperialistas, o Estado capitalista, na concepção de Gramsci, é entendido como expressão política da economia traduzida na relação de unidade dialética entre coerção (sociedade política, caracterizada pela superestrutura política do aparelho de Estado, jurídica e militar) e consenso (sociedade civil, a partir de aparelhos ideológicos privados de hegemonia, tais como: organizações privadas, escola, igreja, partidos, etc.). A compreensão do Estado como instrumento de dominação consensual, supõe a utilização do aparato jurídico-legal como dispositivo coercitivo de disciplinamento associado à sociedade civil que, por meio de seus aparelhos privados de hegemonia, difundem valores e ideologias da classe dominante. Sem essa suposição não se consegue identificar a sutileza da estratégia de coerção e consenso nas relações de dominação. (LIGUORI, 2007; NEVES, 2005). Poulantzas (2000) advoga a necessidade da análise das formas específicas assumidas pelo Estado em determinada conjuntura histórica, visto as diversas mediações e determinações em que a inscrição das lutas, entre e intra classes, manifesta na sua materialidade concreta. Isto é, a aparelhagem do Estado apresenta, na sua estrutura e organização, metamorfoses ao longo do processo histórico, em decorrência da dominação política exercida nas relações sociais de classe. Dessa forma, o Estado Capitalista apresenta um equilíbrio instável entre as alianças de poder, por concessões e negociações de interesses específicos entre as frações da classe dominante, assim como por compromissos e concessões com a classe ou frações da classe dominada. No entanto, podemos observar a preponderância de interesses e da manutenção das relações de dominação, a longo prazo, do coletivo capitalista; ou seja, a estrutura, a organização e o estabelecimento de políticas estatais, 17 resultante do equilíbrio instável, demonstra contradições e fissuras, que, no entanto, corroboram para a manutenção dessa hegemonia. (POULANTZAS, 2000). Para o autor, as ações do Estado têm como fio condutor suas funções econômicas para manutenção e para reprodução ampliada do capital, mediante a articulação à política na definição dos seus espaços, de acordo com fases e estágios do capitalismo. O conjunto de operações desempenhadas pelo Estado organizado a partir de sua função econômica, tem seu mecanismo expresso, além do favorecimento à acumulação do capital, os compromissos e as estratégias políticas conduzidas no interior de sua aparelhagem com as classes e frações de classe. Segundo Poulantzas (2000), demonstra dialeticamente o componente político das intervenções, incidindo diretamente no balizamento dos aspectos políticos-ideológicos também para manutenção da hegemonia da ordem social vigente. As condições objetivas de vida da maioria da população, determinadas pelo processo contraditório das relações sociais do modo de produção capitalista, trazem à tona questões concretas relacionadas à ‘qualidade de vida’ e à saúde dos trabalhadores. Dessa forma, o Estado contribui para uma relativa e limitada melhoria na ‘qualidade de vida’ da força de trabalho, com vistas a garantia da manutenção e reprodução capitalista em longo prazo. O Estado absorve as demandas urgentes e concretas da classe popular, advindas da própria condição de mercado, no intuito de obter um consenso e conter possíveis contestações dessa classe em condição de extrema pobreza. Partindo desse pressuposto, o “investimento”, por parte do Estado, na área social proporciona, segundo Neves & Pronko (2009, p. 9), “(...) ações rentáveis e não rentáveis para o capital, desde que favoreçam a reprodução do conjunto do capital social, incluindo-se nesse universo a reprodução e gestão ampliada da força de trabalho.”. As políticas públicas sociais, em sua materialidade, manifestam as principais características das relações sociais do modo de produção capitalista contemporâneo, pautam- se, principalmente, por pressupostos ideológicos liberal/neoliberal, sendo eminente, por essa compreensão, a naturalização das desigualdades sociais como forma positiva de estimular a concorrência para o “desenvolvimento econômico e social”. Nesse sentido, a proteção social, em seu processo histórico evolutivo, é marcada pelo viés assistencialista, característico do mecanismo compensatório necessário às demandas excludentes do modo de produção capitalista, promovendo as condições gerais de reprodução da força de trabalho. A configuração específica do sistema de atenção à saúde materializa uma disputa sobre a direção do Estado, em função dos interesses de classe e frações de classe, conforme movimentos ocorridos em determinadas conjunturas históricas e localidades específicas. A 18 atenção à saúde expressa as complexas e dinâmicas estratégias estatais de manutenção da ordem social, principalmente na organização das instituições de saúde e na formação e ocupação dos profissionais da mesma área. Segundo Waitzkin (2010) no âmbito da disputa nas formulações das políticas públicas de saúde no Estado Capitalista, manifestam-se, do lado do setor privado: as empresas de convênio, a indústria farmacêutica e de equipamentos médicos e as corporações profissionais; e, do lado da classe dominada: a organização da classe trabalhadora, representada por organizações sindicais, associações profissionais, movimentos populares, entre outros. Recomendações para políticas de saúde refletem os objetivos econômicos e políticos de diversos grupos de interesse. A intervenção do estado no atendimento de saúde geralmente protege o sistema econômico capitalista e o setor privado. A ideologia médica ajuda a manter a estrutura de classes e os padrões de dominação existentes. Pesquisas comparativas internacionais analisam os efeitos do imperialismo, transformações sob o socialismo e contradições da reforma da saúde nas sociedades capitalistas. (WAITZKIN, 2010 p. 4). Conforme Waitzkin (2010), por um lado, as funções do aparelho estatal têm aumentado em âmbito e complexidade no campo das políticas públicas de saúde relacionadas à legitimação do sistema econômico. Uma primeira atuação tem direcionamento à expansão do investimento nos serviços em momentos de protestos sociais, por meio de reformas incrementais de maneira a assegurar o atendimento mínimo das ações em saúde para a população. A segunda função, e principal, está ligada ao reforço e à proteção mais direta do setor privado na área da saúde, mediante a participação de instituições coorporativas (em coletas de dados, administração de pagamentos e contabilidade) em iniciativas de manutenção das organizações de saúde e forte investimento no desenvolvimento de programas e de protocolos de treinamentos profissionais, patrocinados pelo Estado. E por último, uma função mais sutil do Estado, o reforço ao paradigma biomédico científico, por intermédio de vultosos investimentos em pesquisas clínicas de agentes patológicos específicos e de seus respectivos tratamentos, em detrimento de modelos alternativos que possam ameaçar o sistema econômico capitalista. Em relação ao modelo biomédico, segundo Waitzkin (2010, p. 15): Pesquisas mais recentes, cuja análise enfatiza a importância do “modo de vida" individual como origem de doenças (14, 143, 144), têm recebido atenção especial das agências governamentais dos Estados Unidos e do Canadá (145, 146). Diferenças individuais de hábitos pessoais, é claro, afetam a saúde em todas as sociedades. Por outro lado, o argumento sobre o modo de vida, talvez mais do que a ênfase anterior em causas específicas obscurece importantes fontes de doenças e mutilações encontradas no processo de produção capitalista e no ambiente industrial; ele também coloca o fardo da saúde diretamente em cima do indivíduo, ao invés de buscar soluções coletivas para os problemas de saúde (147, 148). Por outro lado, o atendimento a saúde envolve uma prática sanitária permeada por contradições no cotidiano do trabalho dos seus profissionais. O trabalhador da área da saúde 19 convive com a reponsabilidade de atender, no nível individual e coletivo, problemas relacionados a padrões de determinação social. Esse fato promove grande dilema no atendimento as necessidades de saúde, principalmente quando restrito ao modelo biomédico curativo no âmbito da sociedade de classes. Nesse sentido, o pensamento no que se trata da prática sanitária envolve a reflexão quanto ao padrão de condicionamento da estrutura social de classes no surgimento de condições objetivas de vida opressivas, as quais influenciam diretamente no processo saúde-doença, assim como em propostas de reformas no sistema de atenção, com impacto progressista ou não nas necessidades de saúde. Ainda por esse sentido na prática sanitária, pode-se observar o engajamento de militantes da área na luta política relacionada à disputa do controle popular das organizações, pautando-se na perspectiva da saúde enquanto direito, criando alianças com a população para superação da ideologia médica na construção de modelos alternativos de atenção. (WAITZKIN, 2010). A ação do Estado na prática médica diz respeito às determinações em sua inserção na totalidade social, como determinante e determinada, sob três aspectos: reprodução e manutenção da força de trabalho, como demanda econômico-social, condicionando determinadas formas de prestação da assistência e da organização social da prática médica para valorização do capital; a subordinação da prática e da organização social da medicina aos setores industriais a ela vinculados, visto que no consumo da prática médica se realizam as mercadorias1, impulsionados pela lógica curativa e biomédica individualizante da atenção à saúde; e, por último, a determinação da organização da prática médica no contexto da luta de classes, em que o poder atribuído a medicina exercita atividade política-ideológica de medicalização da sociedade, remetendo problemas da ordem social ao individual e biológico. (TEIXEIRA, 1980). Historicamente, as definições da atenção à saúde estão relacionadas aos interesses em disputa, conforme a conjuntura política e econômica em cada sociedade. Nesse sentido, segundo Silva Júnior (2006), desde o século XVIII e XIX na Europa e Estados Unidos, as autoridades sanitárias mobilizavam mecanismos administrativos para sanar os problemas de 1 Donnangelo (1979), refere que o caráter especializado e fragmentado da atenção a saúde, em sua concepção biologicista/hospitalocêntrica, indica o campo de tensões referente à reprodução do capital na saúde, buscando, portanto, formas de conciliação das tendências internas da prática médica (especialização técnica com seus custos) e a necessária manutenção de níveis de consumo dos produtos (atos terapêuticos médicos). Dessa forma, diversas reorganizações da prática médica se tornam necessárias, de acordo com o contexto social e produção de serviços de saúde concreta, tendo em vista amenizar a contradição entre o custo do ato terapêutico e a necessidade de extensão de cobertura. Segundo a autora, existem variadas conciliações por meio da participação estatal da produção na área da saúde, logrando garantir uma maior incorporação de necessidades e a manutenção da estrutura predominante de atenção médica. Dentre estas reformas médicas encontram-se a Medicina Integral, Preventiva e a Comunitária, as quais se estabelecem enquanto medidas racionalizadoras de extensão na cobertura de ações para a população empobrecida. 20 epidemias e “higienizar” as cidades, visando não interromper os fluxos econômicos e sanear o ambiente social urbano, frente às aglomerações humanas em condições precárias de vida. Os Estados nacionais se organizaram no sentido de prevenir e controlar doenças nas coletividades, considerando a necessidade de manutenção da reprodução da força de trabalho, no sentido estratégico de consolidação do processo de industrialização da economia das nações. Ao final do século XVIII, há descobertas e contribuições no campo da biologia e microbiologia (Pasteur e Koch) e sua associação com as doenças, contrapondo-se às correntes teóricas miasmática e da determinação social (Medicina Social Europeia) na saúde pública. Esse modelo de atenção (biomédico) apresenta os laboratórios e os hospitais como instituições estratégicas no conhecimento das etiologias das doenças e o tratamento e cura por meio das descobertas de medicamentos. Conforme o autor, os avanços no campo biomédico nos séculos XIX e XX proporcionaram o aumento da indústria de equipamentos médicos, a produção de medicamentos e o investimento na pesquisa e no ensino médico, processo sistematizado no Relatório Flexner (1910), que recomendou suas propostas para ensino e para pesquisa à Associação Médica Americana e à indústria farmacêutica. No modelo de atenção biomédico, destacam-se as características que valorizam a causalidade das doenças por agentes biológicos, obscurecendo ou mesmo ignorando as causas político-econômicas do modo de produção na determinação social dos agravos. Isso ocorre tanto na saúde pública (epidemiologia), quanto na assistência médica liberal, representado pela concepção de saúde da História Natural das Doenças de Leavell e Clarck. A estrutura de organização dessa prática, associada à industrialização das sociedades, passa a ser conduzida pela lógica de mercado, priorizando a lucratividade na atenção à saúde, em detrimento dos interesses coletivos de proteção, promoção e recuperação da saúde da maioria da população. Entretanto, sua racionalidade e custos progressivos excluem e servem de barreira ao acesso universal da grande parcela da população empobrecida, que mais necessita dos serviços de saúde. Essa medicina se incorporou ao desenvolvimento do sistema capitalista monopolista, exercendo um papel importante na reprodução da força de trabalho, no aumento da produtividade e na reprodução da ideologia capitalista, legitimando-a. Incrementou papel “normatizador” da sociedade, “medicalizando” seus problemas sociais e político. Também abriu um “novo mercado”, o de consumo das “práticas médicas” e de “saúde”. (SILVA JÚNIOR, 2006 p. 47/48). A seletividade de atenção pelo modelo biomédico, tendo em vista sua característica mercantil, dificultou a função legitimadora do Estado na garantia das condições gerais de reprodução da força de trabalho. Para superar essas limitações, dirigentes públicos encaminharam reformas no sistema de saúde. Assim, tendo em vista a oferta universal da 21 assistência, surgem as propostas dos Cuidados Primários de Saúde por estudos da Universidade John Hopkins nos Estados Unidos da América (EUA), em 1910, e da Atenção Primária à Saúde (APS) formulada no Relatório Dawson, em 1920 na Inglaterra. Na Inglaterra, as propostas do Relatório Dawson indicam a intervenção estatal para organização regionalizada dos serviços de saúde em níveis de atenção, em que o nível primário corresponderia a ‘porta de entrada’ do sistema de saúde. Tendo oferta de serviços por médicos generalistas para famílias em regiões específicas, articulada ao nível secundário (especialidades médicas) e terciário (hospitalar). Nos EUA, os serviços de saúde pública a partir dos Cuidados Primários de Saúde desenvolveram-se em regiões delimitadas, com ações de cunho preventivo (assistência ao pré-natal, à puericultura, à tuberculose, entre outros) e campanhista (controle de vetores, saneamento, imunização). Em relação à assistência médica seguiu os serviços privados de atenção especializada e hospitalar. Esse último foi exportado para os países da África, Ásia e América Latina pelo intermédio da Fundação Rockefeller. (SILVA JÚNIOR, 2006) A crise econômica da década de 1930 e as pressões das massas trabalhadoras na Europa conduziram ao desenvolvimento das ações que configuraram o campo do Estado de Bem Estar Social, uma resposta conservadora à “ameaça socialista” (Navarro, 1974 apud Silva Júnior, 2006), decorrente da expansão do socialismo na URSS após a II Guerra Mundial. Nesse contexto, há o reconhecimento pelo Estado da saúde enquanto direito universal, sendo organizado o Sistema Nacional de Saúde com implementação das propostas do Relatório Dawson, a partir do Plano Beveridge em 1940. Segundo Silva Júnior (2006), nos países socialistas tais propostas foram incorporadas com lógicas políticas distintas, sendo possível levar a estratégia de assistência médica para toda a população pela óptica integral da oferta dos serviços e das ações de saúde. Já nos países capitalistas, os Cuidados Primários surgem como prática complementar à prática biomédica assistencial, oferecida aos contingentes excluídos do processo de medicalização, como mais uma fonte de acumulação a partir de recursos dos estatais. Nesse sentido, apesar da proposta de atenção universal: Mesmo em países como a Inglaterra, na qual o Estado possui 90% das opções de consumo das ‘mercadorias da saúde’, a indústria impõe o poder de seu monopólio e influencia fortemente a tendência dos gastos em saúde ao estabelecer os preços de produtos farmacêuticos a serem comprados pelo sistema de saúde inglês. (SARGENT, 1985 apud SILVA JÚNIOR, 2006 p. 57) A discussão da prática sanitária pela medicina preventiva se inicia ao final da década de 1960 pelas escolas médicas norte-americanas, como ‘nova’ forma de pensar e de intervir na saúde frente às distorções causadas pela excessiva especialização, fragmentação e alto 22 custo da atenção biomédica. Pautada no pressuposto da história natural das doenças de Leavell e Clarck, a medicina preventiva relaciona o processo saúde-doença à multicausalidade por meio do conhecimento biomédico dos agentes patológicos e de sua relação com o ambiente social simplificado. Propõe a atenção à saúde a partir de atitudes preventivas em diferentes fatores causais fragmentados, descolados da sua relação explicativa no contexto social e histórico, indicando cinco níveis de intervenção: promoção, proteção, diagnóstico precoce, limitação do dano e reabilitação. Esse pressuposto possibilita pensar o diagrama de atenção por duas formas preventivas essenciais no processo saúde-doença: por intermédio de medidas específicas (proteção à saúde) e de inespecíficas (promoção de saúde). A promoção de saúde, por essa perspectiva, é concebida como nível primário de intervenção preventiva, por meio de medidas inespecíficas de educação sanitária, sexual, padrão de alimentação, entre outras, para aumentar a saúde e o bem-estar gerais. (PAIM, 2003; AROUCA 2003). O modelo de atenção da Medicina Comunitária2 nos EUA foi implantado com objetivo de “integrar” os marginalizados da sociedade americana, como parte do plano da “guerra contra pobreza” do governo norte americano nos anos de 1960. Esse modelo alternativo de atenção à saúde, associado à prática sanitária preventivista, expandiu-se recorrendo a programas financiados por fundações filantrópicas americanas como nova racionalidade teórico-ideológica do trabalho em saúde nos países dependentes. (SILVA JÚNIOR, 2006). A inspiração predominante [medicina preventivista] é identificada em fontes relacionadas com as ideologias da medicina como profissão liberal e surge em resposta às exigências resultantes de mudanças no sistema social como elemento com tendência a favorecer a manutenção da ordem existente no campo da saúde, da atenção médica e da organização profissional. (AROUCA, 2003 p. 148). Segundo Teixeira (1980), em meados do século XX, o setor de saúde no Estado se amplia com objetivo de contribuir para o “desenvolvimento econômico e social”. É dessa forma que a “questão social” passa a ser parte do projeto de hegemonia da classe burguesa. O Estado responsabiliza-se pelas ações de caráter coletivo da saúde pública e pela atuação direta na prática médica. Na reflexão de Andrade (1982), o Estado no Brasil, para além da garantia da reprodução da força de trabalho, confere relativa normalização das relações sociais com intervenção das políticas públicas sociais, na medida do limite que não interfira nos principais 2Silva Júnior (2006) entende a Medicina Comunitária como modelo de atenção à saúde alternativa, à Medicina Científica (biomédica), conhecido também como Cuidados Primários de Saúde, Medicina Simplificada, Programas de Extensão de Cobertura; correspondendo à proposta da Teoria Gerencialista (racionalizadora): “(...) de um modelo mais racional, mais produtivo, de menor custo e mais abrangente em cobertura; esse modelo tem ainda um discurso de incorporação das massas desassistidas e a participação popular.” (SILVA JÚNIOR, 2006). 23 objetivos econômicos do capital. Dessa forma, as definições das políticas da saúde estão atravessadas pela resposta a correlações de forças específicas no âmbito da disputa de interesses no interior do Estado Capitalista brasileiro em diferentes contextos históricos e políticos. A organização e direcionamento das políticas de saúde respondem ao interesse de reprodução ampliada do capitalismo, mas não sem a pressão da classe trabalhadora na resistência e mobilização pela ampliação da proteção social. Entretanto, ao incorporar as necessidades da classe trabalhadora em suas definições, demonstram seu caráter dialético de balizamento das questões político-ideológicas na produção de consenso (normalização) e manutenção da ordem social. (POULANTZAS, 2000; ANDRADE, 1982). No Brasil as ações no campo da saúde tem sua base na formação da Previdência, com assimilação e centralização pelo Estado das medidas de regulação, de assistência médica e de benefícios previdenciários, do seguro social das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), a partir de 1930. A criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAPs), em 1933, transporta a estrutura previdenciária da sociedade civil para o aparelho do Estado, que mediante o controle progressivo da gestão das instituições e mudança no financiamento (incluindo a participação da União), centralizou recursos e tornou-se poderoso mecanismo de acumulação estatal, viabilizando o projeto político econômico desenvolvimentista brasileiro. Contudo, isso se deu a partir da “contenção de gastos” na rede própria de serviços e da contratação de serviços de terceiros, por intermédio de convênios com hospitais, com clínicas e com profissionais autônomos, constituindo o início do complexo previdenciário de assistência médica. A estruturação dos serviços e investimento na assistência médica previdenciária pelo Estado expande-se progressivamente após 1945 e mais fortemente no início da década de 1960, tendo em vista aumentar a base política popular e recuperar a massa urbana trabalhadora, sem alterar, contudo, as bases de convênios com instituições privadas na prestação dos serviços. Diante da extensa lista de realizações na área da previdência, com promoção de programas assistenciais e aumento da amplitude dos benefícios dos riscos cobertos, alia-se à crise financeira do Estado no contexto de agravamento da luta de classes que demarcou o governo João Goulart (1961-64). A unificação da Previdência Social, no início do regime militar, caracteriza o modelo previdenciário como parte da forma de acumulação de capital do período por meio da intensificação da exploração do trabalho (política de “arrocho salarial”). Observa-se ampliação qualitativa das políticas sociais como mecanismo de diminuição da tensão social. (TEIXEIRA, 1980). Os modelos assistenciais de saúde no Brasil, historicamente, são caracterizados pela dualidade de atenção. Por um lado, tem-se a tradição autoritária sanitarista/campanhista de 24 saúde pública para controle de epidemias/endemias a nível populacional; por outro lado, a atenção médico previdenciário e liberal, para atendimento individual curativista/ hospitalocêntrico. Em ambos os lados da atenção à saúde brasileira, estamos diante da forma de compreensão hegemônica da saúde, enquanto ausência de doença e da sua respectiva atenção biomédica, privilegiando a manutenção e reprodução social necessárias da força de trabalho. O aumento da massa trabalhadora urbana brasileira, a partir dos anos de 1930, promoveu a expansão do formato institucional da política de saúde, favorecendo, principalmente, a assistência médica individual previdenciária para responder à recuperação da crescente força de trabalho assalariada na indústria brasileira. Dessa forma, deixando a saúde pública em segundo plano, com as ações coletivas (campanhas, programas de atenção pautados na vigilância epidemiológica e sanitária) para criar condições sanitárias mínimas de sobrevivência da população urbana e rural. (RIZZOTO, 2013; FAUSTO e MATTA, 2007). Os agentes de saúde aparecem com diferentes expressões em contextos históricos e localidades específicas, mas ligados essencialmente à ideia da mediação entre a população e as intervenções no que tange a saúde pública. Ao serem institucionalizados, assumem papéis em consonância com a necessidade de extensão de cobertura da assistência pelos Cuidados Primários da Saúde. Este trabalhador desempenha o papel de mediador entre os serviços de saúde voltados para o controle sanitário da população e a própria população trabalhadora que aspira a resolver seus problemas de saúde e a melhorar suas condições de vida. A mediação pode apontar mais para o controle sanitário, reprodução da ordem social capitalista; ou para o enfrentamento de problemas relacionados aos fatores ligados às condições de vida, servindo à luta por direitos. Nesse sentido, torna-se necessário o resgate de algumas das características anteriores das ações de saúde pública, visto sua influência na definição da atuação dos agentes de saúde. Em 1942, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) e os Programas de Extensão de Cobertura (PECs) pelo Decreto-Lei nº 4.275, durante a 2ª Guerra Mundial, por convênio do governo brasileiro com o americano. Esses programas tinham como objetivo a prevenção, a investigação e a assistência médico-sanitária aos trabalhadores inseridos em atividades de exploração da borracha e do minério de ferro, tendo em vista garantir os interesses de aquisição de matéria-prima pelos Estados Unidos. Os PECs são considerados “laboratórios” para a configuração do processo de trabalhado dos agentes de saúde. A SESP, na década de 60, torna-se Fundação SESP (FSESP) a partir de sua vinculação ao Ministério da Saúde pela Lei nº 3.750/1960, expandindo suas atividades. A FSESP foi responsável durante 30 anos por diversos programas de extensão de cobertura de atenção à saúde, calcado 25 na perspectiva focalizada de assistência. Nesse período, as ações de saúde pública da FSESP pressupunham a prática de controle sanitário para utilização em grandes massas, portanto sendo necessário o aumento da cobertura a partir de trabalhadores auxiliares. Esses agentes, denominados visitadores sanitários, eram responsáveis pelo atendimento da população residente de determinada localidade na ‘unidade sanitária’, sob supervisão do enfermeiro e mediante protocolos estabelecidos para atender a gestantes e a crianças de baixo risco. (SILVA E DALMASO, 2002). O agente se vinculava à assistência à saúde pública, sendo responsável pelo exercício de ações simples em saúde para manutenção e reprodução da força de trabalho em áreas estratégicas e empobrecidas. Estava, contudo, subordinado à organização social da prática médica, aos interesses dos setores empresariais da área da saúde e à tarefa de reprodução da ideologia medicalizante na sociedade. Por outro lado, a experiência histórica e as condições concretas da realidade vivida, que sustentam as ações dos agentes de saúde de certa forma, integraram-se na conjuntura dos anos 1970/1980 e ganharam contorno em movimentos sociais na luta pela saúde enquanto direito social. Ao longo do processo de institucionalização, a atuação do agente de saúde demonstra a tensão produzida entre sua interface ‘comunitária’ e a intencionalidade dos serviços de saúde. De acordo com Stotz et. al. (2009), as tensões e as disputas em torno dos sentidos da atuação dos agentes podem ser compreendidas à luz da trajetória histórico-política da consolidação do seu processo de trabalho, no âmbito das delimitações das políticas públicas de saúde, assim como no contexto político social de sua localidade de trabalho. É o que tentaremos demonstrar ao resgatar, na primeira parte deste capítulo, o contexto econômico, político e social da implementação da atuação dos agentes de saúde. Já na segunda parte, buscaremos resgatar o discurso das orientações das políticas de saúde, especialmente o da Promoção da Saúde, como ideário mediador da atuação/inserção do ACS no âmbito do ABS/ESF e seus sentidos em disputa. 26 2 CAPÍTULO II - A INSERÇÃO DO ACS NA POLÍTICA DE SAÚDE: CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO DE SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO 2.1 As lutas populares e implicações na atuação dos Agentes de Saúde nos anos 1970/80 Nos anos de 1970/1980, a participação dos agentes de saúde nos projetos de Medicina Comunitária e na organização popular em torno da luta pelo direito à saúde no Brasil é considerada marco de referência para delineamento do seu trabalho. 3 Nesse período, o aumento da concentração populacional nos grandes centros em precárias condições de vida apontava, por um lado, as limitações das medidas sanitárias clássicas de saúde pública, para dar respostas ao controle das doenças das aglomerações urbanas e da pobreza; por outro, demonstrava a dificuldade do governo de oferecer assistência à saúde dos trabalhadores com carteira assinada por meio da Previdência, em função da crise financeira resultante da contradição entre a expansão da cobertura via compra de serviços no setor privado e a arrecadação das contribuições.4 A partir de 1974, a crise econômica nacional e internacional, aliada a uma nova onda de intervenção estatal sem mecanismos de negociação política no Estado, resultou na perda do apoio da classe média e de frações da classe empresarial, deflagrando a crise do regime militar. As respostas dadas pelo regime militar à crise irão no sentido da diminuição da tensão social e da reaproximação das classes dominantes, promovendo, respectivamente, concessões sociais e reativação gradual da participação da sociedade civil. A “questão social” se coloca como prioridade a partir do governo Geisel, obtendo como marco o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), o qual irá possibilitar um conjunto de medidas reformistas na área social, especialmente no campo da saúde, na tentativa de recuperação da legitimidade do regime. O modelo de desenvolvimento adotado pela classe dominante brasileira nesse período 3 A conjuntura do regime militar brasileiro, a partir de 1964, é caracterizada por uma nova forma de hegemonia das classes dominantes, diante da rápida e contraditória expansão da acumulação capitalista burguesa. Partindo do pressuposto que a contradição entre capital e trabalho exacerba a exploração e deteriora as condições objetivas de vida dos trabalhadores, as forças ‘desagregadoras’ da ordem normalizada promoveram o desequilíbrio político, justificando, portanto, o caráter coercitivo ligado à política de controle de risco para proteção do tão pregado “desenvolvimento econômico e social”. (ANDRADE, 1982). 4 Teixeira (1980) refere como primeiro momento de desenvolvimento do complexo médico previdenciário a expansão do modelo de privilegiamento do setor privado no regime militar, entre 1967-1973, com as seguintes características: extensão da cobertura; orientação da política de saúde para assistência médica curativa/individual; reforço e expansão do complexo médico-industrial com alta taxa de acumulação do capital da indústria farmacêutica e de equipamentos; desenvolvimento de padrão organizativo da prática médica orientada para o lucro (capitalização da medicina – financiamento de hospitais, compra de serviços e convênios com empresas médicas); e molde de relacionamento com clientela capitalista, tipo de atendimento e cliente em termos lucrativos. 27 é questão importante para institucionalidade das políticas públicas sociais, na medida em que essas ordenam as relações sociais segundo a normalização de classe traduzida nas funções do Estado. Tal racionalidade envolve a assimilação técnica-política de quadro institucional para regularizar transferências reais (renda) dos segmentos melhor pagos para as camadas mais pobres das classes trabalhadoras, havendo, contudo, reconhecido aumento de investimento por parte do Estado brasileiro no setor de “produção de bens de consumo social”. Atendendo ao duplo caráter econômico e político/ideológico, as intervenções estatais de investimento na área da saúde realizam grande transferência de recursos para a iniciativa privada e, contraditoriamente, expansão do consumo coletivo dos bens de saúde, que são implementados de modo tecnocrático e de baixa qualidade. Apesar do rápido crescimento dos recursos no âmbito da proteção social, a ‘qualidade de vida’, entendida na perspectiva da concepção ampliada de saúde, não sofre grandes impactos, isto é, cresce o consumo coletivo e ainda mais as demandas sociais de atenção à saúde. Segundo Andrade (1982, p. 96): O modelo brasileiro de PS [Política Social] (que por sua vez reflete uma certa correlação de forças políticas, uma tradição histórica, modos de pensar, etc.) não seria implementado se não incorporasse o interesse social que implica a adesão, ainda que passiva, dos trabalhadores, e o interesse do capital, que carreia o apoio do empresariado. (...) [a política social] expressa a convergência de interesses, a integração é real.(...). Esse processo integrativo é viabilizado (no sentido forte) pela intromissão do Estado que atualiza sua potencialidade capitalista e atenua-lhe a natureza contraditória: o capital e o trabalho integram-se diretamente na esfera pública. Nessa mediação está o núcleo ideológico do estatismo brasileiro: no caso a mediação prática exibe com mais nitidez a mediação ideológica. Conforme Teixeira (1980), entre as estratégias utilizadas pelo governo militar para dar resposta à crise sanitária, frente à distorção do modelo liberal da assistência médica previdenciária, destacam-se: os mecanismos institucionais de correção e disciplinamento das diversas modalidades de prática médica: Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN); Plano de Pronta Ação (PPA), criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS); e, a tentativa de unificação da rede assistencial de saúde, o Sistema Nacional de Saúde (SNS). A criação do SNS viria ao encontro da necessidade de compatibilizar e de estruturar as ações dos diversos órgãos envolvidos na cobertura da saúde, tentando simultaneamente atender à filosofia e à prática da medicina liberal e promover medidas coletivas. Na análise da autora (1980, p. 102): “(...) a ênfase nas medidas coletivas de saúde em contexto de hegemonia da prática médica curativa parece estranha, até que entendemos que as medidas coletivas se destinam a conter a demanda não absorvida pela prática curativa.”. Além disso, diante da crescente demanda de serviços pela população, foi ampliado o setor conveniado de contratos. 28 Cabe destacar que o setor conveniado, nesse momento, expande-se para setores antes não priorizados como universidades, prefeituras e governos estaduais. A ênfase nesse setor desloca a forma de compra dos serviços privados (unidade de serviço realizado) para o privilegiamento das formas de pré-pagamento por contratos globais. Segundo Teixeira (1980, p. 101): Apesar do número pouco expressivo [naquele momento] dos convênios firmados com Universidades, Prefeituras e Governos Estaduais, isto não deve ocultar a importância que as Universidades e Secretarias de Saúde apresentam nesta perspectiva de expansão de cobertura via convênios globais. Isto porque é através da utilização da infra-estrutura já montada nessas instituições, seja ambulatorial, seja hospitalar, que efetivamente vão sendo incorporadas as novas demandas por assistência médica. O MPAS mantém a lógica da atenção médica previdenciária de compra de serviços privados por intermédio do Instituto Nacional de Assistência Médica (Inamps), enquanto, por outro lado, o MS investe nos Programas de Extensão de Cobertura (PECs) para correção das distorções do modelo de atenção à saúde biomédico especializado e na instituição SNS para organização da extensão da cobertura de saúde. A crise desse setor se expressava nas demandas da V Conferência Nacional de Saúde em 1975, indicando, segundo Pellegrini, Ramos e Ribeiro (1984), “(...) a ampliação da cobertura através da extensão da rede de serviços; a integração e regionalização de serviço; apoio ao desenvolvimento de formas simplificadas de atendimento; e a participação da população nos serviços que lhe são oferecidos”. (apud STOTZ, 2005, p. 14) A participação da população era entendida como maneira de responsabilizar as vítimas do descaso das políticas públicas sociais na utilização dos próprios recursos locais disponíveis para sua integração social ao “desenvolvimento econômico”. O discurso social do Governo Geisel face aos impasses econômicos e políticos do regime tomava corpo, então, no II PND. Estabeleceram-se novas estratégias de planejamento social e no caso do setor saúde tiveram início as chamadas políticas racionalizadoras. Tais políticas incorporavam a ideologia do planejamento de saúde, como parte de um projeto de reforma de cunho modernizante e autoritário. Esta foi a resposta do Estado brasileiro à crise sanitária no período do “milagre econômico”, seja em relação às dificuldades de acesso aos serviços de saúde, seja no que se refere às condições de saúde, como o aumento da mortalidade infantil, a epidemia dos acidentes de trabalho, o recrudescimento de endemias e a questão da meningite. (PAIM, 2008 p. 70). A proposta da Medicina Comunitária, articulada aos PECs, seria, neste momento, a alternativa de expansão de cobertura da saúde, por meio de convênios entre agências internacionais e Secretarias Estaduais de Saúde, assim como nos Departamentos de Medicina Preventiva das Faculdades de Medicina, financiados pelo Banco Mundial (BM), Fundação Rockfeller e Fundação Kellog, entre outros. Segundo Lima e Braga (2008), a proposta da 29 Medicina Comunitária foi integrada aos governos latino-americanos a partir da III Reunião Especial dos Ministros de Saúde das Américas, realizada em Santiago do Chile em 1972, pelas agências internacionais BM e Organização Pan Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS). Essa proposta tinha como fundamento a reorganização da assistência à saúde mediante os cuidados primários de saúde, com base na racionalização dos recursos e na expansão desses cuidados.5 Escorel (1995, p.132) destaca “três pilares institucionais” que contribuíram para a estruturação das reformas na área da saúde, com a inserção de membros técnicos ligados ao movimento sanitário: “(...) a FINEP, o setor da Saúde do CNRH/IPEA – Centro de Recursos Humanos do IPEA e o PPREPS/OPAS – Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde da OPAS.”. Houve aumento significativo de incentivo financeiro para elaboração de pesquisas e programas no campo da Saúde Coletiva, contrato de profissionais e articulação para desenvolvimento de alternativas de organização dos serviços e formação de recursos humanos. As universidades passaram a desenvolver experiências nos projetos de Medicina Comunitária financiados pelas agências internacionais, entre os principais: Projeto de atuação médica simplificada para área peri-urbana do Estado do Rio de Janeiro (Nova Iguaçu, RJ – Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)); Projeto de Medicina Comunitária de Londrina, Paraná (Universidade de Londrina em convênio com Prefeitura Municipal); Projeto de Saúde Comunitária da Universidade de Campinas, SP (Unicamp, financiado pela Fundação Kellog); Programa de Saúde Comunitária – Projeto Vitória (Universidade Federal de Pernambuco em Vitória de Santo Antão, PE); Projeto Vale da Ribeira (Universidade de São Paulo (USP) convênio com a Secretaria do Estado de São Paulo). (SANTOS, 1995). Destaca-se, nos Projetos de Medicina Comunitária, o Projeto Montes Claros (PMC), convênio com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Minas Gerais e financiado pela Usaid entre 1975 a 1977, como experiência acumulada de operacionalização e tentativa de 5 As propostas de planificação nos setores sociais e econômicos decorrem do “Programa da Aliança para o Progresso”, a partir de 1961, como parte da política norte-americana de apoio ao “desenvolvimento econômico e social” frente à “ameaça socialista” na América Latina, após Revolução Cubana em 1959. Os setores sociais são incorporados à planificação para o “desenvolvimento”, com apoio técnico e financiamento das agências internacionais: Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM). Na área da saúde, conforme Giovannela (1991, p. 29/30): “(...) estabelece objetivos e, por vezes, quantifica metas para o decênio próximo em relação a: taxas de mortalidade para certas idades e doenças preveníveis; saneamento e alimentação; organização dos serviços de saúde; planejamento de saúde. (...) A Organização Pan-Americana de Saúde — Opas — fica encarregada de avaliar os projetos elaborados, objetivando o alcance dessas metas, e de ser a fiadora destes frente às agências financiadoras. Cabia ainda à Opas a função de assessorar os países na elaboração de seus planos e de promover a formulação de procedimentos para o planejamento de saúde, pois faltava um método para a elaboração dos planos.” 30 desenvolvimento de reorientação do modelo de atenção numa perspectiva mais democrática. Conforme Escorel (1995), essa experiência passou a ser reconhecida como “bandeira de luta” do movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), por ter sido realizada, naquele momento, a capacidade de se ressignificar um projeto racionalizador para um projeto de “planejamento estratégico”. Nas palavras da autora (1995, p. 152): Através do Projeto Montes Claros o movimento sanitário também vivenciou a experiência da diretriz de participação comunitária. Essa idéia-força, sine qua non do ideário do movimento sanitário teve em Montes Claros algumas interpretações particulares que envolveram, desde a pressão pela descentralização administrativa, a criação de mecanismos colegiados representativos das equipes de saúde como “agentes formadores de consciência transformadora” até a articulação com as forças políticas locais (prefeitos e governadores). A formação dos “agentes formadores de consciência transformadora” é compreendida no âmbito da ‘participação comunitária’, com utilização de referenciais pedagógicos políticos críticos, a partir da incorporação da população no planejamento e decisão nos serviços de saúde e utilização dos “auxiliares de saúde” na extensão dos cuidados nessa área para as massas. As expectativas de democratização do projeto evidenciava a participação estratégica dos “auxiliares de saúde” como forma política de reflexão relacionada à contestação da ordem socioeconômica e como instrumento de organização comunitária. Segundo Vieira e Lima (1995, p. 74), a utilização desses trabalhadores foi interpretada de forma diferente pelos sujeitos envolvidos na proposta: “Para alguns, este profissional deveria ser o elo articulador de demandas e da organização popular. Para os próprios auxiliares, a ação transformadora foi identificada com sua capacidade de desenvolver práticas preventivas em saúde, onde a educação popular em saúde ganhou destaque.”. Em contrapartida, o PIASS foi criado em 1976 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Secretaria Geral do MS, em articulação financeira e programática com a Previdência Social e conveniada às SES. O programa tinha como finalidade desenvolver atividades e implantar serviços básicos de saúde para melhoria do nível de saúde da população, por meio do recrutamento de pessoal de nível auxiliar da população local. Apresentou momentos diferentes: iniciou na região nordeste, com a proposta de ‘ampla participação comunitária’ para apoio e para operacionalização de ações simplificadas na saúde, mais próximo das ações médico-sanitárias focalizadas e desenvolvidas pela FSESP; em outro momento, mais próximo da experiência do PMC, foi tomado como estratégia de luta por um modelo alternativo de organização da assistência regionalizado. Para Silva e Dalmaso (2002), o trabalho dos agentes de saúde, a partir dessa experiência, ganhou contorno e 31 legitimidade social, sendo percebido pela população e pelos próprios agentes, como forma de viabilizar o acesso ao atendimento médico. Os agentes de saúde também foram unânimes em afirmar que a população estava satisfeita com o funcionamento dos postos. Justificavam essa afirmação pelo fato de a demanda aumentar, a cada dia, e pelos comentários feitos sobre o atendimento recebido. Consideravam que a população confiava, cada vez mais, no trabalho desenvolvido e que vários fatores contribuíam para isto, sendo o mais importante a forma como eram tratados durante o atendimento e, consequentemente, a oportunidade de que dispunham para falar dos seus problemas. Para os agentes, a confiança traduzia-se, ainda, no atendimento às suas prescrições e no comparecimento, quase maciço, aos retornos agendados. (SILVA E DALMASO, 2002, p. 44). De acordo com Andrade (1982), a política pública social, nesse período, não se resume apenas em atender as necessidades da reprodução ampliada da força de trabalho, nem em ser um simples mecanismo de financiamento do setor privado, pois a classe trabalhadora também se caracteriza pela face eminentemente reivindicatória. No período de crise do regime militar, o esforço normalizador do Estado brasileiro, apesar de ser relativamente eficaz, apresenta fissuras e contradições que expressam contestações das massas trabalhadoras frente ao Estado do qual dependem. Os trabalhadores manifestam consciência atenta aos direitos sociais, artistas e intelectuais fazem críticas à censura ditatorial, instituições da sociedade civil, como a Igreja, manifestam-se em defesa dos direitos humanos contra a repressão à esquerda e há mobilização local de pequenos grupos. Diante da falta de consenso em torno do projeto político do governo autoritário, diversos movimentos, ligados à perspectiva crítica da medicina social, identificaram a possibilidade de articulação institucional das propostas de esquerda, a partir de uma visão crítica da saúde e da participação popular. Assim, a conjuntura de crise do regime militar é marcada pelas diversas experiências, pelas pessoas, pelos grupos e pelos partidos, os quais, ao longo do processo de distensão do regime, foram se articulando na arena política da saúde. Segundo Escorel (1995), o desenvolvimento desse processo de articulação na saúde foi conformando “novo ator” e “nova força política”, denominados movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), o qual se constitui por: (...) um movimento nascido no interior dos Departamentos de Medicina Preventiva – DMPs das Universidades através da crítica ao discurso preventivista. Essa crítica construiu um conhecimento alternativo que caracterizou a identidade de um discurso – o da Medicina Social. Os contatos entre “os núcleos críticos” levaram à constituição de uma rede onde há uma difusão do pensamento, de práticas, conceitos e estratégias. (ESCOREL, 1995 p. 136). Conforme Carvalho (1976 apud Stotz, 2005), a intervenção social, como objetivo da Medicina Comunitária, permitia trabalhar com questões da saúde mediante estratégias 32 educativas, em que sua condução poderia facilitar atividades preventivas ou questionamento sobre a interferência das condições de vida no processo saúde-doença. Aqui reside um aspecto essencial na forma como se é encarado o incentivo à ‘participação comunitária’: o processo educativo e seus objetivos relacionados à intervenção social na saúde. Por um lado, pode se estimular as ações coletivas compensatórias na saúde voltadas estritamente para combate de determinadas doenças, mas, por outro lado, pode se refletir nas condições objetivas de vida. Neste sentido, segundo Bohadana 1982 (apud Stotz 2005), podem-se dividir esquematicamente (o que não significa coexistência das diferentes linhas e ênfases na mesma experiência, ou modificação de uma pela outra) os trabalhos educativos em saúde: uma vertente mais voltada para organização e para mobilização da comunidade, a partir de projetos autônomos e de propostas da Igreja Católica, outra realizada a partir do privilegiamento da expansão dos cuidados de saúde com projetos acadêmicos e financiados por agências externas A organização e a ‘participação comunitária’, por intermédio de experiências educativas críticas, promoveram reflexões sobre os sentidos possíveis de intervenção social, a partir da proposição da associação da melhoria do nível de saúde às condições objetivas de vida e à ação política na reivindicação da saúde enquanto direito social. Frente a incapacidade do governo de apresentar solução para o agravamento do quadro sanitário brasileiro, o aparecimento de diversos movimentos sociais em torno da questão da saúde, para além do segmento acadêmico ligados aos Projetos da Medicina Comunitária, também proporcionou organizações autônomas do segmento popular na área da saúde com apoio dos setores de esquerda. (...) o aspecto mais importante da medicina comunitária é a sua possibilidade de criar ou reorientar interesses e objetivos de uma ‘comunidade’, propiciando, assim, a constituição de sujeitos e atores, tensionando os limites da estrutura social e de poder vigentes. É nesta possibilidade que as esquerdas, católica (comunidades eclesiais de base) e comunista (Partido Comunista Brasileiro, Ação Popular, Partido Comunista do Brasil), vão apostar. (STOTZ, 2005p. 15). Grupos ligados às Pastorais da Igreja Católica já realizavam trabalhos comunitários, orientados pela valorização da cultura local em atividades que contavam com participação da população. As intervenções sociais realizadas com apoio de grupos progressistas da Igreja Católica contavam com a ‘participação comunitária’, por uma perspectiva mais voltada ao trabalho educativo e crítico, no âmbito das ações em saúde, em que os moradores das localidades, para além das medidas simples de intervenção, exerciam reflexão sobre as condições de vida e sobre a saúde. Nesse sentido, diversos movimentos populares foram organizados em torno do acesso aos direitos sociais ligados diretamente à saúde, sendo 33 direcionados à mobilização e à organização política, tensionando com reivindicações concretas as instituições estatais e alcançando, aqui e ali, conquistas reais para a população. São exemplos dessas organizações populares, a experiência de Porto Nacional – GO; Meio Grito no Rio de Janeiro; Cabuçu em Nova Iguaçu – RJ; movimento de Saúde da Zona Leste em São Paulo – SP. Por esse viés, muitas conquistas dessas experiências, em uma concepção crítica da ‘participação comunitária’, a princípio relacionadas ao setor saúde especificamente, acontecem na conjuntura da intensificação das lutas populares, principalmente dos operários metalúrgicos, sendo conduzidas inclusive para o questionamento quanto a legitimidade do regime militar. Nesse período, diante da diversidade de experiências nos cuidados primários de saúde, organizaram-se os Encontros Nacionais de Experiências em Medicina Comunitária (Enemecs). O primeiro em 1979, com presença majoritária dos profissionais de saúde; o segundo 1980, contou com maior articulação dos grupos populares na saúde; e, apesar de ser organizado pelas CEBs, o terceiro Enemecs em 1981, que de um momento de troca de experiências disparou as reflexões sobre a proposta de organização da luta pela mudança do modelo de saúde. A partir dessas reflexões dos Enemecs, tem-se a formação do Movimento Popular em Saúde (MOPS) em 1981, com as seguintes bandeiras de luta: controle social dos serviços de saúde, unificação do sistema previdenciário e pela saúde preventiva. (STOTZ, 2005). A amplitude da mobilização em torno da defesa da reorganização da assistência à saúde acaba por opor divergências nas estratégias políticas, situando os militantes de uma parte dos partidos de esquerda na defesa de ocupação dos espaços institucionais na luta pela organização imediata do sistema de saúde. A adoção da estratégia de ocupação dos espaços institucionais, como locus da disputa política, proporcionou a separação de parte do movimento sanitário do MOPS. A vertente acadêmica concentrou esforços para os acordos da institucionalidade, incluindo alianças entre os partidos de esquerda e direita para transição democrática em 1984. (ESCOREL, 1999). Contudo, O capítulo político das lutas populares é, sem dúvida, mais grandioso, ainda que atravessado pelas divergências e disputas políticas e ideológicas. O trabalho da mobilização e organização popular, estruturado por uma aliança entre os profissionais e técnicos da saúde e as lideranças e os ativistas populares, faz avançar a luta pelo direito à saúde, afirmada em tentativas de organizar os serviços de modo alternativo que questionam o modelo vigente de atenção à saúde. São contribuições fundamentais ao processo da Reforma Sanitária, que se inicia na VIII Conferência Nacional de Saúde e culmina na Constituinte. (STOTZ, 2005 p. 23). 34 O movimento sanitário na conjuntura da ‘Nova República’, por meio dos seus representantes no MS e MPAS, ratificou estratégias como das Ações Integrais de Saúde (AIS) para reorientação do sistema de saúde, tornando-se política do Inamps, com grande adesão dos Estados. As AIS faziam parte do plano do Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP) que tinha como proposta racionalizar e reorientar a assistência médica previdenciária em convênio trilateral (MPAS/MS/Estados). Conforme Escorel (1999), a reorientação setorial era voltada para privilegiamento do setor público com vistas à “(...) integração interinstitucional, à descentralização e à democratização.” Entretanto, essa proposta de unificação do sistema de saúde e incorporação do Inamps pelo MS encontrou forte resistência no aparelho do Estado, surgindo a necessidade de impulsionar o processo por fora dos conflitos intragovernamentais. Nesse sentido, a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em Brasília em 1986, foi a possibilidade de convocar forças externas ao aparelho de Estado para incorporação de subsídios na reformulação do Sistema Nacional de Saúde, proporcionando elementos para a discussão da Constituinte. Foram aprovadas definições sobre três eixos básicos: saúde como direito de cidadania, reformulação do sistema de saúde e financiamento do setor. (ESCOREL, 1995) As conquistas do movimento sanitário não se restringiram a 8ª CNS, uma vez que proporcionaram debate amplo e longo, resultando nos desdobramentos principais da criação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS) e Plenária Nacional das Entidades de Saúde. Segundo Paim (2008), as iniciativas produzidas nas discussões dessas organizações podem ser traduzidas em dois conjuntos centrais: “(...) a expansão e aprofundamento das AIS, transformando-se nos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS) e as ações sociocomunitárias visando a mobilização de atores sociais em torno da RSB e ao desenvolvimento da consciência sanitária.” (PAIM 2008, p.126) A estratégia de criação do SUDS vinha como proposta de enxugamento do Inamps, configurando uma estratégia ponte para construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, segundo Paim (2008), essas movimentações de iniciativa dos atores dentro do aparelho do Estado polarizavam o interior do movimento sanitário sob dois aspectos: a restrição à dimensão técnico administrativa, identificada como o SUDS, e como defesa do SUDS, enquanto conquista de trincheira para implantação do SUS. (...) a polêmica no movimento sanitário residia de que as AIS atrapalhavam a Reforma Sanitária, em 1987 tal suspeita deslocou-se para o SUDS. Os que defendiam essa trincheira de luta técnico-institucional, utilizada na organização, implantação e desenvolvimento do SUDS, argumentavam que ela permitiria a definição e experimentação de modelos assistenciais, de organização de serviços e de gestão visando à construção, de forma 35 ascendente e participativa, do novo sistema de saúde. Já os que se opunham, criticavam misturar o SUDS com a Reforma Sanitária porque equivaleria a reduzi-la as reformulações do setor saúde, pois o SUDS dirigia-se apenas à realização de “objetivos eficientizadores” do sistema de saúde. (PAIM, 2008 p. 136). Nesse sentido, atores do movimento sanitário ligados ao PCB defendiam a proposta da RSB considerando o conceito ampliado de saúde, ratificando a necessidade do conjunto de transformações na sociedade, tais como Reforma Agrária, Urbana, rompimento com a dependência externa, entre outras questões, reconhecendo a defesa do SUDS como estratégia, mas não resumindo a luta a esse ponto. No entanto, assumia-se que o SUDS e AIS, mesmo com suas limitações, eram importantes pontos de inflexão nas políticas setoriais de cunho privatizante. O desenvolvimento do SUDS encontrou dificuldades para sua implantação diante do quadro de resistência por lideranças políticas ameaçadas nos seus interesses regionais e privadas, assim como da burocracia INAMPS e MS. (ESCOREL, 1999). Durante o período de elaboração da nova Constituição do País, o governo recém- assumido pelo presidente Sarney, restringe sua base de sustentação aos pactos políticos autoritários, substituindo progressivamente as políticas sociais progressistas, anteriormente discutidas na 8ª CNS, por políticas conservadoras. A negociação entre a presidência e parlamentares constituintes promoveu a distribuição dos cargos ministeriais, na perspectiva conservadora, para manutenção do regime democrático com mandato de cinco anos. Segundo Escorel (1999, p. 194): “Essa articulação de interesses contrários à proposta fez com que, simultaneamente à aprovação do capítulo constitucional, a política de assistência médica previdenciária desse uma meia-volta à direita.” A conquista da RSB se manifesta pela introdução na Constituição Federal Brasileira de 1988 da determinação de que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, assim como a formulação da proposta do SUS, concebido com o propósito de ser instrumento para garantir o cumprimento do “dever do Estado” e de “proporcionar saúde e bem-estar a todos os brasileiros”. Essa conquista representa a materialização das articulações internas no aparelho de Estado de atores ligados a RSB para reorganização do sistema de saúde a partir dos seguintes princípios: universalidade, integralidade, equidade; e diretrizes organizativas: descentralização, regionalização/ hierarquização e participação social. O contexto político no final do governo Sarney caracterizava a frágil situação da política econômica brasileira, em que a inflação aumentava abruptamente, a dívida externa, adquirida ainda nos anos de ‘milagre econômico’, não apresentava negociação favorável e os investimentos eram escassos. O acirramento da crise econômica leva o país a solicitar 36 empréstimos externos e consequente adesão às orientações de ajustes macroestruturais do FMI e BM. A política de saúde passou, então, por grande retrocesso no que diz respeito aos princípios constitucionais e privilegiamento do setor público. Por outro lado, diante da conjuntura de forte tensão social nas periferias, o movimento político dos secretários municipais de saúde se fortalece no sentido de impulsionar o processo de reorganização do sistema de saúde, segundo Santos (apud Brasil, 2006 p. 73): O movimento da Reforma Sanitária começou a se fortalecer de baixo para cima. Na sua base se engajou um outro movimento que vinha surgindo, mais específico, muito forte, que foi o dos secretários municipais de saúde, [...] pessoas de confiança dos prefeitos, em virtude das periferias ficarem cada vez mais tensas socialmente, tinham a missão de diminuir a tensão social com uma das poucas medidas capazes – a oferta de algum tipo de assistência à saúde a essas periferias urbanas. Então, os secretários municipais das capitais do Nordeste se reúnem em 1978, em João Pessoa, e no ano seguinte, em 1979, há o 1º Encontro Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, em Campinas, onde centenas de secretários vão lá discutir, trocar idéias. Depois em Belo Horizonte, São José dos Campos, São Paulo, Joinville, e aí vão ocorrendo encontros nacionais ou regionais dos secretários municipais de saúde. Segundo Escorel (1999), o movimento sanitário passou por transformações importantes até os anos de 1990, assumindo configuração diferenciada da sua origem. Incorporou novas vertentes, ampliou e diversificou a base de apoio, com aprofundamento das identidades partidárias (social democracia e socialistas), gerando conflitos táticos e estratégicos na condução e na implementação da proposta da RSB. Dessa forma, garantida as bases jurídico-legais (Constituição de 1988 e Lei 8.080/1990), em uma conjuntura pouco favorável à implementação do SUS, o movimento da RSB privilegia a proposta tático- operacional utilizando a articulação, com maiores bases locais de dirigentes municipais para sua implementação. A base municipal requer táticas operacionais de implementação da proposta, ‘como fazer as coisas acontecerem’, exigências apresentadas à vertente de produção de conhecimento do movimento sanitário. (...) ampliou, diversificou e dispersou as preocupações existindo um conjunto significativo de dirigentes municipais que apoiaram a proposta na medida em que ela poderia significar a canalização de recursos financeiros, sem aderir ideologicamente aos seus princípios mais gerais. Assim, a heterogeneidade das experiências, a pluralidade de interesses e as necessidades operacionais, três elementos característicos de um processo de descentralização e democratização da política de saúde, trouxeram dilemas importantes para o movimento sanitário. (ESCOREL, 1999 p. 198/199). A preocupação estratégica com a reorganização do sistema de saúde fortaleceu ainda mais o discurso racionalizador e democrático no contexto dos Cuidados Primários de Saúde, apresentando diretrizes que se apoiavam na “consensualidade da crise” na organização do sistema. Mendes (1987, apud PAIM, 2008), no período consultor da OPAS, apoiado nas 37 referências da Conferência Mundial de Saúde (1979) e Alma-Ata (1978), defende que a doutrina da Atenção Primária à Saúde (APS) seria estratégica, enquanto nível de atenção, para superação da crise sanitária sob as seguintes justificativas: baixa produtividade de recursos existentes; crescimento elevado e descontrolado dos custos; qualidade insatisfatória dos serviços; inadequada estrutura de financiamento setorial; ausência de integralidade das ações; extrema diversidade das formas de produção e remuneração dos serviços; multiplicidade e descoordenação das instituições com a atuação no setor; excessiva centralização do processo decisório; ineficácia social do sistema. Conforme Rizzotto (2013), o PIASS, as AIS e PECs, no período de crise da ditadura militar no Brasil, são exemplos de mudanças do modelo de atenção de contribuição previdenciária, apontando as primeiras ações em direção à atenção universal. Esses programas, em nível de APS, são influenciados por orientações internacionais, tais como o Relatório Lalonde (1974), a Conferência de Alma-Ata (1978) e a Assembleia Mundial de Saúde (1979), as quais discutiam operacionalização e organização do sistema de saúde, com novas concepções do processo saúde-doença que iremos discutir no terceiro capítulo. Nessa linha, para organização do sistema, incorporada na legislação orgânica do SUS (Lei 8.080/1990), a APS assumiria o “carro chefe”, enquanto ordenação do sistema de saúde, introduzindo grandes mudanças na assistência e na operacionalização da saúde pública brasileira. Contudo, segundo Matta e Morosini (2009, p. 44): “(...) a designação Atenção Básica a Saúde (ABS), adotada, no Brasil, em lugar da designação APS, objetiva enfatizar a reorientação do modelo assistencial com base em um sistema universal e integrado de atenção à saúde.” Ao refletirmos sobre este período de configuração do trabalho dos agentes de saúde, destacam-se dois vieses importantes, delimitados nas diferentes perspectivas de ‘participação comunitária’, de acordo com a conjuntura política e disputa por diferentes projetos de sociedade. Essas distintas manifestações da atuação desses trabalhadores, apesar de vinculadas às políticas públicas do Estado, no contexto de redemocratização brasileira, demonstrou a capacidade de articulação que transcendeu a mera necessidade de propagação de informações prescritivas e de promoção de ações simplificadas para população empobrecida. A organização comunitária, no contexto da crise do regime militar, resulta em lutas concretas relacionadas às condições estruturais no que se trata da assistência à saúde, assim como na reflexão acerca da proteção social e de sua relação com o processo saúde- doença. Essa forma de intervenção social obteve conquistas, advindas do tensionamento a partir da aliança com profissionais e com técnicos da saúde, frente à conjuntura de crise. A 38 ‘participação comunitária’ conta com lideranças que, na reflexão sobre os serviços de saúde, questionam o regime militar e suas contradições no âmbito da assistência e contribuem para mobilização em torno da saúde como direito social. Segundo Tereza Ramos (apud Chinelli et. al. 2011), muitos agentes, ligados à militância nas Igrejas Católicas e MOPS, incorporaram um movimento representativo da categoria, por meio da fundação da Associação Nacional dos Agentes de Saúde (ANAS) no Recife-PE. Este movimento de luta e participação na 8ª CNS em 1986 teve pauta específica de responsabilização do Estado pela remuneração dos agentes de saúde, sendo incluído no relatório final dessa conferência a incorporação dos agentes de saúde, de voluntários e de endemias, como pessoal remunerado do sistema local de saúde para trabalho específico com educação em saúde e cuidados primários. 2.2 A conjuntura neoliberal brasileira e a institucionalização dos ACS nos anos 1990 O auge da era neoliberal brasileira confere à implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), nos anos de 1990, dificuldades relacionadas, principalmente, ao financiamento e à gestão do sistema. Esse período, segundo Silva (2007), tem como característica a adoção de programas sociais focalizados, com perspectiva racionalizadora dos gastos públicos. Os esforços do governo remetem a contenção de despesas no setor da saúde, atendendo a necessidade de se assegurar um pacote mínimo de procedimentos às populações mais “vulneráveis”, conforme orientações de ajuste fiscal do Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI). A expansão da institucionalização dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e o aumento da cobertura da assistência pelo Programa de Saúde da Família (PSF) são reforçados sob sentidos em disputa, induzindo mudanças significativas na operacionalização do sistema de saúde brasileiro, por meio da Atenção Básica à Saúde (ABS) e na consolidação das características do trabalho dos ACS. A conjuntura política econômica, no âmbito internacional, a partir da crise do sistema capitalista nos anos de 1970/1980, é caracterizada pela reorganização do sistema produtivo para recuperação das taxas de lucro e da hegemonia enquanto ordem social. O capitalismo em sua versão político-ideológica neoliberal consegue manter suas altas taxas de lucro e reerguer a hegemonia de classe mediante a mundialização do mercado, a hegemonia do capital financeiro e a reestruturação produtiva 6 , implicando no aumento da taxa de desemprego estrutural e na desestruturação das organizações sindicais. 6 O mercado de trabalho, aproveitando da fragilidade da organização sindical e da falta de proteção social aos trabalhadores, impõe, diante dessas condições do trabalho, regimes e contratos flexíveis. Isto é, não promove a 39 Assim, enquanto o processo de reestruturação produtiva se encarregou da rotação do capital, o neoliberalismo, como aspecto político, ideológico e econômico, teve o papel de garantir as condições de lucratividade interna (desregulamentação e flexibilização dos mercados – principalmente o de trabalho) e externa (pressão por desregulamentação e abertura dos mercados comerciais e financeiros). (CARCANHOLO 2008, p. 252) No Brasil, esse movimento político-econômico teve seu marco nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), assumindo a “globalização” como motor da expansão econômica nacional e promovendo o aprofundamento da dependência brasileira aos centros imperialistas. Conforme Filgueiras (2003), na América Latina, o projeto político-econômico neoliberal está ancorado no plano de estabilização e de combate à inflação, desde o Plano Collor em 1990 até o Plano Real no final de 1993, criando condições políticas de favorecimento ao mercado. Segundo o autor, o Plano Real legitimou-se pela queda imediata da inflação e pela aceleração do crescimento econômico por um curto período, valorizando a moeda e abrindo indiscriminadamente a economia brasileira ao capital internacional. Num primeiro momento, ocorreu a queda das taxas inflacionárias, o aumento do emprego e o crescimento da economia, seguido de saldos negativos na balança comercial, colocando o país em situação de vulnerabilidade e de dependência ao fluxo dos capitais estrangeiros. Além disso, a política adotada caracterizada pela abertura financeira, implica na atração do capital internacional a partir de subsídios, do aumento da taxa de juros e da privatização do patrimônio público. Como consequência dessa política: (...) contaminam-se as finanças públicas, com crescimento explosivo do montante de juros das dívidas externas e interna pago pelo governo. Por isso, cresce o déficit publico total, apesar dos cortes nas despesas e aumento da carga tributária que possibilitam superávits primários – que são utilizados, exatamente, para pagar, parcialmente, os juros devidos. Como resultado final, crescem as dívidas públicas (interna e externa), deterioram-se os serviços públicos, desacelera-se o crescimento, eleva-se a taxa de desemprego, caem os níveis de rendimento, concentra-se renda, aumenta a pobreza e restringem-se as políticas sociais, criando-se as bases para a crise social e política. (FILGUEIRAS, 2003 p. 2). Na agudização dos problemas de vulnerabilidade externa e fragilidade financeira do setor público, o país conta com suporte do FMI e BM mediante a contrapartida de ajuste fiscal, tendo em vista assegurar o investimento do capital internacional. O BM e o FMI, como instituições corporativas de fomento ao mercado, apresentam como pressuposto o favorecimento da expansão do capitalismo a nível mundial, a partir da livre concorrência do estabilidade e a segurança financeira do trabalhador, colocando-o em condições de alta exploração. Submetem os trabalhadores ou ao risco de desgaste no trabalho ou os colocam em extrema insegurança de sobrevivência, com aceitação destas condições de trabalho, visto o risco do desemprego devido à ampla concorrência, presença de grande contingente de pessoas no “exército de reserva”, gerada pelo desemprego estrutural do regime. (HARVEY, 1998). 40 setor privado na produção e circulação de bens e serviços. Cabe ao Estado, regular a atuação do mercado, assegurar a propriedade e participar na produção de bens e de serviços que não sejam lucrativos para a iniciativa privada. Associado aos empréstimos, o BM orienta e induz ações políticas de adequação para os Estados nacionais, caracterizando-se por ser um ator político importante na expansão do capitalismo mundial. (PEREIRA, 2010; RIZZOTTO, 2013).7 A regulamentação do sistema, por intermédio das Leis Orgânicas da Saúde 8.080/90 e 8.142/90, estabelece princípios e direciona a implantação de um modelo de atenção à saúde que priorize a descentralização, a universalidade, a integralidade da atenção e o controle social. Os princípios doutrinários, como a universalidade e a integralidade no SUS, divergiam das orientações e das propostas estabelecidas pelo BM, mas não de suas diretrizes, como a descentralização8, por exemplo. A temática de combate à pobreza pelo BM, subordinada a promoção do “crescimento econômico”, trazia em sua proposição ideológica o aumento da produtividade e a expansão do mercado como forma de se alcançar maiores níveis de “bem- estar”. O grupo BM criou diversas modalidades de empréstimos rápidos, de fácil retirada, mas com amplas condicionalidades de adequação aos países periféricos, principalmente nas áreas estratégicas de educação, de meio ambiente e de saúde. Além do financiamento direto a projetos, foram feitas recomendações sobre o setor de saúde, tendo como marco o 16º Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1993, “Investindo em Saúde”, que segundo Rizzotto (2012, p. 108): (...) além de apresentar um diagnóstico genérico sobre aspectos de saúde em âmbito mundial, com ênfase na situação dos países ditos em desenvolvimento, propõe um projeto detalhado para a reforma dos sistemas de saúde desses países sinalizando o interesse em financiar projetos específicos, especialmente os destinados às reformas deste setor. 7 Acompanhada dos ajustes macroestruturais, os principais aparelhos ideológicos neoliberais, FMI/BM orientam e induzem uma nova direção estratégica para o “desenvolvimento econômico e social” na consolidação da mundialização financeira. Diante dos efeitos deletérios dos ajustes econômicos neoliberais em meados dos anos de 1980, há construção de nova referência ideológica, admitindo-se uma intervenção mais ativa do Estado na “questão social”. Segundo Branco (2008), este ideário gira em torno de três proposições políticas e analíticas: crescimento econômico, aliado a redução das desigualdades (políticas públicas sociais específicas); gastos sociais “eficientes” focalizados; investimento em “capital humano”. Os efeitos dessas orientações nas organizações das políticas públicas sociais, especificamente de saúde, serão discutidas na segunda parte do capítulo, pela perspectiva da Terceira Via (Neves, 2009). Branco (2008) situa esta corrente de pensamento no social liberalismo brasileiro a partir do governo de FHC em 1994. 8 O documento do BM, com propostas para o setor saúde em 1987, intitulado Financiando os serviços de saúde nos países em desenvolvimento: uma agenda para a reforma, apresentava propostas na direção do fortalecimento dos setores não governamentais e da descentralização do sistema de saúde, apontando para parcerias público-privadas e transferência de fundos para prestação dos serviços de saúde. (Mattos, 2000 apud Chinelli et. al., 2011). 41 O interesse determinante no setor da saúde pelo BM é a importante mobilização de recursos na área. De acordo com a OMS, em 1990, 8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial eram gastos nesse setor. As orientações do BM na saúde visam ampliar os interesses do capital, promovendo a expansão do mercado no setor, isto é, a ampliação do complexo médico-hospitalar privado, no controle e na oferta de serviços de saúde. Portanto, suas propostas e recomendações seguiam na direção de limitar a atuação dos serviços públicos a populações mais pobres (seletividade e focalização), mediante intervenções pautadas na lógica populacional do alto impacto e do baixo custo (custo/benefício). A intervenção do BM assumiu diversas formas no Brasil, publicações, contratação de pesquisadores e consultores, declarações e pressão em negociações com o governo por meio de empréstimos e de programas de ajuste estrutural. Em documentos específicos sobre avaliação do recém institucionalizado sistema de saúde brasileiro, o BM relatava o “idealismo perigoso” da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), visto sua pretensão de ofertar o acesso a saúde universal e o não reconhecimento “das deficiências endêmicas do setor público no Brasil.”. (BANCO MUNDIAL, 1991 apud RIZZOTO, 2013 p. 13). Em consonância com as orientações do BM, o governo brasileiro formula o Plano Diretor da Reforma do Estado – PDRE, proposto pelo então ministro Bresser Pereira, no setor do Ministério de Administração e Reforma do Estado – MARE, obtendo como justificativa a superação da crise fiscal, a partir da crítica ao excesso de burocracia e de protecionismo no aparelho estatal. Por conseguinte, promove a transferência da execução de serviços no que se trata das políticas sociais para entidades privadas, sob o pretexto de melhoria da ‘qualidade’ dos serviços, recorrendo à concorrência típica do mercado. O PDRE traz em seu conteúdo a reconfiguração do papel do Estado, com o fortalecimento de sua função regulatória e promotora do “desenvolvimento econômico”, pautado pelos princípios de descentralização administrativa, parcerias público-privadas e flexibilização. Utilizando do discurso da “ineficiência” do setor público estatal, estimula as transferências das atividades de educação, de cultura e de saúde para controle pelo mercado. Segundo os organizadores do Plano, a reforma seria um “instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia” (BRASIL, 1995, p.6), sendo ainda uma ferramenta para “promover a correção das desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1995, p.6). A reconfiguração do papel do Estado trouxe graves consequências para as políticas sociais, sob o argumento da “crise fiscal” e da necessidade de realização de cortes com gastos sociais. As reestruturações na política social seguem na direção da focalização e da seletividade, tornando-se alvo do investimento do capital financeiro para solucionar a crise da 42 superacumulação, por meio da privatização direta ou indireta dos setores de serviços de utilidade pública. A Seguridade Social, conquistada na Constituição Federal de 1988, começa a sofrer ataque nas conquistas de proteção social, sendo paulatinamente desmontada pelos sucessivos governos neoliberais. A reforma do Estado organiza as políticas sociais a partir da lógica do capital financeiro, isto é, mediante a privatização dos setores públicos estratégicos, atendendo funcionalmente à captura de fundo público para transferência direta de juros e de pagamento da dívida pública. Dessa forma, a dívida pública assume destaque, como principal instrumento do capital financeiro de transferência de valores. O grande capital estabelece sua dominação a partir da orientação das políticas econômicas de forma a privilegiar o pagamento da dívida em detrimento do financiamento da proteção social. O mecanismo mais utilizado pelo governo brasileiro para drenar os recursos das políticas sociais para o capital financeiro é a Desvinculação de Rendas da União (DRU), estabelecida a partir dos anos 2000. Nesse sentido, 20% do que seria destinado ao financiamento da Seguridade Social é desvinculado de seu orçamento, sendo realocado para o orçamento fiscal com a finalidade de promover o superávit primário e pagar a dívida pública. Além disso, a restrição fiscal às políticas sociais contam com a Lei de Responsabilidade Fiscal que restringe os gastos públicos no âmbito municipal, principalmente na contratação de servidores. (BEHRING, 2008; SILVA, 2011). O documento da Reforma Administrativa do Sistema de Saúde (Brasil, 1998) traz a implementação desses cortes para o campo da saúde, a partir da justificativa de maior grau de resolutividade e de qualidade das ações. Propõe maior grau de “controle”, evitando fraudes e garantindo a “moralidade” do sistema, partindo de três estratégias: descentralização; criação de dois subsistemas de saúde: ambulatorial (ações básicas de saúde) e hospitalar e especializada (referência ambulatorial); e montagem do sistema de informações na saúde para controle dos resultados das ações dos subsistemas. A reforma no setor saúde, ainda reconhecia a necessidade de priorizar as ações de saúde pública centradas em medidas preventivas e de promoção de saúde, pautando-se no financiamento encarado de forma mais “realista”. O documento da reforma administrativa da saúde segue seus pressupostos, obtendo como fio condutor o processo de descentralização, a saber: Primeiro, pressupõe que a descentralização permite um controle local muito melhor da qualidade e dos custos dos serviços prestados. Segundo, que a descentralização favorece o controle social por parte da comunidade atendida pelo serviço, tornando-o duplamente efetivo. Terceiro, a separação operacional entre o Subsistema de Entrada e Controle, para solução de problemas mais simples em nível do indivíduo e da família e o Subsistema de Referência Ambulatorial e Hospitalar permite o surgimento de mecanismo de competição administrada altamente saudáveis, envolvendo os 43 de Entrada e Controle entre si (competição pela qualidade, resolubilidade, efetividade, integralidade e continuidade) e entre ambulatórios e hospitais de referência (competição pela qualidade, redução de custos e desempenho entre outros). Quarto, que o sistema de encaminhamento via postos de saúde e clínicos gerais diretamente controlados pelo poder público evitará uma grande quantidade de internações hospitalares desnecessárias. Quinto, a partir da efetiva responsabilização dos Prefeitos e dos Conselhos Municipais de Saúde, a auditoria permanente realizada em nível municipal será mais eficiente e oportuna, fortalecendo a auditoria complementar exercida pelos poderes federal e estadual. Sexto, que a participação e o controle social em nível municipal passam a ser mais efetivos na medida em que asseguram o acesso direto dos usuários ao sistema de controle. Sétimo, que esse controle é fortalecido pela montagem dos Conselhos Municipais de Saúde. (BRASIL, 1998 p. 11). O recuo dos movimentos sociais na década de 1990 também marca a desmobilização do movimento sanitário, restringindo sua atuação a articulações e a negociações no interior do aparelho do Estado. A institucionalização do SUS é impulsionada, nessa conjuntura, por fortes interesses na unificação do sistema e pela descentralização, representada, principalmente, pela organização política da década anterior dos secretários municipais de saúde (Conselho do Secretários Municipais de Saúde - Conasems). Segundo Stotz (2003, p. 29): “O Conasems tornou-se um ator institucional de peso na implementação da reforma sanitária porque, pelas origens, ideologia e posição política, seus participantes identificavam- se com o movimento sanitarista dos anos 70 e 80.” Para Paim (2008), a ação política do Conasems repercutiu em ganho na correlação de força do aparelho de Estado, contribuindo para a negociação da promulgação da Lei 8.142/90, a qual regula a participação social no SUS e trata das transferências financeiras intragovernamentais, após vetos pelo presidente Collor na Lei 8.080/1990, nos artigos referentes à descentralização, ao controle social e aos repasses financeiros. (...) os gestores (Conass e Conasems) ocuparam os espaços e alcançaram um protagonismo maior no processo político de saúde no Brasil. Até mesmo os conselhos de saúde propostos pela Reforma Sanitária para o controle público e democrático do Estado e das políticas de saúde, tiveram de redefinir suas funções no sentido de homologarem decisões tomadas em outras instâncias. (PAIM, 2008 p. 189) O princípio de descentralização do sistema de saúde relaciona-se à convergência política, tanto das orientações colocadas pelo BM, quanto da luta pelo movimento sanitário. Segundo Silva (2007), o processo de descentralização representa o interesse racionalizador, buscando maior subsídio da oferta privada no nível municipal, por outro lado vincula-se ao caráter de democratização da instância municipal, sendo, portanto, apropriada pelas vertentes neoliberal, municipalista e de reafirmação dos princípios constitucionais. Frente à essa convergência, a concretização do princípio da descentralização teve uma das experiências 44 mais bem sucedidas na gestão pública, pois foi operada em curto tempo, vinculando-se à responsabilidade da gestão da Atenção Básica à Saúde (ABS) pelos munícipios e induzido financeiramente pelas Normas Operacionais Básicas (NOBs 91, 93 e 96). A criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) pelo Ministério da Saúde foi uma das principais estratégias na organização da atenção à saúde pela perspectiva descentralizada. A primeira experiência em grande escala desse programa foi realizada no Ceará, entre 1987 e 1990, pela Secretaria Estadual de Saúde, frente ao amplo quadro de seca na região. Nesse período, cogitou-se como medida emergencial o recrutamento de moradores para treinamento simplificado e realização de intervenções simples de saúde para essas comunidades, resultando em grande impacto na redução da mortalidade materno-infantil. Tais ações foram reconhecidas positivamente pelo Ministério da Saúde, que, com apoio da Unicef, cria em 1991, o PACS, institucionalizando sua forma focalizada de atenção. Sua implantação tem início nas regiões do Nordeste e Norte, visto a vulnerabilidade a riscos de sua população, apresentando cunho educativo na área materno-infantil e na prevenção de doenças. (CORBO E MOROSINI, 2005). (...) ao integrar o agente à equipe, não apenas como um elo entre o sistema de saúde e população, mas, principalmente, por sua capacidade de resolver ou evitar parte dos problemas que ocasionavam o congestionamento do sistema de assistência à saúde. Referiam também a significativa contribuição dos ACS, ao oferecer procedimentos simplificados de ações de saúde voltados para práticas de medicina preventiva, para diminuição da morbi- mortalidade no Brasil e, por consequência, para o Sistema Único de Saúde. (SILVA E DALMASO, 2002 p. 50). Partindo da experiência exitosa do PACS na redução da mortalidade materna e infantil, o Ministério da Saúde propõe sua expansão e é criado o Programa de Saúde da Família (PSF). A primeira metade da década de noventa apresenta dois marcos na institucionalização do PSF: o primeiro, em 1993, com sua criação por meio da portaria nº 692 e o segundo, com a publicação das diretrizes operacionais desse programa, dentre elas os objetivos e metas referente ao documento “Saúde dentro de Casa” em 1994, que define a população alvo de 32 milhões de brasileiros pertencentes ao Mapa da Fome do IPEA, em piores condições objetivas de vida com maior risco e menor acesso aos serviços de saúde. As primeiras experiências operacionais do PSF apresentam-se no viés racionalizador, com simplificação de tecnologias e focalização de população a ser atendida. Vincula-se à seletividade de atenção a populações mais empobrecidas, pautado nos paradigmas do relatório das agências internacionais, portanto ancorados nos objetivos de ajuste fiscal, fundamentado na tese do gasto público ineficiente e mal alocado como causa específica da condição inflacionária. (SILVA, 2007). 45 Os impactos positivos da implantação do PSF, na região norte e nordeste, induziram mudanças no financiamento do programa pela NOB 96 com introdução do Piso da Atenção Básica (PAB) através da remuneração per capta (PAB fixo), além de recursos adicionais para os municípios que desejarem implantar os PSF/PACS e ações previstas pelo Ministério da Saúde (PAB variável). Dessa forma, a concepção de programa se rompe a partir de 1996 e muda sua denominação para Estratégia de Saúde da Família (ESF), buscando se firmar como estratégia de reorientação do sistema de saúde brasileira, a partir destas formas de indução no aumento da cobertura, no âmbito da gestão municipal de saúde. Entretanto, segundo Silva (2007), a indução da implantação da Saúde da Família pela NOB 96 é alvo de críticas, devido seu caráter verticalizado, revelando um auto grau de normatividade e padronização das ações de saúde. Além disso, reforça os princípios de descentralização adotados pelas agências internacionais, tais como eficiência administrativa e redução de custos, sendo permissivo ao setor privado, enquanto prestador de serviços. Apesar de evidenciar a influência da política neoliberal de governo estabelecida na década de 1990, a NOB 96 é um importante fator de consolidação do trabalho do ACS e As bases do programa já o definiam como proposta de atenção integral e contínua a todos os membros da família, com a definição de área de abrangência e adstrição de clientela, uma composição mínima da equipe de saúde e o importante estabelecimento de uma rede de referência e contra- referência. Para reforço ao estabelecimento de vínculo o programa propunha que a equipe deveria residir na área de atuação, trabalhando em regime de dedicação exclusiva, um equívoco que posteriormente será descrito como apenas o Agente de Saúde deveria cumprir este requisito. (...) A proposta trouxe como idéia marcante a Promoção da Saúde, exercida de forma efetiva na medida em que o processo de trabalho estaria direcionado para estas ações (educativas no núcleo familiar e grupos de risco) (...). (SILVA, 2007 p. 124). A forte institucionalização do PSF, no período final dos anos 90, ratificou o estabelecimento das primeiras compreensões e sistematizações da atuação do ACS. Segundo Morosini (2010), por intermédio do documento de “Diretrizes para Elaboração de Programas de Qualificação e Requalificação dos Agentes Comunitários de Saúde” (Brasil, 1999 apud Morosini 2010), é reforçado o papel de “elo” entre a comunidade e serviços de saúde, assim como sua centralidade na ESF e reorientação do sistema de saúde. A este trabalhador são atribuídas qualidades que os distinguem dos demais em função de estes agentes serem oriundos das comunidades onde atuam (...) Esta origem comunitária do ACS conferiria condições para que este realizasse a missão de recompor o elo entre o serviço/equipe de saúde e a família/comunidade. (MOROSINI, 2010 p. 69). A recomposição do ‘elo’ entre serviços de saúde e população é a maneira pela qual se justifica a centralidade do papel do ACS na reorientação do modelo de atenção. Relaciona-se, 46 portanto, a diferentes interesses e a estratégias políticas na configuração da ‘participação comunitária’ institucionalizada. Por um lado, a ‘participação comunitária’ reflete objetivos racionalizadores da política de saúde 9 e vincula-se aos interesses de descentralização da gestão do sistema de saúde e de expansão da cobertura assistencial. Por outro lado, há a expectativa de ‘participação comunitária’ no sentido da democratização das políticas de saúde, representada, principalmente, pela Lei n° 8.142/90, que prevê a formação dos conselhos federal, estadual e municipal de saúde e a realização periódica de conferências nesses três níveis, buscando aproximação às necessidades de saúde da população. Segundo Stotz (2005): A instituição dos conselhos municipais e estaduais de saúde a partir de 1991, compondo uma extensa estrutura, legitima a municipalização da saúde com transferência de recursos do governo federal e a ênfase na gestão pactuada entre as autoridades de saúde nos três níveis de governo. Mas os conselhos passam a sofrer as consequências de seu atrelamento à estrutura das secretarias – onde prevalece, sob um sistema comandado a partir do governo federal, a lógica da gestão e não a do planejamento. (...) Em boa medida, a fragilidade dos conselhos de saúde é expressão da falta de dinamismo de suas bases sociais numa conjuntura caracterizada pela ofensiva neoliberal (...). A conjuntura da crise econômica, do desemprego estrutural e do empobrecimento, intensificada no auge do período neoliberal brasileiro, contribuiu para “desmobilização” do caráter reivindicativo do ACS em relação às necessidades sociais dos moradores. Mesmo com espaços formais de reivindicação, como os conselhos de saúde, sua ‘participação’ acaba por focar os objetivos institucionais e/ou políticos locais, tendo em vista a manutenção do vínculo empregatício e/ou atender a possíveis interesses individuais. Aqui reside uma das principais fragilidades da expectativa de ‘participação’ institucionalizada: a democracia liberal não dispõe o acesso à proteção social de forma universal e igualitária, considerando as limitações de financiamento das políticas públicas sociais na lógica do modo de produção capitalista. Dessa forma, as políticas de saúde, caracterizadas pelo assistencialismo focalizado, acabam por ser objeto de relações clientelísticas no interior dos órgãos decisórios formais de ‘participação’, frente à subalternização de classe em relação a sua organização. Nesse contexto de forte investimento das agências internacionais e perda da força mobilizatória do movimento da RSB, a institucionalização do ACS se aproxima mais dos objetivos de aumento da cobertura assistencial com “sustentabilidade financeira”, isto é, 9 As propostas da II Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde em 1993, conforme Chinelli et. al. (2011), demonstram preocupação com a “qualificação” do ACS, que a princípio se manifestariam como recomendação de elevação da escolaridade em favorecimento à compreensão ampliada à saúde e acabam por se traduzir em propostas de inclusão desses trabalhadores na função de auxiliar de enfermagem, formação em serviço e reprodução de intervenções simples de saúde. 47 diante do constrangimento fiscal das politicas públicas sociais, a contratação precária desses trabalhadores da saúde. Contudo, a organização dos ACS enquanto categoria profissional, já iniciada em período anterior em Recife-PE, ampliou-se para outros estados, formando a Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (CONACS), em 1994. Segundo Chinelli et. al. (2011, p. 70), a CONACS “(...) inspirada nas organizações de trabalhadores rurais nordestinas, de longa tradição nas lutas sociais no campo, [apresenta] a estrutura jurídico-administrativa desse movimento sindical, possibilitada por relações pessoais de confiança e proximidade política (...)”. A partir da expansão da institucionalização, a organização dos ACS enquanto categoria se valerá da luta pela desprecarização dos vínculos e formação profissional como pautas reivindicativas. 2.3 A conjuntura neoliberal brasileira e a inserção dos ACS nos anos 2000 A partir da eleição à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), mesmo diante do contexto dos acordos e das pressões relacionadas aos ditames neoliberais e do capitalismo financeiro, houve grandes expectativas depositadas no governo de orientação “democrático popular”. Conforme análise de Behring (2004), o plano econômico da política governamental, nos anos 2000, segue os parâmetros macroeconômicos do período FHC e seus impactos na área da política social. Ou seja, medidas de focalização nas políticas sociais e transferências de recursos para o capital financeiro se mantêm, tais como a Desvinculação de Rendas da União (DRU) e o inesgotável pagamento da dívida pública e privatizações. A ofensiva neoliberal fortalece-se nas orientações econômicas e nas definições das políticas públicas sociais no Brasil, a partir do governo Lula. O bloco do poder econômico do capital financeiro atinge seu processo mais avançado de coesão política, a partir da redução de opositores intrafrações de classe burguesa e do enfraquecimento da capacidade de mobilização dos movimentos sindicais e sociais. Segundo Filgueiras (2007), a lógica financeira (taxa de juros e o superávit fiscal primário) das relações econômico-sociais é o principal elemento de coesão intraclasse (capital financeiro, exportador e classe média alta que participam ativamente das ações com rendimentos e especulações financeiras), além da política de privatizações e desregulamentação do mercado de trabalho e relações trabalhistas. Por outro lado, o autor aponta o processo de desorganização da classe trabalhadora brasileira, desde a reestruturação produtiva e as políticas neoliberais em 199010, com aprofundamento no 10 “Diminuiu o peso relativo dos assalariados e dos trabalhadores industriais e cresceu a informalidade, com maior fragmentação da classe trabalhadora, que ficou mais frágil e mais heterogênea, com menor identidade 48 governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Para além da reestruturação produtiva e fragmentação inerente a tal processo, associa-se a crise de identidade partidária e sindical da classe trabalhadora, após agravamento da cooptação “político-institucional de parcela importante das direções sindicais e partidárias” (Filgueiras 2007, p. 188). Dessa forma, caracteriza-se a política governamental do PT: organização das frações de classe do capital e busca do consenso das classes trabalhadoras mediante o discurso social-liberal. Esse modelo é incapaz de incorporar, mesmo parcialmente, as demandas mais significativas das classes trabalhadoras, especialmente dos seus segmentos organizados. Resta ao modelo articular de forma precária e marginal a massa pauperizada e desorganizada, por meio de políticas sociais focalizadas e de caráter assistencialista. Daí a necessidade de o governo Lula tentar controlar politicamente os movimentos sociais e sindical por meio da cooptação – material e ideológica – das suas direções. (FILGUEIRAS, 2007 p.190) A natureza altamente concentradora e excludente do capitalismo financeiro acirra a instabilidade dos interesses no interior da aparelhagem estatal entre as frações de classe dominante e se apresenta incapaz de contemplar os interesses dos diferentes segmentos dos trabalhadores. Diante destes impasses, se tem o fortalecimento da promoção das políticas públicas sociais focalizadas e assistencialistas na questão da pobreza com aprofundamento do investimento em mecanismos de “redução das desigualdades sociais”. No campo da saúde, segundo Bravo (2011, p. 18), no governo Lula e Dilma apresenta-se: (...) a continuidade da política de saúde dos anos noventa, destaca-se a ênfase na focalização, na precarização, na terceirização dos recursos humanos, no desfinanciamento e a falta de política para viabilizar a Seguridade Social. Como exemplo de focalização, destaca-se a centralidade no Programa de Saúde da Família, sem alteração significativa, para que o mesmo se transforme em estratégia de reorganização da atenção básica, em vez de ser um programa de extensão de cobertura para as populações carentes. O mandato do presidente Lula (PT) trouxe alta expectativa para as políticas sociais e, em se tratando da área da saúde, a 12ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) em 2003, que levantou questões relacionadas à desprecarização, à educação e à gestão do trabalho em saúde como pontos importantes para a valorização dos profissionais de saúde e da consolidação do SUS. Logo no início do primeiro mandato do governo Lula, o então ministro Humberto Costa repassou a proposta de reestruturação do Ministério da Saúde, com a criação de cinco secretarias na direção de pessoas vinculadas à Reforma Sanitária Brasileira (RSB). A partir dessa proposta, é criada a Secretaria da Gestão do Trabalho e Educação na Saúde entre os seus diversos segmentos, com menor capacidade política de pressão e negociação. Isso tudo ocorreu por causa da desestruturação do mercado de trabalho, acompanhada de um processo de desregulamentação das relações trabalhistas, que levou ao crescimento do desemprego e ao aprofundamento da precarização do trabalho e das formas de contratação (cooperativas, terceirização etc.).” (FILGUEIRAS, 2007 p. 186) 49 (SGETS), composta por dois departamentos: Departamento de Gestão da Educação na Saúde (Deges) e Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde (Degersts), uma vinculada ao desenvolvimento da formação e educação permanente dos profissionais de saúde e a outra, respectivamente, relacionada à gestão da relação de trabalho e à participação do trabalhador. (VIEIRA et. al. 2011) A política de saúde sofreu impactos importantes da política macroeconômica, entretanto os atores comprometidos com o projeto da RSB articularam-se na organização do 8º Simpósio sobre a Política Nacional de Saúde em 2005, reunindo mais de 800 participantes (trabalhadores, entidades e usuários da saúde), representantes da Frente Parlamentar de Saúde, lançando a Carta de Brasília que destaca propostas de compromisso com a consolidação do SUS, projeto da RSB e Seguridade Social. Dentre os pontos destacados, foram abordadas as seguintes questões: definição de uma Política Nacional de Desenvolvimento; defesa da Seguridade Social; defesa dos princípios e diretrizes do SUS; retomada dos princípios que regem o orçamento da Seguridade Social, com destaque para implementação imediata da Emenda Constitucional nº 29; cumprimento da deliberação do Conselho Nacional de Saúde contrária à terceirização da gerência e à gestão de serviços e trabalhadores do setor de saúde; avanço no desenvolvimento da política de recursos humanos na saúde e desprecarização dos vínculos trabalhistas; estabelecimento de Planos de Cargos e Carreiras e Salários para o SUS, descentralizado, mas sem as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal; entre outros pontos. (BRAVO E MENEZES, 2011). Segundo Bravo e Menezes (2011), há disputa entre dois projetos para saúde no mandato do governo Lula: o relacionado à RSB e o Privatista. A aprovação de novos modelos jurídico-institucionais representa uma das perdas significativas em relação à organização do sistema de saúde, tais como: as Fundações Estatais de Direito Privado para o gerenciamento da rede pública de hospitais; e o modelo de atenção focado no desenvolvimento da Atenção Básica de Saúde (ABS) de “qualidade”, a partir de modelos de gestão e gerenciamento de racionalidade privada por Organizações Sociais (OSs) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Nesse sentido, apesar de combatida na última década por movimentos sociais, por centrais sindicais e por partidos de esquerda, o avanço da privatização na política de saúde brasileira ocorre hoje nessa mesma perspectiva. A política pública de saúde, desde a Reforma do Estado iniciada na década de 1990, é ameaçada constantemente pela ideologia neoliberal adotada por setores do Estado brasileiro e respaldadas por diversos instrumentos normativos: 50 O eixo das contrarreformas do Estado dirigiu-se para a racionalização de gastos sociais e para o fortalecimento do setor privado na oferta de bens e serviços coletivos. Na área da saúde, a proposta é de repasse da gestão do SUS para outras modalidades de gestão não estatais, através dos contratos de gestão e parcerias, mediante transferências de recursos públicos, viabilizadas pelas Organizações Sociais (OSs), criadas em 1998, pela Lei 9.637/98; pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas em 1999, pela Lei Federal n.º 9.790; e pelas Fundações Estatais de Direito Privado - Projeto de Lei Complementar nº 92/2007. (CORREIA, 2011, p.44). As ações referentes à ABS revelam o compromisso do governo petista, com a ampliação e o fortalecimento da ESF pelo aumento do financiamento e do número de equipes de saúde da família. Segundo Baptista et. Al. (2012), em pesquisa sobre a execução de emendas parlamentares no orçamento federal da saúde no período de 1996 a 2006, a comparação dos recursos das emendas com os incentivos federais da ABS permitiu identificar sua relevância no financiamento da saúde, representando quase 50% dos valores destinados a alguns estados. Além disso, demonstra seu caráter prioritário na política de saúde, sob a justificativa do seu papel estratégico para reorganização do sistema, no entanto com o peso relativo das emendas maior para Região Nordeste e Norte, com tendência de aumento entre 2003 e 2006. (BAPTISTA et. al. 2012). Segundo Giovanella et. al. (2009) em 2006, a portaria nº 648/2006 reafirma-se como estratégia prioritária da ABS a ESF, sendo esta considerada a “porta de entrada” da rede de serviços de saúde, ou seja, o ponto de referência do usuário do sistema na coordenação dos cuidados e na efetivação da integralidade à saúde em suas diversas dimensões. Entretanto, segundo Lima (2009), há uma constante tensão na relação focalização versus universalização da ESF, não havendo consenso no setor saúde sobre o caráter focal ou não da expansão da atenção básica, fato que leva algumas forças a disputar dentro do Estado e a transformar a proposta da ESF em estratégia da implantação de universalização da saúde. Em julho de 2002, é promulgada a lei nº 10.507/2002, que cria a profissão do ACS, no entanto sem regulamentação, demonstrando os problemas relativos à gestão do trabalho desses profissionais. Segundo Morosini (2010), a partir da preconização pela lei nº 10.507/2002, de requisito mínimo de formação básica do ACS para exercício da profissão, surge a necessidade de se estabelecer o conteúdo programático para adaptação da formação desses profissionais que já estavam em serviço. O aumento da força política, visto o número dos ACS e sua capilaridade no território e organização destes profissionais, estabelece pressões em relação à formação e à gestão do trabalho no que se trata do Ministério Público do Trabalho (MPT). Além disso, a nova reconfiguração da estrutura interna no Ministério da 51 Saúde, com a SGETS, assume a responsabilidade da política de gestão do trabalho e da educação em saúde, contribuindo para discussão em torno da regulamentação profissional dos ACS. Em 2003, portanto, há uma intensificação da discussão sobre a formação dos ACS e nesse interstício surgem os primeiros esboços das políticas da sua formação profissional, já elaborados no ano anterior de 2002. Em relação à gestão do trabalho dos ACS discutida, destaca-se a situação destes trabalhadores que: “(...) encontravam-se em situação de vinculação precária, seja do ponto de vista da não-garantia dos direitos trabalhistas associados ao trabalho, seja no aspecto relativo à autonomia do vínculo em relação aos gestores.” (MOROSINI, 2010 p. 98). De acordo com Morosini (2010), o papel de “elo” entre o serviço de saúde e a comunidade atribui ao ACS o pré-requisito de “identidade social” e “origem comunitária” são usados para justificar sua baixa escolarização. Esse discurso encobre tensões e disputas em torno da gestão do trabalho e da formação desse profissional. Existe grande resistência, por parte da gestão, em regularizar a vinculação estável dos ACS, ao passo que a profissionalização desses trabalhadores aponta para duas questões: a demanda de aumento salarial e a discussão da classificação de vínculos profissionais e organização do processo de trabalho de saúde e sua valorização. O documento que sistematiza toda discussão relacionada à formação do ACS promovido pela SGETS é divulgado no “Referencial Curricular para Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde”, regulamentando a formação dos ACS pelos conselhos e secretarias de educação. Esse documento é a base para a formação Técnica do ACS e possui como meta a construção de um itinerário formativo para a conciliação da necessidade de elevação da escolaridade dos ACS. Na versão final do documento “Perfil de Competências Profissionais do Agente Comunitário de Saúde – ACS” de 2004, foram incorporadas alterações que reforçam a necessidade de um processo formativo sistemático dos ACS e a valorização da singularidade desse profissional como face intersetorial da saúde, assistência social, educação e meio ambiente. Morosini (2010, p. 121) assim sintetiza os enunciados das competências profissionais do ACS: “(...) trabalhador que atua em frentes estratégicas para a realização dos princípios da saúde da família, com um campo de atuação bastante amplo, localizado nas práticas de vigilância, prevenção e promoção da saúde – visando tanto aos indivíduos quanto às famílias, aos grupos e às coletividades. A essas práticas são agregadas também atividades de monitoramento de condições de saúde, de produção de informações e de interação social, configurando um escopo de trabalho composto de práticas educativas, de informação e comunicação, de planejamento e avaliação e de mobilização social.”. 52 A profissionalização e a formação do ACS trazem em seu bojo questões relacionadas ao contexto político de criação da SGETES, que representam o avanço na contribuição para o desenvolvimento da Política Nacional de Recursos Humanos em Saúde (PNRHS) e a capacidade de forte articulação entre academia, serviços de saúde e organismos internacionais. No entanto, tal articulação e negociação, segundo Vieira et. al. (2011), com diferentes instituições interessadas na discussão do trabalho e formação dos profissionais de saúde, gerou, em diversos momentos, ambiguidade na produção de conhecimento relacionadas à finalidade de operacionalização dos serviços de saúde. A gestão do trabalho segue a tendência e o movimento em direção a novas abordagens e à análise na área de recursos humanos em saúde, pautando-se em questões como a ‘qualidade’ e a produtividade dos profissionais dessa área, além da flexibilidade da gestão contra a administração burocrática estatal “ineficiente”. Mendes (2012), refletindo sobre o vigente ciclo da ABS brasileiro, refere-se ao desafio de atenção à saúde de forma “eficiente, efetiva e de qualidade”. Para tanto, traz a tona questões calcadas na perspectiva da “Medicina por Evidências”, justificando e advogando a implantação da Atenção Primária à Saúde (APS), a partir de resultados pautados em indicadores de níveis de saúde e seus respectivos custos. Nesse sentido, coloca a lógica da atenção à saúde no nível primário em uma expectativa de relação custo-benefício, a partir da influência de diversos estudos e relatórios de organismos internacionais, calcados em um olhar de “evidências científicas” dos resultados sanitários positivos, ao passo que, teoricamente, também defende a centralidade do sujeito na atenção à saúde como definidor das necessidades e demandas de sua saúde. Segundo Mendes (2012) a aplicação do paradigma da ABS é posta como dificultosa, devido a problemas de ordem econômica e ideológica no plano político. Por essa perspectiva, as causas são: o estigma ideológico da medicina biomédica, tecnológica e especialista, assim como, politicamente, as tendências da gestão na saúde “(...) praticarem uma forma de gestão denominada de inércia ativa, uma pulsão incrementalista de fazer mais do mesmo, de forma espetacular, sem buscar alternativas que efetivamente provoquem mudanças e que sejam sustentadas por evidências científicas”. (MENDES, 2012 p. 68). O discurso atualmente vigente de fortalecimento da ABS é direcionado a disputa política de maior financiamento para estruturação do sistema de saúde, principalmente nas formas de operacionalização da ESF. Há um intenso reforço em estratégias micropolíticas de manipulação dos processos de trabalho, em detrimento do investimento estrutural nas precárias condições do mesmo, assim como da RAS pública e estatal. Dessa forma, 53 caracteriza-se a desproporcionalidade no investimento em “qualidade” da atenção à saúde, mediante o aumento da exigência no trabalho dos profissionais de saúde e do não aprofundamento quanto às causas/necessidades de saúde em sua relação com o modo de produção capitalista e com as condições objetivas de vida da população. Tal situação tem se evidenciado de forma paradoxal, ao observarmos a nova legislação da ABS, portaria nº 2.488/2011, de revisão das diretrizes e organização da Política Nacional da Atenção Básica à Saúde. Nesse sentido, no quesito das responsabilidades do governo para a consolidação da ABS, observa-se a busca incessante da “qualidade total” na operacionalização do serviço, nos seguintes incisos: (...)II - apoiar e estimular a adoção da estratégia Saúde da Família pelos serviços municipais de saúde como estratégia prioritária de expansão, consolidação e qualificação da atenção básica à saúde; (...) VI - desenvolver mecanismos técnicos e estratégias organizacionais de qualificação da força de trabalho para gestão e atenção à saúde, valorizar os profissionais de saúde estimulando e viabilizando a formação e educação permanente dos profissionais das equipes, a garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, a qualificação dos vínculos de trabalho e a implantação de carreiras que associem desenvolvimento do trabalhador com qualificação dos serviços ofertados aos usuários; (...) IX - estabelecer mecanismos de controle, regulação e acompanhamento sistemático dos resultados alcançados pelas ações da Atenção Básica, como parte do processo de planejamento e programação. (BRASIL, 2011 p. 7/8). Apesar da referida preocupação com a desprecarização dos vínculos trabalhistas dos profissionais, observa-se maior enfoque e concretude na questão relacionada à qualidade na operacionalização do processo de trabalho, a partir de programas de indução financeira para aumento da produtividade dos profissionais de saúde, tais como: o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica e Avaliação da Qualidade e Avaliação para a Melhoria da Qualidade da Estratégia de Saúde da Família (PMAQ /AMQ), em detrimento de políticas de desprecarização do trabalho. Atualmente, é realizado contratos de gestão entre as Secretarias Municipais de Saúde e as equipes de ESF, conforme advoga Mendes (2012, p. 122): Os contratos de gestão obedecem a um ciclo de contratualização que envolve um plano de contrato em que se especificam a quantidade e a qualidade dos serviços a serem contratados, o sistema de incentivos a ser utilizado e o monitoramento e a avaliação do contrato por meio de um sistema de informação gerencial. (...) É necessário que uma parte do pagamento seja feita com base num valor fixo e, outra, com um valor variável que será pago somente mediante o cumprimento das metas contratadas. Ao considerarmos a visão de organização do trabalho, a partir da conjuntura contemporânea de reestruturação produtiva no contexto da ordem social capitalista e seu reflexo no cotidiano do trabalho em saúde na ESF, poderemos concluir que mesmo “as 54 melhores intenções” das avaliações de qualidade (PMAQ/AMQ) por indicadores de saúde na comunidade quando vinculados essencialmente à produção do profissional de saúde têm, paradoxalmente, sua característica central de gerenciamento e gestão relacionada à proposta da acumulação flexível capitalista, portanto condição indispensável para aumento da produtividade do trabalhador da saúde. Em consonância com as diretrizes do PMAQ, o processo de monitoramento deverá ser alvo de aperfeiçoamento contínuo tanto dos indicadores como dos parâmetros de desempenho. (...) Espera-se, com a melhoria da alimentação do SIAB, induzida pelo processo de monitoramento do PMAQ, a constituição de uma base de dados mais consistente, que permita a inclusão de novos indicadores e torne mais robusta essa etapa da avaliação de desempenho. (BRASIL, 2012 p. 26). É nítida a observação da valorização produtivista dos trabalhadores, não só da saúde, mas aqueles em detrimento da perspectiva de desprecarização do seu trabalho. Segundo Silva e Dalmaso (2002), a ESF, ao priorizar a resolutividade e qualidade das ações pautadas em indicadores imediatos da situação de saúde, tende a conformar o trabalho do ACS em um trabalho simples, como “educador” no sentido de orientações prescritivas e informativas do serviço e “olheiro” da captação, identificação e detecção de casos de risco na comunidade. No entanto, sabe-se que para um real impacto nas necessidades de saúde, a estratégia de abordagem restrita a grupos e questões imediatas de risco tem resultado limitado. A atuação no campo da ABS/ESF, voltada para atenção pelos princípios do SUS, mostra o grau de complexidade do trabalho, principalmente quando associada às condições objetivas de vida dos indivíduos e comunidades em situação de pobreza. Segundo a Política Nacional da Atenção Básica à Saúde, portaria nº 2.488/2011 (BRASIL, 2012a p. 21): A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. (...) A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade e inserção sócio- cultural, buscando produzir a atenção integral. (BRASIL, 2011 p. 4). O trabalho do ACS na ESF/ABS consolida-se como peça central na expansão da cobertura da assistência à saúde, contudo o aspecto relacionado a sua inclusão na equipe, enquanto “representação da comunidade”, tem se mostrado contraditório na organização dos serviços de saúde. A inserção do ACS na equipe cada vez mais tem se deslocado para exercício das orientações normativas e verticais das políticas de saúde, isto é, a necessidade de cumprimento de metas pré-estabelecidas. Há um aumento da exigência no trabalho desses profissionais de saúde por meio da obstinada busca da “qualidade” no trabalho, 55 principalmente pela mensuração produtiva do profissional e sua relação ao impacto em determinados indicadores, não restritos a fatores causais isolados. Tentaremos resgatar a construção do discurso que pauta essas movimentações políticas e estratégicas das políticas de saúde na segunda parte do capítulo. Há crescimento do contingente de ACS, contratados nacionalmente pela indução financeira da expansão da cobertura (convênios e incentivos fundo a fundo) da ESF/ABS. A organização da categoria em torno da desprecarização do trabalho tem obtido vários ganhos no âmbito legal, tais como a regulamentação da profissão pela lei 10.507/2002 e a conquista da contratação formal direta pelo Estado, mediante seleção pública, com o auxílio da emenda constitucional nº 51 de 2006. Os ACS, a partir de seus respectivos sindicatos municipais/estaduais e pela Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (CONACS), tem conseguido organizar mobilizações nacionais em torno das reivindicações de desprecarização do trabalho e formação profissional. Atualmente, maio de 2014, foi aprovada, no senado, a regulamentação do piso nacional salarial. 56 3 CAPÍTULO III - A REORIENTAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO SOB ENFOQUE DA PROMOÇÃO DA SAÚDE E SAÚDE COLETIVA NO BRASIL 3.1 Modelo de Atenção à Saúde e a APS: a questão da Promoção da Saúde O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é considerado um profissional “central” na Atenção Básica à Saúde (ABS) e Estratégia de Saúde da Família (ESF). Com o objetivo de compreender a centralidade de sua atuação na ABS/ESF, mediada pelo ideário da Promoção da Saúde, torna-se necessário refletirmos sobre os sentidos em disputa nas orientações das políticas de saúde relacionadas à concepção de saúde, ao modelo de atenção e a sua respectiva prática sanitária. Entendemos por modelo de atenção, de acordo com Silva Júnior e Alves (2007), um determinado modo de organização e de articulação do conjunto de recursos (tecnológicos, humanos e físicos) utilizados para enfrentamento e para resolução dos problemas de saúde da coletividade. O trabalho do ACS se insere na compreensão do objeto (concepção de saúde) e nos meios disponíveis (saberes e instrumentos) utilizados na intervenção no processo saúde- doença (prática sanitária), conforme escolhas políticas e éticas na priorização dos problemas a serem enfrentados por um modelo de atenção pela respectiva orientação institucional. A princípio, para situar a perspectiva do ‘objeto’ saúde na racionalidade hegemônica da sociedade de classes na contemporaneidade, importa considerar que sua definição de caráter biologicista, vista como ausência de doença, apresenta a tendência dominante de um modo de intervir medicalizado, focado na prática curativa e diretamente ligado à lógica comercial. Na perspectiva dominante, a atenção à saúde consiste num processo de legitimação da ordem social, uma vez que compensa, no plano individual, problemas decorrentes da dominação de classes. (BREILH, 2006) Em outro sentido, a concepção ampliada de saúde elaborada pela Saúde Coletiva se traduz como uma visão contraposta à dominante, na medida em que o processo saúde-doença é pensado tanto no plano das relações sociais e, portanto, da totalidade social que determinam a desigualdade nas condições de manter a saúde, de adoecer, de tratar das enfermidades, de enfrentar suas sequelas e de morrer, mas também, como no plano das representações sociais e das reivindicações políticas, que ora pautam e enfrentam, ora obscurecem e fortalecem a desigualdade social da saúde das coletividades. (TEIXEIRA, 1989) Assim, a organização da prática sanitária no Estado capitalista é constantemente alvo de disputas entre grupos de interesses e poderes distintos, tendo em vista, num dado período 57 histórico e em uma sociedade concreta, a manutenção e a reprodução da ordem social vigente e/ou da perspectiva de ruptura, para manutenção de uma ‘qualidade de vida’. O quadro da crise de legitimidade da ordem social capitalista nos anos de 1970, segundo Silva (2007), é caracterizado pela ampla produção e discussão de trabalhos em referência à crítica da intervenção vertical dos sistemas de saúde orientados pelo modelo biomédico, com pouca prevenção e baixo acesso aos cuidados de saúde por mais da metade da população mundial. Destaca-se, nesse período, a ênfase dada à discussão sobre APS e Promoção da Saúde, enquanto forma estratégica-operacional de prevenção/controle do adoecimento, do incentivo ao aumento da cobertura dos serviços de saúde e da “eficácia” de sua intervenção, a partir de ações simples com maior impacto nos quadros de saúde da população. Por um lado, a discussão sobre a Promoção de Saúde, iniciada no Canadá pela publicação do Informe Lalonde em 1974, ganha destaque diante dos crescentes custos de assistência médica e suas intervenções pouco significativas na abordagem das doenças crônicas nos países centrais. Sob o enfoque da proposta dos Determinantes Sociais de Saúde (DSS), o Informe indica a relação do nível de saúde populacional mais adequado ao padrão de vida, estabelecendo a estratégia de Promoção de Saúde para “informar, influenciar e assistir indivíduos e organizações para que assumam maior responsabilidade e sejam mais ativos em matéria de saúde.”. (LALONDE, 1996 apud BUSS, 2003 p. 23) Por outro lado, tendo em vista as experiências exitosas de Medicina Comunitária em áreas rurais e na China comunista (trabalhadores com baixo nível educacional, treinados para aplicação de métodos simples de promoção e prevenção de cuidados em saúde), a OMS e a United Nations Children’sFund (UNICEF) realizam, em 1978, a Conferência de Cuidados Primários em Saúde em Alma-Ata, Cazaquistão. Nessa conferência inscreveu-se o marco conceitual e estratégico dos Cuidados Primários de Saúde, sob três ideias centrais: uso de tecnologias apropriadas (crítica às tecnologias voltadas para a doença); crítica à ênfase na especialização da saúde individual; e ampliação do conceito de saúde, defendida como: (...) a saúde - estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde. (DECLARAÇÃO DE ALMA ATA, 1978). Contando com a participação de representantes da Saúde Pública de diferentes países e correntes políticas (movimentos religiosos, organizações não governamentais e internacionais, 58 entre outros) caracteriza-se o amplo espectro de disputa em torno dos sentidos e compreensão dos Cuidados Primários de Saúde, definindo-se o seguinte conceito: Cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis colocados ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase do seu desenvolvimento, no espírito de auto-confiança e auto-determinação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade com o sistema nacional de saúde. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde. (DECLARAÇÃO DE ALMA ATA, 1978). A Assembleia Mundial de Saúde, em 1979, incentivou em todos os seus países membros a meta “Saúde para todos no ano 2000”, a partir da implementação de estratégias nacionais de organização da atenção à saúde, endossando as definições de Alma Ata. Todavia, tais definições tiveram forte resistência política e econômica de setores do complexo médico industrial, promovendo intensos debates com abrangência internacional e corroborando para diferentes interpretações da proposta de Cuidados Primários de Saúde. Tendo em vista a crise da ordem social na década de 1970, as críticas à abrangência e “idealismo” das definições de Alma-Ata (1978) favorecem a alegação de estratégias com melhor custo-benefício nos modelos de atenção à saúde para os países periféricos. Segundo Silva (2007), tais críticas estariam relacionadas aos Cuidados Primários Seletivos, caracterizado por uma ‘cesta básica’ de intervenções técnicas de baixo custo para atenção às doenças de maior incidência nos países periféricos. Esses Cuidados foram desenvolvidos um ano após a Alma Ata (1978), na Conferência “Health and population in Development”, em Bellagio/Itália, envolvendo atores e instituições ligadas ao processo de implantação dos Centros de Saúde nos EUA (medicina preventiva), tais como: John H. Knowles, presidente da Fundação Rockfeller, David Bell vice-presidente da Fundação Ford, o Secretário de defesa norte-americano por duas administrações e Robert S. McNamara, no período presidente do Banco Mundial (BM).(SILVA, 2007; FAUSTO e MATTA, 2007). O BM na gestão McNamara (1968-1981) confere foco às mudanças na economia mundial e aos desequilíbrios existentes nos países periféricos, oferecendo investimentos em projetos de combate à pobreza e à miséria mundial, incluindo a saúde. Dessa forma, dos empréstimos realizados pelo BM aos países periféricos, assumem destaque os de projetos na área social, sob a justificativa de ‘solução’ das precárias condições de vida da maioria da população, como condição para alinhamento à nova ordem econômica. Cabe destacar a 59 atuação do economista James Grant, o qual trabalhou na China pela Fundação Rockfeller e assumiu, na década de 1980, a direção executiva da UNICEF, participando junto ao BM no incentivo aos Cuidados Primários Seletivos (incentivo ao aleitamento materno, Terapia de Reidratação Oral, entre outros). Essa mudança na direção da UNICEF promoveu seu papel de destaque (apoiada por grandes volumes de recursos empregados pelo BM, entidades privadas e agências de ajuda ao desenvolvimento) e diluiu a ênfase dada às definições de Cuidados Primários em Saúde na Alma Ata pela OMS. (SILVA, 2007; MATTA, 2005) As ações da ‘cesta básica’ de Cuidados Primários à Saúde, por meio da parceria do governo e das organizações não governamentais com a UNICEF, conforme Silva (2007), são emblemáticas no Brasil na década de 1980. Expressam grande impacto na redução da morbimortalidade infantil, caracterizando o marco da influência das agências internacionais nos debates do setor de saúde brasileira por políticas sociais focalizadas. Destaca-se nesse período a atuação da Igreja Católica e do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) nas ações de Cuidados Primários à Saúde em comunidades locais, focados, principalmente, na atenção materno-infantil, utilizando moradores treinados por profissionais de saúde para realização destas ações. No entanto, as atividades realizadas nesse período pela Igreja Católica e por Projetos de Medicina Comunitária não são homogêneas e algumas experiências conseguem promover reflexão mais crítica quanto à saúde como direito social. (LOPES et. al, 2011). No mesmo período das discussões da Saúde Coletiva e da RSB no Brasil, inicia-se o moderno movimento de Promoção da Saúde no Canadá, cujo marco de referência é a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em 1986. Reunindo principalmente os países centrais, a conferência teve como principal produto a Carta de Ottawa, que se tornaria referência fundamental no desenvolvimento do ideário de Promoção da Saúde em alcance internacional, a partir da articulação do governo canadense com a OMS. A Carta de Ottawa (1986) traz a seguinte definição: Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. (OPAS, 1986). A Carta de Ottawa defende três estratégias fundamentais para atender a melhoria da ‘qualidade de vida’: a defesa da saúde, como recurso para o desenvolvimento econômico social (mesma concepção de saúde utilizada na Conferência sobre Cuidados Primários em Saúde de Alma Ata); a capacitação dos indivíduos e das comunidades de forma a oferecer ‘oportunidade’ para que as pessoas tenham condições de realizarem um ‘completo potencial 60 de saúde’; e a mediação, entendida como ação coordenada das organizações da sociedade civil, na realização de parcerias, de forma a contribuir para cooperação entre os diversos setores sociais e econômicos envolvidos com a saúde. Nessa última estratégia cabe destacar uma das principais diretrizes da nova corrente da Promoção de Saúde, a responsabilização dos profissionais e grupos sociais como mediadores entre os diferentes interesses relacionados à saúde existentes na sociedade, em busca da equidade em saúde. As três estratégias acima referidas seriam asseguradas pela operacionalização de cinco campos centrais de ação: elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis, expressa por abordagens intersetoriais, com o auxílio de ações coordenadas que apontem para “(...) distribuição mais equitativa da renda e das políticas sociais.”(BUSS, 2003 p. 27); criação de ambientes favoráveis a saúde, a proteção, a conservação e ao acompanhamento do impacto das mudanças no meio ambiente, assim como a conquista de ambientes que favoreçam à saúde (trabalho, escola, lazer, lar, cidade); a reorientação dos serviços de saúde, na perspectiva de trabalho que priorize as ações de promoção de saúde, isto é, com ampliação do espectro do trabalho em saúde, garantindo a formação de profissionais que preconizem uma visão ‘abrangente’ e intersetorial da mesma; desenvolvimento de habilidades e atitudes pessoais, entendida como empowerment individual (Carvalho, 2007), caracterizado pela assimilação de informações divulgadas pela educação em saúde, assim como o desenvolvimento da autonomia individual, de sentimentos de autoconfiança, autocuidado, solidariedade, com ganho de atitude e sentimento de controle da própria vida; e por último, o empowerment comunitário, visando o desenvolvimento de ações que garantam a organização comunitária nos processos decisórios, fixação de prioridades na saúde, bem como o acesso contínuo à informação e a oportunidade de aprendizagem para aquisição de saber técnico e consciência política para atuar em prol da própria saúde. (CARVALHO, 2007; BUSS, 2003). Segundo Minayo et. al. (2000), a noção de qualidade de vida é considerada, no campo semântico, polissêmica, apresentando elementos subjetivos e de incorporação cultural, assim como de representações sociais. Nesse sentido, a noção se aproxima do grau de satisfação na vida, a partir da síntese de elementos culturais, condicionando determinados padrões de conforto e bem-estar. Isto é, conforme a autora, a qualidade de vida está ligada a construção de valores sociais hegemônicos e a uma relatividade cultural individual ou de grupos, em distintos períodos históricos e determinados locais. Dessa forma, é passível de apreciação universal, a partir de parâmetros materiais de padrões de conforto e de tolerância que determinada sociedade constrói para si nas relações sociais. Consequentemente, há a 61 possibilidade de mensuração e comparação, desde que relativizados culturalmente no tempo e no espaço. O patamar material mínimo e universal para se falar em qualidade de vida diz respeito a satisfação das necessidades mais elementares da vida humana: alimentação, acesso a água potável, habitação, trabalho, educação, saúde e lazer; elementos materiais que têm como referência noções relativas de conforto, bem-estar e realização individual e coletiva. (MINAYO et. al. 2000, p. 10). Segundo a autora, o discurso sobre a relação da qualidade de vida e saúde, embora seja bastante inespecífico e generalizante, apresenta-se, desde o nascimento da medicina social no século XVIII e XIX, como subsídio para políticas públicas e para movimentos sociais. A preocupação com a qualidade de vida está associada à medicina social ocidental e latino-americana, e se revigorou no debate da Promoção de Saúde. Nesse sentido, a ‘qualidade de vida’ tem sido redimensionada pelo pensamento sanitarista canadense, a partir do Informe Lalonde (1974), tomando por base os fatores DSS, entendidos como: estilo de vida, avanços na biologia humana, ambiente físico e social e serviços de saúde. Todavia, do ponto de vista teórico-metodológico, os DSS apresentam fatores para explicar as diferenças no estado de saúde entre indivíduos, mas não aprofundam a causa mais substancial referente ao modo de produção material de existência, em seu sentido amplo no conjunto das relações sociais e suas respectivas mediações, conforme discutido na concepção da determinação social em saúde. (BUSS, 2003) Por essa visão, conforme Minayo et. al. (2000), a ‘qualidade de vida’ é desenvolvida quase sempre resumida ao campo médico, como valor atribuído a vida, a partir de: ponderações por deterioração funcional, percepções subjetivas e condições sociais induzidas pelo agravo e na organização do sistema de atenção à saúde. Na epidemiologia clássica, indicadores de Qualidade de Vida Ligada a Saúde (QVLS) têm sido utilizados para seleção de procedimentos de mensuração, a partir de três abordagens: funcional, com a definição de parâmetro de normalidade para determinada idade e função social ou morbidade (indicadores individuais de capacidades para execução de atividades); de bem-estar, pelo exame das reações subjetivas frente às experiências de vida (capacidade do indivíduo para minimizar sofrimento e maximizar satisfação pessoal e do seu entorno); e de utilidade, mediante comparação econômica da escolha individual a um determinado estado de saúde. Frente a estas abordagens, do ponto de vista de sua aplicação, as medidas são classificadas como: genéricas, com uso de questionário de base populacional sem especificação de doença, recomendado para estudos epidemiológicos, planejamento e avaliação do sistema de saúde e que baseia a ‘qualidade de vida’ na construção subjetiva e 62 multidimensional, composta por fatores positivos e negativos, isto é, instrumento psicométrico pautado em domínio físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente; e específicas, relacionadas a ‘qualidade de vida’ cotidiana dos indivíduos subsequente à experiência de doenças, de agravos ou de intervenção médica específicas, referindo-se às doenças crônicas, neurológicas e agravos agudos, incluindo indicadores para aspectos subjetivos de convivência com a doença e lesões. É importante ressaltar que tais estudos têm sido amplamente utilizados, com foco maior nas doenças crônicas (Doenças e Agravos Não Transmissíveis - DANTs), produzindo consensos entre os profissionais de saúde no mundo para arbitragem no que se trata da epidemiologia clássica, a partir de valores bioestatísticos na negociação e outras implicações para escolhas de quantidade e ‘qualidade de vida’, comparada ao custo-benefício dos investimentos em intervenções na saúde. Esses indicadores foram utilizados, por exemplo, no Relatório Anual do Banco Mundial em 1993, a partir da realização de estudos em diversos países, de maneira a recomendar pacotes mínimos de ações para redução da carga global de doenças, sem aumentar os recursos de saúde. (MINAYO, et. al, 2000). É no final do século XX que as estratégias de Promoção de Saúde e as perspectivas das “evidências científicas” na área das DANTs são amplamente divulgadas pela OMS, a partir de Conferências sobre Promoção de Saúde nos países periféricos. Diante do aumento da expectativa de vida da população e do aumento da incidência das DANTs no século XX, a OMS prioriza tais estudos epidemiológicos e os instrumentos de avaliação no âmbito médico, associando as estratégias de ação relacionadas à Promoção de Saúde. (MINAYO, et. al, 2000; MATTA, 2005). Cabe ressaltar que a OMS, segundo Matta (2005), na década de noventa, atravessa uma profunda crise política e econômica, visto a perda de credibilidade anterior na discussão “ambiciosa” de Alma-Ata (1978). A OMS manifestou incapacidade de gerenciamento e negociação política internacional diante das orientações de Alma Ata, com recuo diante da pressão de grandes interesses da indústria na área da saúde. Neste período, o domínio das orientações e estratégias mundiais de ações passou à UNICEF e ao BM por meio do investimento em projetos de ajustes macroestruturais para atenção a saúde, com fornecimento de insumos, diagnósticos dos sistemas nacionais de saúde no mundo, propostas de capacitação de recursos humanos. Portanto, buscando se adaptar a ‘nova ordem mundial’, a OMS procurou trabalhar com áreas prioritárias, criando instrumentos que avaliem e que gerem informações a respeito da carga global de doenças, impacto nos estilos de vida e contextos socioeconômicos e ambientais na saúde das populações. Conforme o autor, a retomada da 63 liderança técnica e política sobre a oferta de ideias é marcada pela parceria da OMS com a Fundação Rockfeller, em 1998, para investimento em contratação de especialistas fora da instituição (Harvard e do BM) na reorganização da agência. Com o ingresso dos especialistas de Harvard e do Banco Mundial, a OMS parecia iniciar um modelo político que se assemelhava ao realizado pelo Banco Mundial. Ou seja, avaliando sistemas de saúde, criando demandas e colocando-se como autoridade técnica e política para orientar e conduzir os processos de saúde globais. (MATTA 2005, p. 388) Nesse contexto, a partir do levantamento, da avaliação e da classificação dos diversos sistemas de saúde no mundo, a OMS lança o Relatório Mundial de Saúde de 2000: “Sistemas de saúde: melhorando a performance”, com os seguintes objetivos, entre outros: melhoria da saúde populacional para “redução das desigualdades” entre os países; incremento da capacidade de resposta à expectativa da população; e equidade na distribuição de recursos financeiros. Esse trabalho teve como justificativa a melhor identificação das necessidades de saúde das populações, partindo da construção de indicadores e da análise comparativa dos sistemas de saúde nacionais, tendo em vista a construção de “evidências científicas” para a avaliação da ‘qualidade de vida’ das populações e a garantia da efetividade da atenção à saúde. (MATTA, 2005). Atualmente, esses indicadores epidemiológicos são utilizados na área do planejamento em saúde pública para se ter elementos na tomada de decisão, através da medida da carga de doenças, da identificação de grupos mais vulneráveis e da avaliação do custo-benefício dos programas de intervenções. Os diagnósticos sobre a situação epidemiológica global e as suas respectivas orientações, para adequação dos Estados Nacionais aos “novos desafios” de atenção à saúde, são entendidos como agendas globais para saúde elaboradas a partir de estudos pela OMS e seus escritórios regionais, na América do Sul Organização Pan- Americana da Saúde (OPAS) e parceiros tais como o BM, nas cooperações internacionais. A Promoção de Saúde representa, assim, estratégia promissora, pois compreende a “redução nas desigualdades” e a promoção da equidade em saúde mediante as ações intersetoriais, que interfiram nos fatores, na busca de ‘qualidade de vida’. Podemos observar o diagnóstico da OPAS (OPAS, 2002) demonstrando preocupação com a magnitude das DANTs, sendo a mesma responsável por cerca de 44% dos óbitos e das incapacidades prematuras em homens e mulheres abaixo de 70 anos, que é a faixa etária da “população economicamente ativa” (trabalhadores). Observa-se também uma maior incidência nos países com menor possibilidade de garantia de políticas públicas sociais, “80% das doenças crônicas ocorrem em países de baixa e média renda”. Nesse sentido, utiliza-se de tal diagnóstico, para 64 análise e para proposição de estratégias para enfrentamento, considerando melhor custo- efetividade para os sistemas de atenção, de forma utilitarista para redução de custo das intervenções, por meio da Promoção de Saúde com ‘participação comunitária’. (...) é imperativo que os serviços de saúde pública forneçam contribuição técnica, e proporcionem a perspectiva da comunidade identificando grupos organizados e promovendo a troca de informação sobre questões de saúde entre eles e com os governos locais. (...) A incidência de doença e fatores de risco, assim como a implementação de intervenções, é afetada pelo contexto social, que se refere ao ambiente físico, social, e cultural (...).O Estado e os grupos sociais representam papéis cruciais na formação do contexto social. As ciências sociais e do comportamento contribuíram para um melhor entendimento da influência desses fatores sobre a saúde. Ficou claro que esforços de prevenção precisam se estender além do indivíduo para o ambiente que afeta o comportamento. (...) O ambiente social imediato exerce um forte influência sobre possibilidade de mudança do comportamento. (...) Parece que as abordagens que envolvem mais de um nível necessariamente incluem a participação da comunidade e são, geralmente, mais bem sucedidas e eficientes. (OPAS, 2002 p. 6/7; 7). Aqui cabe uma questão: pensando na concepção ampliada da saúde e em sua relação com o adoecimento, restringindo às DANTs, não seria necessário especificar de que maneira o “ambiente social” manifesta “risco” para a população “economicamente ativa”? Entendendo a magnitude desse problema de saúde pública, o Ministério da Saúde (Brasil, 2008) identifica o aumento da incidência de DANTs, tais como: doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas, diabetes, entre outras, que acarretam sofrimento dos indivíduos, das famílias e das sociedades, reconhecendo que os “fatores de risco” associados a essa epidemia mundial e nacional se relacionam com: (...) o cenário contemporâneo, no qual a competitividade e o individualismo são privilegiados como modos de existir e de se relacionar, são potencializadas as ações dos fatores de risco associados ao sedentarismo, à alimentação com excesso de gorduras, açúcares e sal, ao consumo de tabaco, ao uso abusivo de álcool e outras drogas e às atitudes violentas na mediação de conflitos. Ao mesmo tempo, reduz-se a ação dos fatores protetores, tais como: o acesso ampliado a alimentos in natura e de melhor qualidade nutricional, a existência de redes de suporte social e de espaços públicos seguros e facilitadores de interação social por meio de práticas esportivas e culturais, bem como o desenvolvimento de ferramentas não violentas para a mediação de conflitos, entre outros. (BRASIL, 2008 p. 17). Nesse “cenário contemporâneo do modo de existir”, não deveríamos compreender enquanto reprodução da existência, ou condições objetivas de vida na conjuntura político- econômica e cultural da ordem social vigente? Breilh (2006), ao refletir sobre a complexidade do objeto saúde, afirma que a abordagem pela epidemiologia hegemônica é insuficiente para responder à amplitude da determinação social no processo saúde-doença. Segundo o autor (2006, p. 83): “A unidade coerente da velha epidemiologia (...) é, portanto, a ideia da 65 realidade como dividida em ‘fatores’, a concepção causalista do modelo de fatores de ‘risco’ e a redução da ação à correção funcional dos riscos, a fim de manter o status quo.” Segundo Campos (2007), o ideário da Promoção de Saúde foi absorvido e incorporado rapidamente ao discurso oficial das agências internacionais, sendo implementado por diversos segmentos governamentais e por organizações da sociedade civil de diferentes países, como discurso ‘politicamente correto’ para os modelos assistenciais dos sistemas de saúde, voltando sua atenção, principalmente, nas ações da APS. A Promoção de Saúde, entendida a partir da concepção de saúde de Alma Ata (1978) e defendida pela Carta de Ottawa, advoga: As condições e os recursos fundamentais para a saúde são: Paz – Habitação – Educação – Alimentação – Renda - ecossistema estável – recursos sustentáveis - justiça social e equidade. O incremento nas condições de saúde requer uma base sólida nestes pré-requisitos básicos. (CARTA DE OTTAWA, 1986). De acordo com Stotz e Araújo (2004), tendo como pano de fundo a crise acirrada nos países periféricos pelos ajustes macroeconômicos e sociais decorrentes das imposições neoliberais para a negociação das dívidas externas, a discussão realizada com os países centrais das ações de Promoção de Saúde seria inviável para atender os requisitos e as condições fundamentais para a saúde, conforme definido pela Carta de Ottawa. Nesse sentido, há um deslocamento da concepção de saúde, em que se reafirma a mesma enquanto consequência do desenvolvimento econômico e social, todavia não mais a consolidando como um estado a ser alcançado, mas um projeto a ser definido de acordo com cada nação, mediante os respectivos contextos socioeconômicos e as possibilidades técnicas, econômicas, políticas e culturais. Como discurso, há duas concepções pautadas em formas diferentes de se compreender a Promoção de Saúde: (...) uma baseada na mudança política dos “fatores gerais” de determinação da saúde, proposta por Sigerist em 1946, e outra orientada para as mudanças comportamentais e de estilos de vida não saudáveis (fumo, obesidade, promiscuidade sexual e abuso de substâncias psicoativas), um dos campos da saúde pública formulados por Lalonde em 1974. (SCIOLI E NASCIMENTO, 2003 apud STOTZ E ARAÚJO, 2004, p. 11). Foram realizadas outras conferências sobre a Promoção de Saúde de forma descentralizada, incluindo os países periféricos, como Bogotá na Colômbia (1992), Caribe (1993), Jacarta na Indonésia (1997) e México (2000). O Brasil se faz signatário na realização da Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde na Região das Américas de Bogotá (Colômbia), em 1992. A Carta de Bogotá traduz o ideário discursivo da Carta de Ottawa (1986), mas com ressalvas nas estratégias de ações, enfatizando a ‘dificuldade’ de se atingir a proposta definida em relação aos requisitos e às condições para saúde de acordo com suas concepções (Alma-Ata) e com a Promoção de Saúde (Ottawa). Tendo como respaldo o 66 contexto sócio econômico dos países periféricos, diante da crise econômica e das políticas de ajuste estrutural macroeconômico, a Carta de Bogotá assim advoga: “(...) Dentro desse panorama a promoção de saúde destaca a importância da participação ativa das pessoas na mudança das condições sanitárias e na maneira de viver, condizentes com a criação de uma nova cultura de saúde.” (OPAS, 1992 apud STOTZ E ARAÚJO, 2004 p. 12). Dessa forma, a Promoção de Saúde é entendida mais como um esforço preventivo, de incremento na capacidade das pessoas no enfrentamento dos problemas de saúde, apresentando um conjunto de mecanismos, de autocuidado, de ajuda mútua e de criação de ambientes saudáveis, por intermédio de atividades educativas numa perspectiva autoritária, do que propriamente a participação em ações coletivas, conforme discutido a respeito de empowerment comunitário. Cabe destacar que as orientações relacionadas à Promoção de Saúde apresentam o foco na equidade em saúde. No ideário do BM na década de 1990, o significado de equidade se alinha a recomendações de ajuste macroestrutural para o encaminhamento de políticas públicas sociais compensatórias nos países periféricos, em diferente compreensão do princípio reafirmado pelo movimento da RSB na Constituição de 1988. Segundo Rizzotto (2013 p. 19): Um “dispositivo” constitucional modificado e pouco percebido pelos estudiosos do setor de saúde brasileiro é o princípio da igualdade de acesso convertido em equidade, conceito recorrente nos documentos do Banco, que incorpora a tradição do pensamento liberal e tem seus argumentos políticos e morais na ideia de Justiça de Rawls. Para Rawls (1997), a justiça remete a “mínimos de equidade”, necessários para o funcionamento de uma “sociedade bem ordenada”. A equidade supõe a ideia de uma justiça redistributiva e não distributiva e está no coração da definição do papel do Estado: garantir aos que não podem por seus próprios recursos, talentos e capacidades o mínimo para a manutenção da vida. A equidade em saúde, definidora das orientações da OMS sobre a Promoção de Saúde, na Conferência de Bogotá em 1992, é relacionada à eliminação das “(...) diferenças desnecessárias, evitáveis e injustas, que restringem as oportunidades para alcançar o direito ao bem-estar.” (WHO, 1992 apud STOTZ E ARAÚJO 2004). A definição deixa em aberto a ideia da valorização da compreensão de equidade em saúde na estratégia da Promoção de Saúde como forma de oferecer ‘oportunidades’ de acesso, por focalização das políticas públicas para populações mais ‘vulneráveis socialmente’, reforçando a naturalização das desigualdades sociais como simples diferenças. Contudo, utiliza o ideário discursivo da Carta de Ottawa (1986), considerando a relação entre os DSS e sua gênese na condição de saúde da população. Relaciona a melhoria da ‘qualidade de vida’ a partir do estímulo à autonomia e ao empowerment individual e coletivo, buscando intervenção intersetorial nos múltiplos fatores determinantes. 67 Segundo Campos (2007), muitos pesquisadores, intelectuais e dirigentes brasileiros se apropriaram do discurso da Promoção de Saúde, amplamente divulgado, incorporando à formulação das políticas de saúde nacionais, sem necessariamente considerar o rigor ao ideário da Saúde Coletiva. A ‘qualidade de vida’ tem seu foco mais importante nessa Promoção, compreendido de maneiras distintas, pela perspectiva da concepção de saúde como necessidades humanas fundamentais, materiais e espirituais; e/ou de forma focalizada, centrada na capacidade de viver sem doenças e em superar dificuldades dos estados ou condições de morbidade. As concepções da Promoção de Saúde: (...) ainda que reconheça que poderosos determinantes estejam frequentemente situados fora do setor e bastante ligados ao que se consideraria, no senso comum, como componentes da qualidade de vida, o sistema de saúde não intervém sobre eles; sente-se impotente ou simplesmente passa ao largo de tais relações. Na maioria das vezes, adota uma postura exclusivamente retórica quanto aos chamados determinantes extra-setoriais que são em grande parte, os mais relevantes componentes da qualidade de vida e também de uma vida saudável. Até mesmo o papel de mediação intersetorial e entre a população sob risco ou em situação de vulnerabilidade e o poder público - bastante preconizado como estratégia para a promoção de saúde - tem sido pouco acionado pelo setor, na maior parte dos países do mundo. (MINAYO et. al., 2000 p. 16). Nesse sentido, a ênfase a partir do método epidemiológico hegemônico, na priorização dos problemas de saúde, coloca em questão seu objeto de intervenção que aponta para uma contradição entre o ideário e as estratégias. Essas últimas configuram-se a partir do paradigma biomédico da prática clínica, caindo na perspectiva behaviorista da Promoção de Saúde para o controle de riscos e agravos, isto é, culpabilização das vítimas do descaso nas políticas públicas sociais, com a responsabilização de seguir ou não prescrições de comportamentos individuais que não sejam de “risco”. Stotz e Araujo (2004, p. 13) trazem ainda alguns exemplos dessas práticas: (...) o advento do “fumante passivo”, no controle do tabagismo; e o “vizinho” que fiscaliza a caixa d’água do outro, no controle do Aedes aegypti. Por isso, a educação em saúde virou a vedete dos programas de promoção. Nunca se promoveu tanto a educação sanitária, que é propagada em cursos e treinamentos acríticos. Por outro lado, as ações de promoção de saúde tratariam de intervenções no que se refere às situações que expressam determinadas condições de vida e ao ideário da Carta de Ottawa (1986). Tais ações, de cunho intersetorial, devem ser realizadas a partir do processo de trabalho e concretizadas nos espaços sociais vividos pelas pessoas, apontando, portanto, a importância da abordagem territorial. Nesse caso, conflui para a proximidade local e para a inter-relação no sentido da abordagem do cotidiano imediato e localmente vividas, como maneira de estimular a solidariedade para implementação de ações: voluntárias, pontuais e assistenciais (participação cooperativa), ou solidariedade organizada politicamente 68 (participação ativa). Contudo, ao considerarmos o empowerment comunitário ou individual, entendido como capacidade de empreender ações, de negociar e de pactuar com outros atores sociais, assim como no agir coletivo em busca das resoluções dos problemas de saúde pelo viés intersetorial de ação em fatores determinantes isolados, a Promoção de Saúde assume a função de educar uma ‘nova cultura para a saúde’. Essa visão é autoritária e segundo Stotz& Araújo (2004, p. 12): Pressupõe que as pessoas não têm uma cultura da saúde, não veem a saúde como um bem desejável e precisam ser conscientizadas da sua importância. (...) Isso leva a supor que a participação popular ativa, discurso proferido em todas as conferências, seja, de fato, meramente cooperativa (portanto passiva) e não problematizadora (verdadeiramente ativa). Em outra perspectiva, a compreensão crítica do processo saúde-doença, superando as concepções mecanicistas biomédicas, incluem, em seu contexto, a experiência dos indivíduos em relação às manifestações distintas de processos destrutivos da saúde, a partir da reflexão sobre as diferentes condições objetivas de vida de grupos/classes sociais na sociedade. Dessa forma, os determinantes do processo saúde-doença e sua relação com o contexto político econômico do ambiente social levariam à reflexão ampliada sobre as condições objetivas de vida dos indivíduos e das coletividades e a ‘qualidade de vida’. Conforme Berlinguer (1988 p. 95): A doença num indivíduo, fenômeno intimamente ligado à sua existência privada, é raramente um caso isolado. Processos patológicos semelhantes verificam-se paralelamente em outras pessoas e são expressão de forças destrutivas que agem sobre a coletividade. A soma e a interpretação desses episódios poderiam fornecer muitos dados de natureza econômica e social, poderiam dar indícios e orientações para compreender o que ocorreu nas várias sociedades humanas, ou o que aconteceu no passado; e para prever melhor o futuro. A doença pode ser, portanto, um sinal. A doença encarada como um ‘sinal’, no que se refere a sua relação com as condições objetivas de vida e trabalho da população, conduz o raciocínio para a análise da capacidade de promover a saúde diante do padrão desigual na forma de adoecer e de morrer nas diferentes classes da sociedade. Aponta, portanto, para a necessidade de lutas na direção de políticas mais amplas, não para culpabilização e inculcamento de “mudanças comportamentais”, nem para ações campanhistas restritas ao setor de saúde ou de determinados agravos. Nesse sentido, a prática sanitária da Promoção de Saúde conduziria a organização das ações para a ‘qualidade de vida’, mais próxima da compreensão da epidemiologia por Breilh (2006 p. 82): A unidade coerente da epidemiologia crítica é a concepção da realidade como um processo que se desenrola como um movimento organizado em torno de ‘modos de vida’ ou de ‘reprodução social’, com suas contradições e relações; é a concepção dialética de que esses modos de devir ou determinações das condições de vida e dos confrontos que vêm finalmente a ocorrer em nossos genótipos e fenótipos; e é a projeção da ação na saúde 69 como uma ruptura com os processos que destroem nossa saúde e nos impedem de nos emanciparmos (prevenção), e uma ruptura a favor dos processos que nos protegem e aperfeiçoam, tanto coletiva quanto individualmente (promoção). 3.2 ABS e as inflexões da RSB: ESF sob a perspectiva da Vigilância em Saúde Apesar de citada no artigo 196 da Constituição de 1988, a Promoção da Saúde somente toma forma política na década de 1990, estando fortemente ligada à discussão da reorientação do sistema de atenção à saúde e à realização dos cuidados a partir da Atenção Primária da Saúde (APS). A fase inicial de implantação do SUS, marcada pelo auge da conjuntura neoliberal brasileira, impõe fortes limites institucionais para seu financiamento e gestão, corroborando assim para a inflexão do movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) e para o respectivo ideário constitucional, conquistado nos princípios e diretrizes do sistema de saúde. Nesse contexto, configura-se amplo quadro de disputas nas concepções da APS: de um lado, o ideário do movimento da RSB, sustentado nos princípios e diretrizes (constitucionais que norteariam a reorientação do modelo de atenção do sistema de saúde); de outro lado, as orientações das agências internacionais, muito influente nas definições das políticas sociais, tendo em vista os condicionamentos do Banco Mundial (BM) para financiamento de projetos na área social, mediante empréstimos para países periféricos buscando o “alívio da pobreza”. A reorientação do modelo assistencial, pela perspectiva da RSB, incorpora os princípios do SUS e concepções da APS, como integralidade, universalidade, equidade, resolutividade, humanização e participação comunitária. Segundo Corbo e Morosini (2005), o paradigma da organização da APS, entendida como organização do sistema de saúde, envolve quatro princípios transversais para operacionalização: o primeiro contato, considerando a APS como porta de entrada do sistema de saúde é a noção de acessibilidade; a longitudinalidade, como cuidado e relação pessoal duradoura (vínculo) da equipe de saúde com o sujeito e o uso consistente do serviço ao longo do tempo; a integralidade, em que a equipe é capaz de lidar com problemas mais comuns da população e que também é responsável pelo ordenamento e reconhecimento da necessidade de outros níveis de atenção à saúde; e a coordenação da atenção, a qual diz respeito à capacidade de armazenar e disponibilizar base de informações do sujeito a respeito de problemas e serviços anteriormente utilizados. A conjuntura político-econômica, no entanto, na primeira fase de institucionalização do SUS, contribuiu para que os programas de APS manifestassem o viés focalizado e seletivo, 70 conforme orientações internacionais. É nesse contexto que foram estabelecidos o PACS (1991) e PSF (1994), primeiras iniciativas de alternativa para organização da atenção em âmbito local, ligados às ações do governo federal, respectivamente, para combate à morbimortalidade infantil e a epidemias no nordeste e priorização da oferta de ações básicas de saúde nas áreas de maior carência, conforme mapa da fome do IPEA. A atuação em promoção de saúde pelo PACS e PSF estaria mais restrita a orientações educacionais e à difusão de intervenções simples, tal como a de Terapia de Reidratação Oral (TRO), na década de oitenta. (SILVA, 2007). Na segunda metade da década de noventa, além da crise de subfinanciamento e gestão do SUS, o Brasil, assim como outros países da América Latina, apresentava mudanças rápidas no quadro demográfico, com queda da taxa de natalidade e com aumento da expectativa de vida. Essa transição demográfica viria acompanhada de uma mudança rápida no perfil epidemiológico, acarretando aumento nos gastos com a atenção à saúde em decorrência das Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANTs). Aliada a essa condição, mantinha-se persistente a alta incidência de doenças infectocontagiosas, também contribuindo para crise do setor de saúde na década de noventa, fato qual justificou os diagnósticos de ‘ineficiência’ e as respectivas recomendações das agências internacionais para reestruturação do sistema de saúde. Segundo Viana e Dal Poz (1998, p. 228): “A crise da saúde é uma das razões mais fortes para o início, a partir de 1995, da reforma da reforma da saúde no Brasil, ou do processo de reforma incremental do SUS.” As propostas de reformas incrementais para essa área respondem às orientações da agenda global da saúde proposta pela OMS e caracterizadas por: “(...) a separação das funções de provisão e financiamento das ações de saúde; a inclusão de mecanismos de mercado através da competição administrada; e a ênfase na efetividade clínica (resultado das ações de saúde).Pode-se agregar, ainda, um outro tipo de proposta, que ainda não está tão disseminada quanto as demais, mas que certamente será um dos eixos de futuras reformas: mudanças na concepção de saúde e no papel dos usuários nos sistemas de saúde (reforço da cidadania).” (VIANA e DAL POZ, 1998 p. 228). Tendo em vista a experiência acumulada do Brasil em Cuidados Primários a Saúde com abordagem familiar (democratização da atenção pelo PIASS e Projetos de Medicina Comunitária), aliada aos princípios difundidos pelo BM (racionalização da atenção médica), observa-se uma convergência objetiva de interesses entre as agências internacionais e o movimento municipalista ligado a RSB, representado pelo Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), em torno da orientação das políticas de saúde para a descentralização. O impulso para a ampliação da cobertura e para a respectiva estruturação do 71 PSF e PACS, pela NOB 96, é defendido tanto para reorientação do sistema de atenção à saúde, na perspectiva dos princípios do SUS, como para expansão de cuidados com caráter focal dos Cuidados Primários Seletivos, conforme defendido pelas agências internacionais e pela macropolítica neoliberal. Nesse período, a priorização de programas de saúde preventiva com melhor custo/benefício representa a influência do projeto REFORSUS (1996-2003), resultado de um acordo entre o governo brasileiro, na solicitação de empréstimo para o BM visando a reestruturação da rede assistencial. O projeto objetivava contribuir na implementação de reformas “sustentáveis” financeiramente pelo SUS. (RIZZOTTO, 2013; SILVA, 2007). O PSF, a partir desse período, conquista um novo estágio de expansão, assumindo características, atribuições e mecanismos financeiros específicos, em estreita relação com o contexto macroeconômico de reformas e com a influência das orientações internacionais, levando em conta a adoção da política econômica social sugerida pelo BM. No âmbito discursivo, o PSF e o PACS apresentam caráter estratégico na ABS, como proposta de reorientação do modelo assistencial para ampliação da cobertura, conforme portaria nº 157/1998 que estabelece os incentivos financeiros aos municípios que implantaram o PSF e PACS, por número de equipes e de ACS contratados (PAB variável), além do PAB fixo. Segundo Silva (2007), a descentralização representa alinhamento mais próximo às propostas neoliberais para contratação de prestadores a nível local, a partir das modalidades de gestão de repasse para o setor privado da assistência médica da população, do que a perspectiva de democratização do acesso no contexto local, conforme princípios do SUS. Nesse sentido, conforme Silva Júnior (2006, p. 122): Seguindo o receituário dos Organismos Financeiros Internacionais, estipularam-se tetos financeiros para os dispêndios federais em saúde e responsabilizaram-se os poderes municipais pela condução da política de saúde, forçando-os a uma “criatividade” nem sempre positiva para o desenvolvimento das ações. Essa “criatividade” gerou propostas como “licitações públicas” para gestão privada de unidades de saúde, “terceirização” de ações mediante contrato de “cooperativas médicas”, transformação de hospitais públicos em fundações privadas, e outras. Essas proposições estimularam o aparecimento de um novo tipo de corporativismo médico, por meio de “cooperativas”, que abre mão de direitos trabalhistas e sociais em nome de uma “maior lucratividade” logo corrida pelo desgaste físico devido aos esquemas de trabalho. O Ministério da Saúde procura, no decorrer da implementação do PSF, desvinculá-lo do caráter programático, afirmando-o enquanto estratégia do processo de reorientação do modelo de atenção à saúde, almejando ser “(...)o marco da promoção da saúde, a integralidade, a territorialização e a continuidade das ações em saúde”. (CORBO E MOROSINI, 2005 p. 164). 72 A discussão sobre a reorganização do sistema de atenção é priorizada e aprofundada na agenda política da saúde brasileira na segunda metade da década de noventa, momento em que a temática de Promoção da Saúde ganha maior foco na proposta de atenção à saúde pelo SUS, principalmente a partir da ABS/ESF. Segundo Paim (2003), há nesse contexto intensa reflexão exercida para a adoção de novos modelos de reorientação da atenção à saúde incorporando a proposta de Promoção de Saúde, com o marco a partir do lançamento da Carta de Fortaleza pelo Conasems e posteriormente pela X Conferência Nacional de Saúde, com a discussão de ‘Modelos para a Qualidade de Vida’. A OPAS, no início dos anos noventa, já teria iniciado a reflexão em torno do uso da Epidemiologia, a partir das ‘estratégias de risco’ em relação a doenças específicas de nível populacional, ao planejamento e à organização dos serviços, a partir de ações de promoção, de prevenção e de recuperação de agravos, influindo diretamente na conformação de modelos assistenciais dos países latino-americanos. Tal reflexão também dinamizaria no Brasil a proposta de ampliação do objeto de intervenção e de reorganização do sistema de vigilância epidemiológica e sanitária, contribuindo para a articulação de questões relacionadas ao controle de riscos e de causas (determinantes socioambientais e necessidades sociais), às intervenções relacionadas às ações programáticas e à assistência médica-hospitalar, no âmbito local (território), confluindo para a defesa de um novo modelo de atenção à saúde, denominado ‘Vigilância em Saúde’, pensado a partir de diferentes campos de conhecimento: da epidemiologia, da administração e das ciências sociais. A proposta de ação da Vigilância em Saúde apresenta, de acordo com Paim (2003), três vertentes atualmente discutidas: a análise das situações de saúde, ampliando sua percepção, mas restrita a fatores das doenças; a reforma administrativa de unificação da vigilância epidemiológica e sanitária, articulada à organização das unidades de saúde; e a proposta de redefinição de prática sanitária a partir de territórios delimitados (distritos sanitários). No Brasil, o processo de implantação dos distritos sanitários buscava organizar os esforços para redefinir as práticas de saúde, tentando articular a epidemiologia, o planejamento e a organização dos serviços (Teixeira, 2000). Naquele momento, a preocupação incidia sobre a possibilidade de reorganizar a prestação dos serviços, buscando a integração das diferentes lógicas existentes: a atenção à demanda espontânea, os programas especiais e a oferta organizada dos serviços, com base na identificação das necessidades de saúde da população. (MONKEN e BATISTELA, 2008 p. 473). Apesar de apresentar diferentes vertentes, a Vigilância, na perspectiva de consolidação do ideário e dos princípios do SUS, tem como proposta a redefinição das práticas sanitárias na organização da assistência sob ações processuais, em territórios delimitados, que visem o enfretamento e o acompanhamento contínuo dos problemas de saúde. Dessa forma, busca 73 maior identificação das necessidades de saúde da população, partindo da compreensão do contexto e da dinâmica das relações sociais que interferem no processo saúde-doença, para o desenvolvimento de ações intersetoriais na perspectiva de melhoria da ‘qualidade de vida’. O território é entendido como processo, definindo uma determinada situação de saúde como manifestação do lugar e seu respectivo contexto de acordo com a acumulação de situações históricas, ambientais e sociais. Segundo Monken e Barcellos (2007, p. 181): O contexto são as condições objetivas e subjetivas da vida de um lugar, que podem influenciar ou condicionar de forma direta ou indireta as pessoas e os objetos, dependendo de como eles estão localizados no território, do ponto de vista social, econômico, político, cultural, etc. (...) As ações de saúde devem, assim, ser guiadas pelas especificidades dos contextos dos territórios da vida cotidiana que definem e conformam práticas adequadas a essas singularidades, garantindo com isso uma maior e mais provável aproximação com a produção social dos problemas de saúde coletiva nos diversos lugares onde a vida acontece. O processo de territorialização manifesta importante vertente estratégica da ESF: primeiro, em relação à substituição das práticas tradicionais de assistência focada na doença, para a oferta de atenção médica focada na família, que incorpore a lógica da Promoção de Saúde, comprometendo-se com a solução dos problemas de saúde, mediante a prevenção de doenças e com a promoção da ‘qualidade de vida’ da população em base territorial; segundo, como forma de demarcar os limites da área de atuação do serviço da ABS e para a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS), por meio da referência e da contrarreferência, nas diversas instituições de saúde. A unidade de Saúde da Família caracteriza-se como porta de entrada do sistema local de saúde. Não significa a criação de novas estruturas assistenciais, exceto em áreas desprovidas, mas substitui as práticas convencionais pela oferta de uma atuação centrada nos princípios da vigilância à saúde. (BRASIL, 1997 p. 11). Ainda na reflexão em relação à substituição do modelo assistencial, a diretriz operacional da saúde da família, com a lógica centrada na vigilância à saúde, proporcionaria no processo de trabalho melhor oportunidade de conhecimento dos problemas de saúde e de planejamento de intervenção pautada nos princípios do SUS. O território é a unidade privilegiada de convergência de toda organização da RAS, mas também e, principalmente, da ESF, como forma de estabelecer uma nova lógica da prática sanitária, a partir da relação mediadora entre serviço-território-população. Com isso, pretende-se conhecer os ambientes comunitários de reprodução social e promover um conjunto de ações intradomiciliares e comunitárias, na perspectiva epidemiológica da prevenção de riscos e na promoção de ações coletivas locais em parcerias com setores públicos, privados, de profissionais de saúde e de moradores, na busca da diminuição da vulnerabilidade que determinados contextos sociais proporcionam ao estado de saúde. 74 A partir da análise da situação de saúde local e de seus determinantes, os profissionais e gestores possuirão os dados iniciais necessários para o efetivo planejamento das ações a serem desenvolvidas. O cadastramento possibilitará que, além das demandas específicas do setor saúde, sejam identificados outros determinantes para o desencadeamento de ações das demais áreas da gestão municipal, visando contribuir para uma melhor qualidade de vida da população. (BRASIL, 1997 p. 13). Segundo Monken e Barcellos (2007), a delimitação de área para o trabalho das equipes de Saúde da Família deve ser definida a priori, com base na descrição (cadastramento) da população a ser acompanhada por cada equipe. Os recortes territoriais são definidos a partir dos seguintes critérios: área de abrangência: cada equipe deverá cobrir no máximo 1.000 famílias ou 4.500 pessoas; e microáreas: conjunto de famílias com 450 a 750 pessoas, correspondendo à unidade operacional do trabalho do ACS. A proposta da Vigilância a Saúde, a partir da territorialização, tem como ponto de partida o Planejamento Estratégico Situacional (PES), realizado a partir do reconhecimento e do esquadrinhamento da situação de saúde, e condições de vida na análise do território de forma contínua e ascendente. A perspectiva metodológica do PES, segundo Teixeira (1998 apud Monken e Barcelos, 2007), deve incluir análise da situação (identificação, priorização e análise dos problemas); objetivo (definição de cenário ); desenho de estratégias (definição da linha de ação, viabilidade e elaboração do projeto de ação); e programação (operacionalização). A coleta sistemática de informações, sobre as situações problemas da população no território, possibilitaria identificar as vulnerabilidades da população exposta e selecionar os problemas prioritários para intervenção, de forma a apontar estratégias e atores para operacionalização do planejamento, por meio do uso dos dados epidemiológicos e da localização dos problemas de saúde, mediante uso dos mapas de saúde, para proposição de intervenções intersetoriais. Dessa forma, na visão do Ministério da Saúde (Brasil, 1997), a implantação da ESF significa a substituição das práticas assistenciais com foco nas doenças para um processo de trabalho comprometido com a solução dos problemas de saúde, com a prevenção de doenças e com a promoção da ‘qualidade da vida’, a partir do trabalho terrritorializado, isto é, com a população adscrita a respectiva área de abrangência. As equipes da ESF seriam compostas por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes de saúde, podendo ou não incorporar outros profissionais, de acordo com as possibilidades e necessidades locais. Apesar do caráter estratégico, a ESF esbarra nas características focalistas e seletivas na forma de financiamento que se mantém pela indução da NOB 96, dificultando a operacionalização dessa perspectiva da Vigilância em Saúde. 75 Por outro lado, há o movimento em Defesa da Vida, também originário do movimento da RSB, integrando propostas na reorientação do modelo de atenção, conforme princípios do SUS. Por essa óptica, as premissas de atenção à saúde consideram as estratégias de territorialização, de hierarquização, de planejamento e de programação importantes, mas não se restringem aos aspectos organizacionais, estritamente epidemiológicos, e ao plano macropolítico. Segundo Carvalho (2007), a concepção teórica desse movimento agrega valores referentes à criação de mecanismos para incorporação de novos sujeitos na luta pelas mudanças setoriais, à necessidade de qualificação da gestão da saúde e à promoção de mudanças no processo de trabalho em saúde. Além de desenvolver conceitos, estratégias e tecnologias de gestão com o objetivo de implementação de diretrizes viabilizadoras da gestão democrática dos estabelecimentos de saúde, do acolhimento humanizado da clientela, do acesso a serviços resolutivos e do fortalecimento de vínculos entre profissionais e usuários, com definição de responsabilidades compartilhadas. Enfatiza-se a produção social da doença, valorizando a temática do agenciamento humano, a produção do sujeito e a emancipação social na construção subjetiva do processo saúde-doença e das demandas pelo atendimento na saúde, assim como nas lutas coletivas para garantia da saúde como direito social. Por outro lado, por meio do REFORSUS, o Ministério da Saúde investiu na formação e no treinamento dos recursos humanos para a ESF, mediante a criação de 31 Polos de Capacitação para equipes e o oferecimento de cursos de especialização e residência, assim como na compra de equipamentos para estruturação das Unidades com equipes de ESF. Em 1999, a partir da portaria nº 1.329, a ABS teve nova estruturação do financiamento, passando a definir o montante do financiamento pela porcentagem de cobertura populacional realizada pelas equipes de ESF nos municípios e ainda contou com novos reajustes nos valores dos incentivos, diferenciado para a implantação em municípios com mais de 100 mil habitantes, pela portaria nº 396/2003.(CORBO et. al., 2007; SILVA, 2007). As propostas do REFORSUS, decisão política para incentivar adesão dos municípios à proposta da extensão do ESF e PACS por meio do aumento dos incentivos financeiros, não foram capazes de resolver problemas mais complexos, tais como a precarização dos vínculos trabalhistas dos profissionais de saúde, a restrição financeira sofrida pelos munícipios com a Lei da Responsabilidade Fiscal e as determinações induzidas pelo mercado. Além disso, a expansão não favoreceu aos grandes centros e encontrou obstáculos na viabilidade de profissionais qualificados para os municípios de pequeno porte. (CORBO et. al. 2007; SILVA, 2007). 76 De acordo com Silva (2007), o estudo Determinação e Avaliação do Custo do Programa de Saúde da Família – PSF do Ministério da Saúde (2000) constatou que, a partir da ampliação da cobertura da ESF, aumentaram as disparidades na ampliação da cobertura da ESF, as disparidades regionais entre equipes de um mesmo município, assim como de municípios de uma mesma região, indicando a necessidade de apoio para expansão mais homogênea nos diferentes territórios. Nesse sentido, foi criado o Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Proesf), em 2002, a partir de acordo entre o governo brasileiro e o BM, voltado para a organização e para o fortalecimento da ABS. O Proesf é apresentado como investimento de estruturação da ESF na qualificação de trabalhadores, no monitoramento e na avaliação da ABS, além do auxílio financeiro para implantação e para consolidação da ESF nos municípios com mais de 100 mil habitantes, na reestruturação das unidades, das equipes, da integração com outros serviços e do aperfeiçoamento da gestão do sistema. (CORBO, et. al., 2007; SILVA, 2007). A orientação desse programa para reorganização da assistência à saúde pela ABS está direcionada para: O fortalecimento da Saúde da Família deverá combinar a extensão de cobertura de serviços com a maior qualidade da atenção e satisfação das necessidades de saúde para a população brasileira hoje concentrada em grandes centros urbanos. Na agenda de enfrentamento das atuais demandas e necessidades em saúde, destacam-se os princípios da promoção da saúde como norteadores de estratégicas de trabalho e desenvolvimento efetivo de ações intersetoriais. (BRASIL, 2003). O Proesf apresentou volume total de recursos de U$550 milhões, sendo 50% financiados pelo BM e 50% de contrapartida do governo brasileiro, com período de vigência definida de 2002 a 2009. Entre os três componentes do projeto, encontra-se o de contribuição para conversão do modelo de atenção básica à saúde nos grandes centros urbanos, com o objetivo de estruturação da porta de entrada do Sistema e da viabilização de rede de serviços de suporte, a partir da Saúde da Família, englobando também outros níveis de complexidade, para assegurar assistência integral aos usuários. Especificamente no componente relacionado à qualificação dos Recursos Humanos na ABS, o discurso está direcionado à formação dos profissionais, a partir de uma nova prática sanitária, com superação do modelo tradicional de atenção à saúde biomédica. “Torna-se necessário avançar na estruturação de processos educativos que assegurem novas práticas sanitárias, superando modelos tradicionais centrados exclusivamente nas abordagens de doença e de riscos conhecidos de adoecimento.” (BRASIL, 2003 p. 13). Em relação ao componente de avaliação e de monitoramento, o projeto tem como objetivo a estruturação e a implementação de metodologias para acompanhamento do desempenho e para a avaliação dos processos, a partir da criação de instrumentos a serem 77 utilizados como ferramenta de gestão nos três níveis de organização do SUS. (BRASIL, 2003). Considerando as proposições dos “novos desafios” na saúde conforme agenda global de saúde e Relatório Mundial de Saúde nos anos 2000 da OMS, o Ministério da Saúde, em 2002, divulga um documento para discussão sobre a implantação de uma política nacional de Promoção de Saúde. Esse documento adota a orientação da Promoção da Saúde mais próxima da visão funcionalista, relacionada aos estilos de vida da população, no desenvolvimento das Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANTs). Tal documento situa a Promoção de Saúde como estratégia potencial para enfrentamento dos riscos, para melhoria na ‘qualidade de vida’, pautando-se no aumento da expectativa de vida e prevenção de mortes prematuras. Além disso, reconhece a ESF, orientada pela lógica de territorialização, vinculação e continuidade no acompanhamento, como importante espaço para o desenvolvimento dessas ações que visem “reduzir as desigualdades”, tendo em vista garantir a equidade em saúde. Na elaboração da futura política de Promoção de Saúde, o Ministério assume as concepções da Conferência Internacional de Santafé de Bogotá, na Colômbia em 1992, encarando os “desafios” de construção das ações de Promoção de Saúde num país subdesenvolvido. Ratifica a necessidade de “conciliar” interesses econômicos e propósitos sociais de bem-estar, considerando que o “(...) processo de edificação de solidariedade e equidade social seriam objetivos estratégicos de uma política promocional de um país como o Brasil.” (BRASIL, 2002 p. 27). Para tanto, assumiria, entre outras, as seguintes estratégias e linhas de ação: Superar a fragmentação do Estado moderno, admitindo que a construção de políticas e ações intersetoriais passa por um planejamento conjunto e coordenado, em que a administração dos conflitos na discussão dos recursos e do poder, sejam superados pela imposição ética do caráter público dessas mesmas políticas, saudáveis porque objetivam a construção do bem estar social. (BRASIL, 2002 p. 28). Em 2006, é aprovada a Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS), pela portaria nº 687/2006, a partir da necessidade da implementação dessas ações, como um dos eixos da ESF para operacionalizar uma agenda específica pela ABS. Apresenta-se como mecanismo de fortalecimento de uma política que seja transversal, integral e intersetorial no campo sanitário. A PNPS, no entanto, considera como estratégia o tradicional viés behaviorista da perspectiva individualizante e fragmentária na abordagem em Promoção de Saúde, ao situar os sujeitos e as comunidades como os principais responsáveis pelas mudanças ocorridas no processo saúde-doença. Nesse sentido, a PNPS define como prioridade as ações de: “(...) alimentação saudável, prática corporal/atividade física, prevenção e controle do tabagismo, redução da morbimortalidade em decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas, redução da morbimortalidade por 78 acidentes de trânsito, prevenção de violência e estímulo à cultura de paz e promoção do desenvolvimento sustentável.” (BRASIL, 2007). A PNPS apresenta o entendimento de atuação estratégica da Promoção de Saúde em sua articulação transversal entre ABS e Vigilância à Saúde, conferindo “visibilidade” aos fatores de risco e criando mecanismos para “diminuição das vulnerabilidades”. A Promoção de Saúde, a partir da publicação da PNPS em 2006, apresenta-se como uma das estratégias, ao lado de outras ações programáticas (eliminação da hanseníase, controle da tuberculose, entre outros) oficialmente estruturantes da ABS, sendo incorporada também às metas do compromisso sanitário pela Vigilância à Saúde, estabelecidas no componente de financiamento do Pacto pela Vida (Brasil, 2006), com os objetivos, entre outros, de: Enfatizar a mudança de comportamento da população brasileira de forma a internalizar a responsabilidade individual da prática de atividade física regular, alimentação adequada e saudável e combate ao tabagismo; Articular e promover diversos programas de atividade física já existentes e apoiar a criação de outros; Promover medidas concretas pelo hábito da alimentação saudável; Elaborar e pactuar a Política Nacional de Promoção de Saúde que contemple as especificidades próprias dos estados e municípios devendo iniciar sua implementação em 2006. (BRASIL, 2006, p.13). O desenvolvimento das políticas de saúde para a ABS seguiu o processo de descentralização, com amplo esforço de extensão de cobertura, principalmente nos grandes centros urbanos, apoiado em investimentos financeiros de estruturação por pactuações de metas de cobertura e por reestruturação do sistema de atenção, a partir de negociações de modalidades de transferência Fundo a Fundo para os municípios por Projetos específicos, tal como o Proesf. Tendo em vista a continuidade da expansão da cobertura pela ESF/ABS, o governo brasileiro firma novo Contrato de Empréstimo (nº 7545-BR) com o BM, iniciado em 09 de setembro de 2009 e com o término em 30 de março de 2013. A 2ª etapa do Proesf reforça ainda mais o incentivo na garantia da ‘qualidade’ dos processos de trabalho e no desempenho dos serviços, da mesma forma que no aperfeiçoamento do sistema de monitoramento e na avaliação para qualificação de gestores e profissionais, visando a qualificar os processos de gestão e de trabalho. Segundo o Ministério da Saúde, essa nova fase do Proesf está relacionada à nova revisão de diretrizes e de normas para a organização da ABS/ESF, instituindo o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica PMAQ, pela portaria n. 1.654, de 19 de julho de 2011 e, consequentemente, a aprovação de uma nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), pela portaria 2.488, de 21 de outubro de 2011. (BRASIL, 2011). Nesse sentido, a PNAB/2011 esclarece: (...) Pelo viés da qualidade, induz a mudança de modelo por meio da Estratégia Saúde da Família e cria um Componente de Qualidade que avalia, valoriza e premia equipes 79 e municípios, garantindo aumento do repasse de recursos em função da contratualização de compromissos e do alcance de resultados, a partir da referência de padrões de acesso e qualidade pactuados de maneira tripartite. (BRASIL, 2011 p. 12). A construção desses indicadores para pactuação, como metas a serem atingidas para avaliação e monitoramento das atividades realizadas na ESF, apresenta grande impacto na reorientação do modelo de atenção à saúde. O incentivo direcionado às pactuações é extenso e condiciona diretamente a priorização das atividades de monitoramento de indicadores de saúde e prescrições de comportamento (vigilância em saúde individualizada e clínica, para grupos de risco de determinadas doenças preconizadas pelas ações programáticas na saúde), em detrimento da reflexão em torno dos condicionantes e dos determinantes sociais no processo saúde-doença. Essa reorganização da atenção segue a perspectiva centrada em indicadores quantitativos ou qualitativos acríticos, os quais apresentam notadamente o viés biomédico da epidemiologia clássica, numa concepção de trabalho muito mais próxima do controle preventivo de riscos do que das ações promocionais da ‘qualidade de vida’ pela perspectiva intersetorial. Tal situação reflete diretamente na orientação institucional do cotidiano do trabalho na ESF, remetendo se não para arbitragem social da doença/risco, para o estabelecimento de estratégias de negociação de conflito e/ou de condicionamento comportamental em atividades comunitárias intersetoriais compensatórias e focalizadas para o atendimento de metas, a exemplo das orientações das agências internacionais, como descrito nas responsabilidades da equipe de saúde da ESF: II - programação e implementação das atividades de atenção à saúde de acordo com as necessidades de saúde da população, com a priorização de intervenções clínicas e sanitárias nos problemas de saúde segundo critérios de frequência, risco, vulnerabilidade e resiliência; III - desenvolver ações que priorizem os grupos de risco e os fatores de risco clínico-comportamentais, alimentares e/ou ambientais, com a finalidade de prevenir o aparecimento ou a persistência de doenças e danos evitáveis; (...)VII - desenvolver ações educativas que possam interferir no processo de saúde- doença da população, no desenvolvimento de autonomia, individual e coletiva, e na busca por qualidade de vida pelos usuários; (...) X - desenvolver ações intersetoriais, integrando projetos e redes de apoio social, voltados para o desenvolvimento de uma atenção integral. (BRASIL, 2011 p. 25). Uma questão que se faz importante pensar nas atividades da ABS/ESF, são as concepções de saúde em jogo e, consequentemente, a prática sanitária referente à Promoção de Saúde. É preciso considerar as diferentes perspectivas de ‘qualidade de vida’ em disputa nas políticas de saúde. Apesar do ideário do pensamento hegemônico sanitário das agências internacionais no Brasil desenvolveu-se reflexão em torno das concepções de saúde enquanto direito social. Estratégias educativas críticas na área da saúde possibilitaram a ‘participação comunitária’ na organização e o tensionamento do poder estatal. Demarca-se, nessa 80 perspectiva, o referencial da RSB e da Saúde Coletiva, em que a concepção de saúde direciona formas políticas críticas de intervenção na busca da ‘qualidade de vida’. A Promoção da Saúde, entretanto, como parte da política voltada para a ABS/ESF, acabou por incorporar, discursivamente, pressupostos, tanto da RSB quanto do ideário neoliberal, mas com hegemonia desta última do ponto de vista das práticas de saúde desenvolvidas no âmbito dos serviços e da ação no território. As atividades relacionadas ao seu objetivo vêm se manifestando no trabalho na ABS/ESF, sob conflitos e contradições entre as orientações institucionais e a demanda da população nos serviços de saúde, conforme sentidos em disputa pela reorientação do modelo de atenção à saúde e pela sua respectiva prática sanitária. As diferentes perspectivas que pautam as intervenções, pelas orientações das políticas de saúde, correspondem à busca de atingir uma ‘qualidade de vida’ funcionalista e pragmática, visando às pactuações por metas voltadas ao âmbito das mudanças comportamentais, com foco de controle das DANTs em ações individuais e/ou coletivas para a compensação dos danos causados pelas condições objetivas de vida, no contexto das relações sociais vigentes. 3.3 O papel social do ACS: a questão da mediação O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é considerado figura central na reorientação do modelo de assistência à saúde pela ABS e pela ESF pelas políticas de saúde. A importância atribuída a sua atuação está relacionada ao consenso do seu papel mediador (“elo”) entre o serviço de saúde e a ‘comunidade’ territorialmente adscrita às equipes. Segundo o Ministério da Saúde (2009, p. 24), no manual do trabalho do ACS, esse trabalhador “(...) é um personagem fundamental, pois é quem está mais próximo dos problemas que afetam a comunidade, é alguém que se destaca pela capacidade de se comunicar com as pessoas e pela liderança natural que exerce. (...) Seu trabalho tem como principal objetivo contribuir para a qualidade de vida das pessoas e da comunidade.” (grifo nosso). Por essa óptica, o ACS dispõe de saberes, inerentes à sua “origem comunitária”, capazes de estabelecer maior relação de vínculo e de aproximação às necessidades de saúde da “comunidade”, características que definem o perfil sui generis (pendor à solidariedade e à identidade social) desse trabalhador. (NOGUEIRA, SILVA E RAMOS, 2000 apud MOROSINI, 2010). A importância da inserção do seu trabalho, em relação à dinâmica (re) organizativa do modelo de atenção de saúde, prevista pelas políticas institucionais, está ligada não só às ações 81 técnicas biomédicas do serviço de saúde, como também ao seu papel na construção de um alargamento da inclusão social dos sujeitos e das famílias, historicamente destituídos de acesso aos serviços de saúde. Evoca-se na sua atuação, a partir da idealização do papel comunitário, um sujeito capaz de reconstruir laços de solidariedade, para possível integração social, e de contribuir para manutenção/transformação de determinados valores de saúde e sociedade no contexto da realização do trabalho na área da saúde. Para compreendermos a construção do perfil de atividades realizadas pelo ACS, é necessário reconhecer que a ‘natureza’ atribuída ao seu trabalho, diretamente relacionada às habilidades de cunho relacional e de sabedoria cotidiana e ao compartilhamento de ‘códigos culturais’ do contexto local de sua moradia, manifesta seu caráter ‘central’ para mediação, entendida a partir de diferentes concepções políticas e ideológicas. Nesse sentido, segundo Borstein e Stotz (2009), a mediação no trabalho do ACS pode se dar de forma convencedora, pautada pela tradução e prescrição verticalizada de um saber técnico biomédico, reproduzindo a lógica do controle sanitário, ou transformadora, no sentido de compartilhamento do conhecimento, permeável às demandas/necessidades da população pelos profissionais de saúde. As ações desenvolvidas pelos ACS apresentam no pressuposto ‘comunitário’ seu caráter central para realização da mediação entre serviço de saúde e população, conferindo diferentes sentidos de participação em relação às políticas de saúde. Esclarecendo o que viria a ser a orientação comunitarista das políticas de saúde, Durão et. al. (2011) se refere aos sentidos atribuídos à ‘comunidade’, por estudos realizados no Brasil na década de 1940-50, momento em que se convencionava chamar de ‘comunidade’ as sociedades tradicionais de pequenas cidades rurais, caracterizadas por serem a priori acolhedoras e solidárias, em oposição às grandes metrópoles de urbanização acelerada. Segundo as autoras, essa perspectiva revela uma transposição anacrônica, como meio de ocultar e de estigmatizar a realidade concreta da situação de pobreza e de violência vivida pelos moradores das favelas nas metrópoles. Conforme Durão et. al. (2011), a relação do comunitarismo com as políticas de saúde brasileira foi historicamente estabelecida no campo da saúde durante a década de 1970, a partir do investimento nas ações de saúde no PIASS e nos Projetos de Medicina Comunitária, em que à APS eram atribuídas intervenções simples, para extensão de cobertura, e a participação popular era tida como forma da população empobrecida utilizar dos seus próprios recursos para sanar seus problemas. Entretanto, tal conjuntura, marcada pela crise de legitimidade do governo militar, é também o momento, em que os movimentos sociais na 82 saúde, a Saúde Coletiva/Medicina Social, a Reforma Sanitária Brasileira (RSB) e os setores progressistas da Igreja Católica, ganharam mais espaço na arena política e, nesse sentido, maior aproximação desses militantes ao contexto de vida da população local. O referencial da Educação Popular teve importância em muitas experiências locais durante os anos de 1970 e 1980. A Educação Popular é entendida como estratégia dialógica de aproximação dos discursos e entendimentos de mundo para construção de um saber, que trabalhe na perspectiva emancipatória de transformação das relações sociais e traz à tona a necessidade de se considerar a valorização do conhecimento acumulado pela experiência das classes populares. Essa valorização da vivência popular, possível pela aproximação do olhar dessas classes sobre a perversidade da realidade concreta das relações sociais de exploração/dominação/opressão, caracteriza instrumento de articulação entre os valores culturais/ideológicos e os projetos de sociedade, no que se trata de análise crítica das suas condições objetivas de vida. A partir desse viés, utilizado na participação popular da conjuntura política das décadas de 1970/1980, os agentes de saúde estiveram sob um processo de profissionalização pelo pressuposto da mediação transformadora, contribuindo para a organização e para a mobilização, em torno da reivindicação do direito à saúde, no MOPS e na RSB. (DURÃO, et. al.; STOTZ, et. al., 2005). Entretanto, uma nova situação configurou-se em decorrência da adoção de políticas de ajuste macroestrutural, propugnadas pelo FMI e pelo Banco Mundial, no Estado brasileiro nos anos de 1990. O agravamento da situação de pobreza e a violência urbana que acompanhou esse ajuste reduziram os níveis de coesão social e de legitimação do Estado nos chamados países periféricos, inclusive no Brasil. Como forma de restauração e de manutenção da hegemonia, as principais estratégias adotadas para a consolidação do poder das classes dominantes nesses países implicaram a difusão de novo ideário pelos organismos financeiros internacionais, sistematizados na proposta de Antônio Giddens, conhecido como neoliberalismo de Terceira Via. (NEVES, 2005). Esse ideário tem como princípio a “humanização” do capitalismo, pela reforma da sociabilidade em torno deste sistema. Portanto, apresenta-se como proposta de “aliviar” as contradições do capitalismo, mediante a subversão das desigualdades sociais às simples diferenças específicas de alguns grupos, com a pretensão de oferecer “maior oportunidade a todos” e proporcionar um “desenvolvimento econômico mais justo”. A suposta “justiça social” é reduzida a mecanismos compensatórios, seja por políticas públicas, seja por 83 parcerias com empresas (responsabilidade social) ou mesmo com voluntariados e com organizações não governamentais. (MARTINS, 2009).11 Segundo Martins (2009), as principais características dessa proposta política são: “a sociedade civil ativa”, o “novo Estado democrático” e o “individualismo como valor moral radical.” A primeira estratégia tem como objetivo a promoção de coesão social, com um direcionamento único para uma cooperação entre indivíduos, apesar das condições sociais antagônicas. Dessa forma, “a sociedade civil ativa”, teoricamente, serviria para resgatar a solidariedade entre indivíduos separados pela divisão social de classes, prevalecendo o aspecto de colaboração entres os “diferentes” indivíduos, com responsabilidade social e respeito à liberdade das escolhas individuais. Entretanto, esses novos sujeitos políticos coletivos não proporcionam de fato uma cooperação substancial aos marginalizados desse modo de produção da existência, pois não atingem a causa primordial da divisão social de classes. A segunda, que pretende estabelecer um “novo Estado democrático”, corrobora com o Estado mínimo (para o social), fazendo com que esse assuma apenas o indispensável, a ser gerenciado e baseado em critérios de eficiência e de qualidade empresarial. Além do mais, incentiva uma participação popular artificial, por intermédio da descentralização participativa com valorização do diálogo e da negociação entre interesses específicos e antagônicos. E a terceira estratégia corrobora com a abdicação do Estado das suas funções de garantia de proteção social, em troca de estabelecer parcerias de indivíduos, com organizações “comprometidas” com o desenvolvimento social. Sob o pressuposto de fortificar a autonomia e a liberdade de escolhas dos indivíduos, tal política apresenta o objetivo de: (...) construção de novas subjetividades, visando à preparação do perfil humano que combine a individualização da autonomia com a abertura para o estabelecimento de laços de cooperação com os mais próximos para reforçar a conservação. (MARTINS, 2009 p. 89). Segundo Durão et. al. (2011), esse processo tem marco no Brasil na conjuntura neoliberal, quando o ajuste fiscal de caráter macroestrutural, para retomada das bases de acumulação nos anos de 1990 (redução dos gastos na área da política pública social e do pagamento da dívida externa), contribui para a precarização do trabalho e para a orientação 11O programa vem no bojo da mundialização financeira do capital, contudo ultrapassa o limite econômico, direcionando para uma vertente cultural, que, no entender de Giddens, manifesta um compartilhamento de hábitos de vida, de costumes, de comportamentos e de experiências, gerando, nesse sentido, uma maior “reflexividade social”, ou seja, uma crise cultural, com intensas modificações de definições, advinda da consciência individual de diversos sujeitos. Esse ideário vem acompanhado dos ajustes macroestruturais, por meio dos principais aparelhos ideológicos neoliberais, FMI/BM. Nesse sentido, propõe-se que, diante desse quadro de crise cultural, haja um reconhecimento da condição das “incertezas artificiais” do mundo, negando completamente o materialismo histórico, com aceitação das limitações racionais humanas e da incapacidade de intervenção dos sujeitos coletivos para transformação da realidade, restando apenas adaptação a essa ordem “natural” do capitalismo contemporâneo. (MARTINS, 2009; BRANCO, 2008). 84 liberal das políticas de saúde, caracterizando a inflexão da RSB para implantação do SUS. Nesse sentido, o investimento na expansão da cobertura de atenção à saúde, pelo PACS (1991) e PSF(1994), corrobora para a consolidação da política da ABS na perspectiva focal. o papel do Estado volta-se às ações em saúde, para grupos em situação de pobreza, em detrimento da tentativa de universalização da política de saúde, conforme previsto no texto constitucional para o SUS. As autoras situam, nessa primeira fase de implementação da ABS e incorporação do ACS, com reforço no viés comunitário, duas estratégias complementares: (...) a ênfase na identidade comunitária dos ACSs a partir do Pnacs tenha sido acionada como forma de evitar que esses agentes estabelecessem uma relação contratual direta com o Estado, na suposição de que, como funcionários públicos, perderiam a singularidade do seu trabalho. Contudo, pode-se afirmar que a incorporação do adjetivo comunitário aos agentes de saúde é hoje acionada no contexto das políticas sociais focalizadas neles e restritivas nos gastos - inclusive porque acabam por se valer, no caso em questão, do trabalho baseado em habilidades socialmente construídas no âmbito doméstico, realizadas por mulheres mediante baixa remuneração. (...) a inserção dessas mulheres no Pnacs é apresentada como forma de geração de renda para segmentos com dificuldades de competir por um posto no mercado formal de trabalho e configura uma tentativa do poder público para manter a coesão social, possibilitando, a um só tempo, uma renda mínima aos desempregados e a redução dos agravos à saúde decorrentes da própria falta do Estado na solução desses problemas. (DURÃO, et. al., 2011 p. 143/144). É a partir do destaque da reconceitualização das práticas de saúde e da aposta do PSF enquanto estratégia de reorientação do modelo de atenção, que o papel do ACS será destacado como “central” no fortalecimento do SUS, visto sua capacidade de estreitamento da relação com a ‘comunidade’. Durante a década de 1990, o Estado brasileiro redefine suas práticas de consentimento e torna-se eminentemente educador da sociabilidade burguesa. A reestruturação do Estado brasileiro nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) correspondeu a um importante mecanismo de “repolitização da sociedade civil”. (NEVES, 2005). Tal ideário é emblemático também no Programa Comunidade Solidária, no primeiro governo FHC (1995-1998), sob a justificativa de promover a “eficiência” nas políticas públicas sociais, em que o sentido comunitário utilizado abarca sua forma focalizada na extrema pobreza e a ideologia solidarista, mediante pactos entre diversos setores da sociedade. A retórica utilizada no governo FHC, “democrática e participativa”, (...) por meio do exemplo da persuasão (...) dedicou-se a incentivar a participação, a solidariedade e o senso de responsabilidade social de todos os brasileiros. Esta percepção radical da democracia está baseada na chamada “cultura cívica digna” em que, para se viabilizar a coesão social se toma de forma oportunista, cínica e coercitiva, a caridade filantrópica (...) (NEVES, 2005 p.94/95). Segundo Durão et. al. (2011), os princípios a serem utilizados para ESF no Brasil, apesar de também estarem relacionados aos setores mais progressistas no Ministério da Saúde tendo em vista a consolidação dos princípios do SUS, articulam-se às orientações da 85 Comunidade Solidária. Estendendo-se assim também às propostas de intervenção da Promoção de Saúde, a nível internacional. Conforme Cunha e Frigotto (2010), as regiões mais empobrecidas das zonas urbanas, entendidas como fronteiras, apresentam múltiplos atores/agentes sociais, os quais, frente à fragilidade da reprodução social das famílias, põem-se como viabilizadores de políticas públicas sociais focais e de ação de diversas organizações (não governamentais, comunitárias, instituições de ensino, empresas, etc.). Nesse sentido, de acordo com o autores, ao se considerar a pobreza como “carência” naturalizada da exclusão da sociedade capitalista, a forma de realização de articulação intersetorial de iniciativas sociais fragmentadas ou assistemáticas, através de “parcerias” na realização de serviços e programas públicos para assegurar o mínimo e o indispensável da sobrevivência dessas famílias, distorce o caráter de direitos sociais, universal e igualitário. Sob este aspecto conflituoso, o perfil comunitário do ACS passa a ter destaque central como forma de viabilização da capacidade solidária da sociedade civil, do paradigma da política pública de saúde focalizado, assim como para as orientações da Promoção de Saúde na busca da ‘qualidade de vida’ pelas intervenções compensatórias e de viés biomédico. Podemos observar tal convergência expressa na movimentação contraditória das políticas públicas na ABS/ESF pelo trabalho do ACS, como “elo” de ligação do Estado no território adscrito às equipes, com o foco na Promoção de Saúde. (DURÃO, et. al. 2011). As atividades [da equipe] deverão ser desenvolvidas de forma dinâmica, com avaliação permanente através do acompanhamento dos indicadores de saúde de cada área de atuação. Assim, as equipes de Saúde da Família devem estar preparadas para: - conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas; - identificar os problemas de saúde prevalentes e situações de risco aos quais a população está exposta; - elaborar, com a participação da comunidade, um plano local para o enfrentamento dos determinantes do processo saúde/doença; - prestar assistência integral, respondendo de forma contínua racionalizada à demanda organizada ou espontânea, com ênfase nas ações de promoção à saúde; - resolver, através da adequada utilização do sistema de referência e contrarreferência, os principais problemas detectados; - desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos; - promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos problemas identificados.(grifo nosso, BRASIL, 2008 p. 13/14). A estratégia de reorganização da prática de atenção à saúde encontra no papel do ACS, segundo Lopes et. al. (2011), a síntese dos elementos no aspecto político /‘comunitário’ e no monitoramento/intervenção técnica como espaço de intercessão entre o reconhecimento do contexto e as condições de vida dos sujeitos/comunidade e o redimensionamento da intervenção técnica biomédica local, constituindo a singularidade do trabalho desse profissional. Segundo Bornstein et.al. (2009), o trabalho do ACS é situado em uma condição 86 de dualidade dentro da ESF, manifestado pela simultaneidade da origem comunitária/usuário do sistema de saúde local e pela integração à equipe de saúde com papel reprodutor dos projetos terapêuticos, pautados na Vigilância em Saúde. Assim, sua atuação reflete paradoxalmente a divisão social do trabalho e o controle exercido pelo Estado das condições situadas, principalmente no âmbito do “risco”, por intermédio de visita domiciliar e de ações coletivas. Podemos relacionar sua importância na reorganização do modelo de atenção, visto sua capilaridade para exercício das ações propostas pelas políticas de saúde, especialmente Vigilância e Promoção de Saúde, observando-se as questões da ‘qualidade de vida’ e a perspectiva de superação ou redução de vulnerabilidade de riscos dos condicionantes e determinantes dos agravos em saúde. Nesse sentido, a proposta de trabalho do ACS configura sua vinculação ao SUS pelo papel central na atenção à saúde, com a pretensão da inclusão social das camadas mais pobres das classes trabalhadoras. Segundo Lopes et. al. (2011), suas atribuições na produção de conhecimento sobre os usuários em seu aspecto biológico e sociocultural têm o propósito de construir ações não apenas para assistência técnica e biomédica, mas para a perspectiva intersetorial, essencialmente do ponto de vista do sistema de saúde para controle e implantação de políticas públicas sociais, ponto forte defendido pelo discurso da Promoção da Saúde. Dessa forma, os ACS podem agregar um valor simbólico na organização do trabalho na ESF, mediante sua experiência histórica de práticas e valores culturais populares, capaz de oferecer um conhecimento das relações que se estabelecem no território onde trabalham, conformando um conjunto de saberes e de práticas acumuladas, para atender as estratégias do trabalho preconizado pelas políticas de saúde, principalmente referenciado pelo ideário da Promoção da Saúde. Na prática, a intersetorialidade é implementada, sobretudo, pelos agentes. (...) “Parceria” é palavra-chave no vocabulário desses trabalhadores, assim como marca a lógica à qual nos referimos, que domina atualmente o campo da fronteira. Para os agentes comunitários, a parceria se fundamenta nos vínculos informais que eles estabelecem com outros trabalhadores, ou técnicos de projetos ou instituições. Também é costurada por meio de diferentes iniciativas nas quais o trabalhador insere- se, ou seja, ele estabelece elos entre as várias iniciativas em que atua, planejando ações em comum, que dão respostas às propostas dos vários projetos. Como as parcerias se dão fora de canais institucionais, não criam um caminho sistemático de resposta, tornando-se condicionadas às relações pessoais. Assim, o limite de sua lógica é que ela não inscreve a ação desenvolvida num campo universal de direitos, restringindo-se a ações pontuais e precárias. (CUNHA e FRIGOTTO, 2010 p. 820). O ACS mobiliza uma rede de apoio social da localidade, em que o código de reciprocidade inscrito nos padrões de sociabilidade do território é referenciado por valores morais coletivos, importante fator no enfrentamento das complexas demandas dos moradores. 87 A sabedoria construída nesse processo de trabalho, reconhecida não como habilidade ‘natural’ de sua condição comunitária, mas sim por um investimento acumulado no caráter conflituoso e histórico da experiência de vida e de trabalho, atribui ao ACS legitimação social do seu papel. Essa legitimação se dá tanto pela população, quanto pelo Estado, visto o compartilhamento dos saberes encarnado no conjunto de valores locais e sua capacidade de articulação na administração das demandas e da “gestão da pobreza” para negociação de apoios, financeiros e políticos, sendo extremamente valorizados em se tratando da mediação de conflitos. (CUNHA e FRIGOTTO, 2010). A atuação do ACS é permeada contraditoriamente pelas exigências das políticas públicas de saúde e pelas necessidades reais observáveis no trabalho com a população em situação de pobreza. Sua atuação institucionalizada para viabilizar a oferta das ações técnicas (focalizadas/compensatórias), de acordo com o modelo hegemônico de saúde, apresenta a discussão sobre a atuação em Promoção da Saúde um contorno contraditório. Segundo Durão et. al. (2010, p. 152), os ACS (...) são profissionais cuja função é a de serem solidários e disseminarem hábitos que visem à preservação da saúde em um ambiente marcado pela falta de condições dignas de vida. Esse paradoxo entre uma política efetiva de atuação de cidadania nesses locais e um discurso que enfatiza a necessidade da solidariedade dos trabalhadores com os usuários tensiona, a todo momento, o trabalho destes agentes. Por serem moradores da comunidade e terem uma relação de vizinhança com os usuários do PSF, não conseguem estabelecer um distanciamento em relação aos problemas que os cercam, os quais ao fim e ao cabo, também os afetam. O ACS tem marcado, em sua trajetória histórica, o reconhecimento e a legitimidade de sua atuação recorrendo à proximidade com os moradores do seu território, por um caráter de reciprocidade nas relações de sociabilidade, marcadas pelo diálogo e conhecimento da dinâmica do modo de vida da sua própria comunidade. No entanto, a contrariedade da perspectiva do trabalho institucionalizado, e as reais condições de se realizá-lo, levam ao impasse na sua atuação. Esse conflito, aliado a identificação de situações-limites na realização do seu trabalho, aponta para aspectos que atravessam a realidade vivida também por esse trabalhador, assim como para as contradições relacionadas a sua valorização profissional relacionadas às políticas de saúde, as quais marcam a trajetória de organização e a luta da categoria pela desprecarização do seu trabalho. 88 4 CAPÍTULO IV - A CENTRALIDADE DAS ATRIBUIÇÕES DO ACS NO MODELO DE ATENÇÃO: A MEDIAÇÃO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE Considerando as diretrizes do movimento internacional da Promoção da Saúde, na Carta de Ottawa (1986), articuladas ao trabalho pela Vigilância em Saúde, pode-se inferir que o trabalho no território, com alta capilarização dos serviços de saúde e da proximidade na identificação das necessidades de saúde da população, representa o caráter central da ESF/ABS. Nesse sentido, a atuação do ACS é central na reorientação do modelo, levando em consideração suas principais atribuições, em consonância com diretrizes da atenção pela Vigilância e pela Promoção da Saúde. Cabe relembrar que diferentes perspectivas estruturam a operacionalização do modelo de atenção, caracterizadas por diferentes concepções de saúde, assim como estratégias e diretrizes na implementação das políticas e de prática sanitária. A Vigilância em Saúde pode ser tomada pelo seu caráter de identificação da situação de saúde no contexto local, em caráter mais administrativo e normativo, em que se compreende a atuação em Promoção da Saúde, como forma de minimizar as interferências de múltiplos Determinantes Sociais de Saúde (DSS), para uma qualidade de vida direcionada à superação e/ou alívio em determinados agravos dessa área. Essa última acepção conforma as ações educativas, intersetoriais e mobilizatórias, com objetivo de monitorar e de prevenir riscos no que se trata dos comportamentos individuais e dos estilos de vida, principalmente os relacionados às Doenças e aos Agravos Não Transmissíveis (DANTs). Por outro lado, destaca-se, como proposta de reorientação do modelo de atenção, de acordo com os princípios do SUS, a estruturação da ESF pela valorização da gestão e da organização micropolítica dos processos de trabalho (Defesa da Vida), visando a atender os princípios de acolhimento, de humanização, de vínculo, de continuidade do cuidado e de fortalecimento da autonomia dos usuários. Em outra compreensão, a organização do trabalho em base territorial pela Vigilância em Saúde orienta a Promoção da Saúde como possibilidade do trabalho condizente ao reconhecimento da produção social dessa área e a intervenção intersetorial na perspectiva crítica de atuar sobre o contexto local, contando com a ‘participação comunitária’ em uma perspectiva política. (PAIM, 2003; CARVALHO, 2007). É necessário observar que, no âmbito da disputa política dos sentidos empregados ao trabalho do ACS, estão ancoradas concepções de saúde, não necessariamente excludentes entre si, mas que demarcam a trajetória histórica da reorientação do modelo de atenção à saúde pela ESF/ABS, favorecendo a diferentes manifestações e a perspectivas de trabalho no campo da Vigilância e da Promoção da Saúde. Entretanto, o consenso e a convergência, nos 89 diferentes vieses da reorientação do modelo em torno da importância da atuação do ACS, estão no seu “perfil comunitário” e “identidade social” e nas expectativas depositadas no exercício da mediação, para reconhecimento das necessidades de saúde e para atendimento às demandas da população local. Segundo Bornstein e Stotz (2009), a mediação não se restringe a polarização entre serviço de saúde e população, mas permeia diversos espaços da vida social, conformando a face intersetorial do perfil de atuação do ACS, requisito para o atendimento das necessidades de saúde com foco na concepção ampliada. Esse trabalhador vivencia, na prática, situações complexas nas demandas dos usuários e nas requisições dos serviços de saúde, manifestando diferentes formas de atuação e de resistências na sua institucionalização. A Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), portaria nº 2.488/2011 (Brasil, 2012a), atribui ao ACS o trabalho centrado na promoção de saúde e na prevenção de doenças, de acordo com as necessidades do seu território de atuação, com o desenvolvimento estratégico de aproximar e de desenvolver vínculo com a comunidade adscrita do território. Conforme regulamentação profissional do ACS (Lei nº 11.350/2006), são atribuídas as seguintes atividades: I - a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e sociocultural da comunidade; II - a promoção de ações de educação para a saúde individual e coletiva; III - o registro, para fins exclusivos de controle e planejamento das ações de saúde, de nascimentos, óbitos, doenças e outros agravos à saúde; IV - o estímulo à participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a área da saúde; V - a realização de visitas domiciliares periódicas para monitoramento de situações de risco à família; e VI - a participação em ações que fortaleçam os elos entre o setor saúde e outras políticas que promovam a qualidade de vida. (BRASIL, 2006 p. 1). O papel mediador do ACS, institucionalizado para mudança na prática sanitária com foco na Promoção e Vigilância em Saúde, abarca as seguintes diretrizes: intersetorialidade, mediação, ações educativas, monitoramento dos riscos e reforço a organização comunitária. As atribuições do ACS, aliadas à perspectiva do perfil comunitário, situam seu exercício profissional no contexto prático e instrumental da realização da prevenção e da promoção da saúde. Dessa forma, a habilidade valorizada do ACS, pela perspectiva institucional, está condicionada a sua origem social e a sua capacidade de mediação entre as informações/saberes científicos e populares, eminentemente, voltadas ao atendimento de metas dos serviços de saúde e, paradoxalmente, às demandas da população. Essas, em grande parte, relacionam-se a procedimentos/consultas clínicas e tendem a ser maiores que a capacidade de atendimento dos serviços de saúde. Nessa perspectiva, o exercício da mediação confere à atuação do ACS importância na expansão dos Cuidados Primários em Saúde, visto a 90 lógica de intervenções simples, a baixo custo, em uma óptica preventiva e comportamental de promoção de saúde pelo paradigma biomédico de risco. Relaciona-se a arbitragem da epidemiologia clássica para planejamento e racionalização de custos, contribuindo na identificação e na análise da situação de saúde, além de identificar e acompanhar situações de risco, orientar conforme instruções da equipe e encaminhar para o atendimento na unidade de saúde quando necessário, corroborando, indiretamente, nas definições das políticas públicas para estabelecimento e financiamento de convênios para assistência aos principais agravos a saúde. Ainda promove a ‘participação comunitária’ e estímulo à mobilização para o enfretamento das principais condições de risco e de agravos à saúde. (BRASIL, 2009). Por outro lado, na visão institucional, a ‘identidade social’ e o ‘perfil comunitário’, atribuídos ao ACS, justificam sua contratação precária, da mesma forma que certa despreocupação com sua qualificação (capacitação em serviço), supostamente com vistas a manutenção da sua “origem comunitária” direcionada às demandas do serviço. Além disso, o pertencimento ao local de trabalho (territórios empobrecidos, historicamente marginalizados da sociedade) e a questão de gênero (maioria mulheres com a necessidade de prover o sustento da casa e de ser responsável pelo cuidado dos filhos) associados a condição salarial baixa, apontam para inserção do ACS na divisão social do trabalho na ESF e a respectiva consideração do trabalho como simples no que envolve as políticas públicas.12 Observa-se a tendência, cada vez maior, de flexibilização dos serviços e do desvio da função “comunitária” do ACS. Nesse sentido, esse trabalhador tem se inserido em serviços administrativos e de auxílio a outros profissionais internamente nas unidades de saúde. A contratação do ACS, em grande parte, tem sido realizada por vínculos precários, desde o início da implementação do PSF até o momento atual, mediante as entidades de inciativa privada não lucrativas. Nessa perspectiva, o ACS corrobora para descentralização do SUS e para expansão de cobertura da ABS, com ‘sustentabilidade’ de financiamento, frente à restrição fiscal do Estado pela Lei da Responsabilidade Fiscal e da DRU. (GRAJAÚ, 2013; MOROSINI, 2010; MENEZES, 2011; BORNSTEIN, 2009). Contudo, a consolidação da importância desse profissional, em relação às políticas de saúde, não se deu sem conflitos e disputas. Nesse sentido, os conflitos relacionados à regularização do trabalho do ACS ganharam destaque na mobilização política da categoria, pela Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (CONACS) e pela atuação 12 Conforme Marx, 1988. (apud Lima et. al 2008, p. 460): “O ‘trabalho simples’, ao contrário do trabalho complexo, caracteriza-se por ser de natureza indiferenciada, ou seja, dispêndio da força de trabalho que todo homem comum, sem educação especial, possui em seu organismo.” 91 do Ministério Público do Trabalho (MPT), para o reconhecimento da profissão do ACS pela lei 10.507/2002, com desdobramentos para a formação, passando a se exigir o ensino fundamental e curso de formação inicial. Em relação à formação do ACS, segundo Morosini et. al. (2007), a partir da preconização pela lei nº 10.507/2002, em 2003, há uma intensificação da discussão sobre sua formação e, nesse interstício, surgem os primeiros esboços das políticas de formação do ACS. O contexto político, no período de 2004, a administração da Secretaria de Gestão do Trabalho e a Educação na Saúde (SGTES) demonstravam preocupação mais ampla com a profissionalização dos trabalhadores de nível médio do SUS, momento que se é definido o itinerário formativo para o ACS em nível técnico, a partir do Referencial Curricular para a Formação Técnica do ACS – MEC/MS - julho de 2004. A priorização da formação dos ACS ocorreu por conta de uma política de indução financeira para a realização do Curso Técnico dos ACS, em parceria com os Polos de Educação Permanente e com as Escolas Técnicas do SUS (ETSUS), no entanto teve sua concretização apenas na etapa I do curso, a qual corresponde à exigência legal do exercício profissional do ACS (lei nº 11.350/2006) de requisito mínimo de formação inicial e continuada. (LOPES, et. al. 2011; MOROSINI, 2010). 4.1 O trabalho do ACS e o ideário da Promoção da Saúde: atualização do discurso? A reorientação do modelo de atenção permeia diferentes interesses na organização da assistência à saúde pelas políticas públicas sociais do Estado. Franco e Merhy (2001) já apontavam, no discurso “mudancista” empregado ao Programa de Saúde da Família, sua implementação com alto grau de normatividade, sem necessariamente mudar a lógica do modelo de atenção biomédica. O investimento do Ministério da Saúde, principalmente a partir de 1997, tem seu discurso pautado na estratégia de intervenção intersetorial, na óptica do território, por meio da epidemiologia na construção do conhecimento a cerca das necessidades de saúde. A Vigilância, no uso da epidemiologia clássica, baseia-se nos indicadores e em seus fatores de risco para análise das situações de saúde, na formulação de políticas e de ações programáticas no âmbito central. Por esse pressuposto, a organização e o planejamento dos serviços locais seguem definições estabelecidas a priori pelas políticas de saúde, direcionando suas ações, conforme normas e protocolos estabelecidos, para prevenção e/ou para redução dos danos causados por determinados agravos. Os artigos no geral situam a atuação do ACS como centrais na reorientação do modelo de atenção a saúde pela ESF/ABS. Buscam afirmar a importância do papel desse profissional 92 na mediação entre os serviços de saúde e a população, considerando sua capacidade de articulação e de compartilhamento de códigos culturais referentes ao conhecimento e à convivência no território. Nesse aspecto, mesmo que alguns dos estudos não se refiram diretamente à estruturação do trabalho desse profissional pelo ideário da Promoção de Saúde, pelo menos um dos seus elementos são considerados enquanto estratégico no papel do ACS, os quais circundam a ‘participação comunitária’. A perspectiva dessa participação, conforme aproximação das orientações institucionais, é direcionada à busca da ‘qualidade de vida’, no campo da concepção de saúde ampliada. A consideração sobre abordagem do conceito de saúde, conforme concepção da OMS (completo bem estar físico, mental e social), é referência para Santos e Fracolli (2010), Filgueira e Silva (2010), e Araújo e Assunção (2004). Esses autores apontam a relevância da identificação dos fatores determinantes na saúde, tais como: transporte, moradia, trabalho, ambiente, entre outros, além da necessidade de intervenção nesses fatores, na busca da qualidade de vida. Santos et. al. (2010) reitera que a Promoção da Saúde não se restringe ao setor, nem suas ações somente a um profissional, e sim ao conjunto de intervenções intersetoriais nos determinantes gerais da saúde e da qualidade de vida. As autoras consideram o ACS recurso humano central e estratégico, já que há a possibilidade de se colocar em prática técnicas que tendem a tornar mais eficiente, além do cuidado na saúde, a comunicação e a mobilização da comunidade. Por essa perspectiva, o foco da abordagem da ‘qualidade de vida’, apesar da referida ampliação da concepção de saúde, ligada à condição de aparecimento de doenças específicas e sua relação com estilo de vida dos indivíduos e das populações. Essa compreensão tem por base os Determinantes Sociais da Saúde (DSS), conforme identificado pelo Informe Lalonde (1974), considerando múltiplos fatores relacionados ao ambiente social e físico, às características genéticas individuais e à organização do serviço para dar respostas na redução de riscos a agravos. Esta concepção de saúde considera o modelo multicausal do processo saúde-doença, a partir do pressuposto História Natural das Doenças de Leavell e Clarck, isto é por intermédio do conhecimento biomédico centrado nos agentes determinantes da doença e da sua relação com o ambiente social simplificado/mistificado, descolada da sua relação explicativa do contexto social e histórico. Nessa linha, a ‘qualidade de vida’ pode ser compreendida de maneira funcionalista, em que a Promoção de Saúde está relacionada a intervenções simples nos fatores de risco, tendo em vista melhorias imediatas e/ou adaptação para alívio e/ou prevenção de determinadas doenças. 93 Costa et. al. (2013) identificam a necessidade de investimentos em treinamentos específicos e em manutenção da qualidade do processo de trabalho em atividades de supervisão e de reflexão com a equipe. Conforme autores, na última década, o ACS se tornou ator político de destaque em âmbito nacional pela ESF, principalmente nos grandes centros urbanos, corroborando para ampliação dos cuidados primários com o controle de custos, o acolhimento, a identificação, a captação e a resolução das demandas, além de facilitar e de aumentar o acesso aos recursos de saúde. Eles consideram o ACS elemento nuclear das ações de saúde, sendo necessário, portanto, instrumentalização adequada e manutenção da qualidade do processo de trabalho e a corresponsabilização desses profissionais integrados ao sistema de administração de saúde. Costa et. al. (2013, p. 2153), partem do seguinte pressuposto: “O trabalho realizado pelos Agentes tem o propósito de orientar os indivíduos quanto ao autocuidado e quanto às medidas de proteção, além de estimular o indivíduo e a comunidade a refletirem sobre suas condições de saúde e de doença.”. De acordo com as autoras, o fato de interagir cotidianamente com as famílias permite ao ACS desenvolver melhores estratégias para “vencer resistências da população”, a partir da criatividade e do vínculo com usuários, na adoção de hábitos saudáveis aumentando a eficácia das ações de saúde. Sob esse ângulo, o trabalho do ACS tangencia a ideia das visitas domiciliares sistemáticas, para controle e monitoramento dos indicadores de saúde, apontando para compreensão da ‘qualidade de vida’ no planejamento dos serviços, sob as seguintes formas: subordinação da saúde à probabilidades matemáticas de adoecer e de desenvolver determinadas incapacidades; alívio no convívio com determinadas condições severas de doenças; e a padronização de intervenções simples para prevenção do adoecimento. Conforme essa acepção, a intervenção do ACS se traduz numa abordagem eminentemente individual e comportamental, considerando necessidade específica de prevenção de riscos a determinados agravos. Segundo Borstein et. al. (2009), as orientações pré-estabelecidas pelas instituições de saúde aparecem na composição de dados e de informações vinculadas às diretrizes programáticas da política pública de saúde e, no nível local, desdobra-se em exigências de acompanhamento sistemático, a partir do preenchimento de fichas dos grupos de risco (hipertensos, diabéticos, entre outros). Tais exigências manifestam não só a priorização do trabalho do ACS no monitoramento dos indicadores de risco, mas também a reprodução de orientações educativas, muitas vezes restritas ao convencimento do saber biomédico, pautado na lógica do controle sanitário dos serviços de saúde sobre a população. As perspectivas educativas na mediação dos ACS refletem diferentes concepções na produção do conhecimento e de políticas, podendo se traduzir tanto em formas verticais de 94 transmissão de informações do saber biomédico, como de modo crítico, ao considerar a problematização do contexto sociocultural na construção compartilhada do conhecimento junto aos usuários. A condução do trabalho educativo pelo ACS reflete as exigências das políticas institucionais, convergindo para objetivos do modelo de atenção a saúde. Isso ocorre seja nas orientações institucionais, pela Vigilância em Saúde, com a prioridade no controle sanitário dos principais indicadores de risco e agravos, pelas metas estabelecidas nos atendimentos de saúde. Observa-se indução do trabalho educativo ainda maior, quando associado à avaliação pragmática de condutas profissionais e de intervenções relacionadas aos indicadores dos grupos de risco. (BORSTEIN e STOTZ, 2009) A avaliação é associada à transferência do incentivo financeiro para os municípios e ao repasse por produtividade aos profissionais das equipes, configurando o trabalho com priorização nos respectivos cumprimentos de metas avaliadas e pactuadas pela gestão da saúde. A avaliação das condutas estabelecidas pelas equipes da ESF corresponde aos critérios estabelecidos pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), considerada, pelo Ministério da Saúde, principal estratégia indutora da qualidade na ABS, almejando contribuir para a melhoria do processo de trabalho das equipes, ampliar o acesso, partindo da oferta de serviços de qualidade pela ABS, e institucionalizar a cultura de avaliação na ABS. (BRASIL, 2013). Fonseca et. al. (2012), em pesquisa relacionada às características do processo avaliativo e sua repercussão no trabalho do ACS, chamam atenção para predomínio da avalição calcada em mensuração de resultados quantitativos, em metas de cobertura e na realização de atividades com enfoque biomédico. Os autores identificam a centralidade da epidemiologia clínica no controle de agravos favorecendo resultados avaliáveis, aos quais se atribuem valores positivos em uma perspectiva pragmática da saúde. Eles apontam o impacto dessas avaliações na prática educativa do ACS, buscando a ênfase dada a orientações prescritivas biomédicas, relacionadas a atividades definidas pela dimensão clínica e pela epidemiológica da saúde. A difusão de informações da rotina do serviço de saúde, da mesma maneira que as orientações sobre autocuidado relacionados a agravos específicos, são dimensões da atividade educativa referidas nos estudos como prática usual do ACS. O papel mediador do ACS, nesses termos, apresenta-se como contribuição na reorientação do modelo de atenção, a partir da educação em saúde com o objetivo ‘conscientizar’ a comunidade sobre agravos específicos e controle do ambiente domiciliar, tendo em vista a diminuição de riscos para o adoecimento. 95 O trabalho educativo do ACS está vinculado a orientações de comportamentos saudáveis, identificando-se diretamente com as diretrizes dos programas verticais de saúde, nesse caso deixa patente a forma de compreender a Promoção de Saúde, conforme prioridades da Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS) e da ABS. Segundo Stotz et. al. (2009), os serviços de saúde tendem a compensar problemas provenientes das condições objetivas de vida, relativas às relações sociais capitalistas, a partir de intervenções individuais ou focalizadas, dominadas pela cultura normativa/prescritiva e pelos procedimentos técnicos, os quais legitimam o papel da atenção a saúde na sociedade. O exercício da mediação tem seu foco privilegiado pelo tipo de ação educativa, individual ou coletiva, realizada pelo ACS. O exercício do papel educativo de convencimento, frequentemente realizado nas visitas domiciliares ou em atividades em grupos focados em determinados agravos, é cumprido pelos ACS, se pensarmos na perspectiva preconizada pela PNPS, na priorização das atividades ligadas a prevenção das doenças crônicas. Tendo tal questão em vista, observa-se que o caráter preventivo dessa atividade ainda incluiria, para além das orientações de hábitos saudáveis, também o reforço sistemático ao uso adequado de medicação (disponível nas unidades de saúde ou nas farmácias privadas conveniadas), tal como descrito no manual de medicação para ACS: O agente comunitário de saúde é reconhecidamente um trabalhador, que tem papel importante na organização das ações de saúde, na promoção do cuidado, na conscientização da população para o autocuidado e na defesa da vida. É o elemento fundamental na gestão de informações seguras sobre o uso correto e racional de medicamentos para manter a qualidade de vida das pessoas atendidas nas microáreas. O compromisso do governo federal em promover o acesso à saúde ao maior número possível de brasileiros norteou a nova edição do manual O trabalho dos agentes comunitários de saúde na promoção do uso correto de medicamentos. (...) As instruções deste manual, colocadas de forma simples e direta, podem ajudar o agente comunitário a conhecer e multiplicar informações acerca da importância da correta utilização do medicamento na saúde das pessoas e saber que cada estado e município devem ter sua própria lista de medicamentos essenciais, como a Rename (Relação de Medicamentos Essenciais). (BRASIL, 2006c p. 7). Há duas propostas estabelecidas pela Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS/2006): uma de caráter eminentemente reprodutivista de teor biomédico, a título de convencimento/condicionamento dos comportamentos individuais, conforme padrões de risco para determinados agravos, destacando-se as orientações dos hábitos saudáveis padronizados pela PNPS (alimentação, tabagismo, atividade física, etc.); e outra relacionada às atividade coletivas, centradas no caráter focal de risco. Essa última confere um caráter mobilizador, entretanto, para o desenvolvimento da autonomia individual, com sentimentos de autoconfiança, de autocuidado, de solidariedade, objetivando o ganho de atitude e o sentimento de controle da própria vida. E está mais diretamente relacionada aos fatores de 96 risco voltados a agravos específicos, principalmente os relacionados às doenças crônicas, por mobilização de campanhas – adoção da educação em saúde biomédica fundamentalmente ligada a exigências institucionais – com metas quantitativas. Dessa forma, esse trabalhador manifesta o caráter central de articulação entre equipes de saúde e população, conforme solicitações e no contexto das políticas públicas de saúde. Por outro lado, mas seguindo a mesma tendência, a Promoção da Saúde, mediante as atividades intersetoriais sistemáticas, apresentam dificuldades de serem realizadas na rotina de trabalho. A atuação não só do ACS, mas de todos os profissionais da equipe da ESF, pela perspectiva institucional, deve estar relacionada à facilitação ou ao acionamento de serviços sociais de outros setores, referindo-se às políticas públicas, relacionados à ‘qualidade de vida’, contando com a ‘participação comunitária’. Tal perspectiva de participação é, enquanto diretrizes da Vigilância e da Promoção da Saúde, uma das principais vertentes estratégicas da atenção à saúde no território pela ESF/ABS. Segundo Buss (2003), o incremento de poder ou empowerment comunitário é citado, pela Carta de Ottawa, como forma de ampliar a capacidade técnica e a consciência política da população para atuar a favor da própria saúde, a partir da participação nas decisões, nas definições e na implementação de estratégias para alcance de níveis favoráveis de ‘qualidade de vida’. Valores como solidariedade, equidade em saúde, democracia, cidadania e parceria são referenciados ao conjunto de atividades a serem realizadas no território, contando com a corresponsabilidade e com a mobilização dos moradores, tendo em vista o desenvolvimento de ações intersetoriais, assim como a participação nas instâncias institucionalizadas de controle social do SUS (conselhos e conferências de saúde). A participação está relacionada à inserção dos moradores na realização de atividades coletivas, em que o ACS é peça fundamental para incentivo da organização comunitária nas resoluções dos problemas que afetam a localidade. Na perspectiva institucional, o ACS é considerado o agente de mudança, central na reorientação do modelo de atenção pelas diretrizes da Promoção de Saúde. Conforme o Manual do Agente Comunitário de Saúde (Brasil, 2009 p. 25): “Todas essas ações que estão voltadas para a qualidade de vida das famílias necessitam de posturas empreendedoras por parte da população e, na maioria das vezes, é você que exerce a função de estimular e organizar as reivindicações da comunidade.”. Contudo, os sentidos dessa organização e dessa participação comunitária apresentam caráter ambíguo e contraditório, ao mesmo tempo em que se referem ao todo coletivo, individualizam e focalizam os problemas na localidade, a partir de ações voluntariadas. 97 A intersetorialidade objetiva a articulação das políticas públicas sociais para intervir nos diferentes DSS, da mesma forma que a promoção de ações integradas por parcerias com organizações, públicas ou privadas, para enfrentamento de um conjunto determinado de problemas no âmbito local. Assim, o papel do ACS contribui para realização dessas ações, viabilizando o reconhecimento do território, os seus recursos, as organizações e as principais redes de apoio da população. Todavia, verifica-se, a dificuldade na realidade do trabalho do ACS em relação à reflexão sobre a visão ampliada da saúde, associada à necessidade de melhor qualificação profissional. Pereira e Oliveira (2013), em pesquisa de avaliação das evidências disponíveis sobre estratégias utilizadas pelo ACS no desenvolvimento das ações da Promoção da Saúde. Ao associarem a condição do ACS, de morador do território onde atua, apontam que as práticas realizadas por esse profissional são possibilidades concretas de ruptura com o modelo de atenção hegemônico biomédico. Entretanto, identificam na análise dos estudos revisados a preponderância do modelo tradicional nas ações do ACS, para resolução fragmentada de agravos específicos de saúde. As autoras identificam que a prática educativa destes trabalhadores refletem as normas e exigências dos programas de saúde, assumindo caráter transmissivo de informações sobre prevenção e sobre controle de doenças, não se destacando a perspectiva intersetorial na atuação do ACS. Frente a essas considerações, as autoras apontam para a necessidade de incorporação de novas práticas formativas, assistenciais e institucionais como forma de construção do modelo assistencial baseado na Promoção da Saúde. Observa-se a amplitude das exigências requisitadas pelas políticas de saúde nas atribuições dos ACS, fato que, agregado ao desvio de sua função para atividades administrativas internas da unidade de saúde, caracteriza uma sobrecarga de trabalho e uma contradição em termos, com a expectativa depositada no seu papel ‘comunitário’ de aproximação às necessidades de saúde dos usuários. Araújo e Assunção (2004) apontam como atribuição do ACS, no que se trata da Promoção de Saúde, o estímulo ao envolvimento da população em reuniões de Conselhos Locais de Saúde e em Associação de Moradores, tendo como objetivo decidir e buscar alternativas para resolução dos agravos de saúde presentes no território. Elas consideram a importância do trabalho do ACS situada no estímulo à mobilização/participação da população, em ações relacionadas ao contexto social dos usuários no território. Entretanto, as autoras reconhecem que o desenvolvimento dessa ação nem sempre é favorecido, seja pelas 98 demandas exigidas do serviço no cumprimento de metas, ou pelos desvios de função do ACS para atividades administrativas internas nas unidades de saúde. A dificuldade de realização da diretriz intersetorial no dia a dia do trabalho da equipe, é descrita como obstáculo a ser superado, contudo, cabe questionar o que de fato é esperado pelas políticas de saúde na realização das parcerias entre diferentes setores. Segundo Campos et. al. (2004), ao pensarmos na Promoção da Saúde relacionada a seus determinantes sociais, conforme concepção ampliada da saúde na 8ª Conferência Nacional de Saúde e definição da Carta de Ottawa, associamos a configuração da saúde como resultado da organização social da produção e diretamente relacionada às responsabilidades do Estado. Infere-se a necessidade de definições de políticas sociais e econômicas estatais integradas à saúde, de maneira a impactar às condições objetivas de vida e o exercício pleno de cidadania. De acordo com Buss (2003, p. 27): As políticas públicas saudáveis se expressam por diferentes abordagens complementares, que incluem legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças organizacionais, entre outras, e por ações coordenadas que apontam para a equidade em saúde, distribuição mais equitativa da renda e políticas sociais. Este conceito vem em oposição à orientação prévia à conferência [Ottawa, Canadá], que identificava a promoção da saúde primordialmente com a correção de comportamentos individuais, que seriam os principais, senão os únicos, responsáveis pela saúde. Na esfera da intersetorialidade na Promoção da Saúde, o Estado é responsável pela aplicação do modelo de ‘políticas públicas saudáveis’. Entretanto, o que se observa na aplicação destas medidas é: por um lado, o incentivo a associação com setores organizados da sociedade civil e com entidades privadas para realização de atividades isoladas que contribuam “positivamente” na ‘qualidade de vida’; e por outro, a ideia de viabilização da Promoção de Saúde, a partir de intervenções do Estado limitadas a alguns programas articulados a outras políticas públicas sociais de forma focalizada na população mais “vulnerável socialmente”, a exemplo do Programa Bolsa Família, ou voltadas a Promoção da Saúde por incentivo a adoção de hábitos saudáveis, tais como alimentação ou realização de atividades físicas. As ‘políticas públicas saudáveis’, enquanto responsabilidade do Estado em promover políticas condizentes as condições objetivas de vida/saúde, situam o foco das ações intersetoriais em torno da redução de riscos relacionados a agravos específicos e/ou a condições sociais vulneráveis. À ação intersetorial prescritiva/comportamental, articula-se a intervenção de outros setores das políticas públicas sociais, além da parceria com outros setores da sociedade civil (não governamentais, organizações voluntárias, autoridades locais, empresas), convergindo para o incentivo campanhista na mudança dos estilos de vida, por 99 meio da individualização e da territorialização dos problemas no nível local. Tomando por base a redução de danos à saúde, restringe-se a ações isoladas e compensatórias. Conforme Buss (2000), a Promoção da Saúde é representada como esforço preventivo de incremento na capacidade das pessoas no enfrentamento dos problemas de saúde, apresentando um conjunto de mecanismos, de autocuidado, de ajuda mútua e de criação de ambientes saudáveis, a partir de três estratégias centrais para enfrentar as determinações sociais na saúde das populações mais vulneráveis socialmente: favorecer a participação popular, fortalecer os serviços de saúde comunitários e coordenar as políticas públicas saudáveis. Segundo a Carta de Bogotá (1992), a ‘redução das desigualdades’ se dá a partir da promoção da equidade social, no sentido de proporcionar oportunidades e recursos na capacitação das pessoas para realização do seu potencial à saúde. Dessa forma, observa-se a aproximação da compreensão da ‘participação comunitária’, associada a intersetorialidade e às expectativas depositadas na mediação do ACS, com os objetivos propostos de controle dos DSS pelos usuários, no seu respectivo território, para melhoria, mas não necessariamente o confronto das estruturas macroestruturais de poder que condicionam as condições objetivas de vida e de saúde da população. A experiência e o compartilhamento das relações sociais, no local de vida e trabalho, conferem seu caráter estratégico de conformação dos objetivos institucionais: exercício da articulação entre os moradores e as instituições para a realização da mediação de conflitos e construção de consenso acerca dos problemas na localidade. Nesse sentido, segundo Stotz e Araújo (2004, p. 14), O papel dos “empoderadores” pertencentes aos serviços públicos é o de estabelecer uma mediação entre as demandas dos grupos de pessoas “pobres” ou “excluídas” de poder e os interesses de grupos situados em posições de poder na sociedade. Ao desempenhar este papel, os “empoderadores” assumem a tarefa de reatar os fragmentos de vidas que perderam sentido social e tornam-se eles próprios, os referentes para a reconstrução dessas identidades sociais. Pode-se considerar, que a constituição da profissão na e para as classes populares manifesta os seguintes conflitos com o discurso proposto pelas políticas institucionais: primeiro, pela valorização da “identidade social” e da “origem comunitária” no exercício do elo entre os serviços de saúde e a população em situação de pobreza, tendo em vista ampliar o acesso e “dar voz às demandas da população”, no entanto sem conseguir garantir o acesso à Rede de Atenção à Saúde (RAS), deparando-se com os ‘gargalos’ do sistema de atenção; segundo, a partir da própria negação do exercício dessas ‘habilidades’, visto os desvios de funções cada vez mais administrativos e burocráticos no interior das unidades de saúde, assim 100 como o papel reprodutor de normas comportamentais, nem sempre compatíveis com a realidade vivida da população, mas que reforçam o caráter biomédico da atenção à saúde e a cultura preventiva dos riscos. As condições objetivas de vida dos ACS e dos moradores do território implicam em grande desgaste na saúde e nem sempre o que se é oferecido pelos serviços compensa esses desgastes, tendo em vista a não suficiência da proteção social e da RAS. Tensões entre o conhecimento da realidade no território e a inclusão do ACS na equipe, respondendo às exigências do serviço de saúde, influenciam e estruturam limites na sua prática, fato que contribui para reflexão e para organização da categoria na resistência em torno do que lhe é proposto pela via institucional. Ao passo que o trabalho na ESF/ABS se relaciona ao interesse de controlar a situação sanitária do território, as demandas dos usuários representam, além do acesso aos serviços de saúde, as necessidades complexas no âmbito da proteção social, muitas vezes conflituosas com a lógica institucional. O ACS é considerado elemento central na viabilização dos interesses institucionais, considerando seu expertise relacionado à mobilidade no território e conhecimento na construção de vínculos informais, facilitando parcerias com organizações sociais condizentes, muitas vezes, com a melhoria de condições de risco para determinados agravos à saúde, a partir do apoio da rede social local e/ou das práticas clientelistas. Contudo, no período anterior a sua institucionalização, o agente de saúde, ligado aos movimentos populares, aproximava-se mais da concepção ampliada de saúde, em sentido político, na luta pela saúde como direito social. Além disso, as ações intersetoriais de apoio entre os moradores tinham, no horizonte, não uma ‘qualidade de vida’ restrita a comportamentos, mas sim em direção ao alargamento da proteção social. Queirós e Lima (2012), ao analisarem a prática social do trabalho do ACS em Recife- PE, apontam que seu trabalho apresenta histórico de uma experiência anterior, forjada na atuação comunitária e nos movimentos populares de saúde, manifestando contradições e conflitos com o proposto na sua institucionalização. Elas consideram que o atravessamento da realidade do território, onde vive e trabalha o ACS, assim como a incorporação de saberes e de práticas populares, configura na estruturação do seu trabalho um recorte de classe, contraditório e conflituoso frente às politicas institucionais. Segundo as autoras, os ACS não se distanciam dos problemas dos usuários no território, ao contrário, compartilham dos mesmos problemas sociais na sua vida cotidiana e se mobilizam no apoio e na resistência às dificuldades, muitas vezes fora do tempo de trabalho formal e, portanto, assumindo voluntariamente e não como exigência institucional. 101 Há, então, a expectativa da ação educativa realizada pelo ACS de maneira mais participativa, mediante o referencial utilizado pela perspectiva da Educação Popular em Saúde (EPS). O enfoque educacional, portanto, sugere o reconhecimento de situações-limites por parte da população para problematização e o questionamento sobre as respostas necessárias às demandas dos problemas de saúde, considerando sua concepção ampliada e determinação social. A abordagem da educação pauta-se pelo diálogo, na busca sobre o conhecimento e experiência sobre a saúde e o adoecimento e aspectos culturais e históricos no enfrentamento dos problemas nessa área. No entanto, essa abordagem parte de fundamentos teórico-políticos freireanos, ou seja, de uma valorização do universo cultural e vocabular dos educandos, com análise crítica e construção compartilhada na busca de resoluções, sob um olhar político de intervenção. Não se trata, portanto, apenas de uma aproximação e de uma vinculação aos usuários, mas sim de um fundamento educativo político, com vistas a ampliar a possibilidade de refletir criticamente sobre a determinação social de saúde e as possibilidades de ação concreta na luta pela saúde como um direito social. (BORNSTEIN et. al., 2009; STOTZ, et. al. 2009). É preciso esclarecer as diferentes matrizes teóricas, na atual ordem social, assim como os interesses no trabalho em Promoção da Saúde, em suas diferentes acepções, contribuindo para intervenção substancial na determinação social da saúde ou para conformação e “alívio” das contradições nos moldes da reprodução social do modo de produção contemporâneo. O pensamento crítico, na área estudada, está diretamente ligado ao reconhecimento dos processos que determinam as condições objetivas de vida do trabalhador e usuário desse sistema. Pauta a reflexão sobre a determinação social, a vulnerabilidade ao adoecimento e a ‘qualidade de vida’, assim como sua reflexão crítica sobre seu trabalho e as condições precárias dos vínculos trabalhistas dos profissionais, entretanto contextualizada na dinâmica das relações sociais. Ao não se considerar aspectos mais substantivos da produção social da existência e sua relação direta com a concepção de saúde, as orientações das políticas de saúde tendem a levar uma visão parcial e unilateral da sociedade e seus determinantes para manutenção da ordem social. As políticas e a literatura levantada nessa pesquisa demonstram a disputa entre matrizes diferenciadas na Promoção da Saúde, referindo-se ao trabalho na ESF/ABS. Todavia, observa-se a preponderância da atualização de um projeto racionalizador na saúde, assim como a expansão do consumo coletivo de bens e serviços privados na prestação de cuidados especializados, tais como: convênios para aquisição de medicamentos, exames laboratoriais e diagnósticos, entre outros. Tais questões se fortalecem a partir da mediação 102 discursiva do ideário promocional da saúde, em perspectiva behaviorista, realizado pela alta capilarização da ESF/ABS e potencializado através do trabalho estratégico do ACS, em se tratando do controle da situação e da difusão das atitudes preventivista para ‘qualidade de vida’ funcionalista dos indivíduos e comunidades. As demandas de assistência a saúde, cada vez maiores da população em decorrência do quadro de transição demográfica (aumento da expectativa de vida) e epidemiológica (aumento da incidência das doenças crônicas), tornam-se alvos estratégicos de controle sanitário e é hoje âmago das atuais diretrizes da Promoção da Saúde. Tais diretrizes da política de saúde têm convergido para reprodução ampliada do capital: seja pelo Estado a fim de garantir o acesso ao consumo coletivo na saúde ou condições mínimas de reprodução/manutenção da força de trabalho; ou pelo incentivo individual na compra de planos privados de saúde, diante dos ‘gargalos’ do sistema público, frente a ‘nova cultura para saúde’ (conciliação dos conflitos no nível local, indução ao comportamento “saudável” e cultura biomédica, através do acesso a exames diagnósticos e tratamentos profiláticos, compreendidos no nível preventivo do risco). Não se trata aqui de negar a importância dos benefícios dos avanços tecnológicos na área da biomedicina (tratamento, diagnóstico e cura) e o correspondente direito ao acesso universal pela população. Muito menos a realização de medidas que possam efetivamente minorar riscos a doenças e melhorar, ainda que de forma relativa, a ‘qualidade de vida’ relacionada à prevenção de incapacidades e óbitos prematuros. O que se propõe nesse estudo está direcionado à reflexão quanto ao papel dialético das orientações das políticas de saúde e a capacidade efetiva de ocultamento das causas essenciais das doenças no seu âmbito coletivo. A qualidade de vida/saúde está diretamente relacionada ao acesso à proteção social, a qual está submetida a questões político-ideológicas, relacionada às injustiças e proporcionada pelo modo de produção do existir, ou seja, fatores de desigualdades no processo histórico de determinação social dos sujeitos e das comunidades. Os determinantes sociais não são “naturais” e imutáveis na condição de saúde, merecendo apenas a “solidariedade” aos desvalidos do sistema, com ações compensatórias aos problemas de saúde, consequências do modo de produção material da existência. Ao considerarmos a doença como um sinal (Berlinguer, 1988), podemos compreender que determinados processos patológicos são verificados de forma semelhante no conjunto das pessoas (pensemos nas causas e consequências da “vida moderna” para a epidemia das doenças crônicas) e são de fato expressão de “forças destrutivas” agindo sobre a coletividade. Entretanto, de acordo com Berlinguer (1988), a organização dos serviços de saúde tende a distorcer os sinais coletivos 103 das doenças e ocultá-los direcionando à responsabilidade individual entre escolhas de normas comportamentais de viver ou não de forma “saudável”. O uso da epidemiologia é de fundamental importância como forma de desvendar as doenças no âmbito coletivo, para tal, segundo Berlinguer (1988 p. 97): “(...) é necessário envolver não somente todos os profissionais de saúde, mas também os cidadãos e as instituições públicas, na análise das doenças e como elas se manifestam na coletividade.” (grifo nosso). A ‘participação comunitária’, nesse caso, para promover a saúde, envolve uma ação coletiva de pesquisar as causas das doenças e não apenas as ações, no sentido de atuar sobre fatores causais isolados e sobre sua respectiva compensação. Sugere, portanto, a intervenção, para além das medidas imediatas e compensatórias, mas também para o campo político no tensionamento de questões referentes à proteção social na própria organização da vida em sociedade. A ressignificação da Promoção de Saúde pode vir da reflexão crítica sobre o que se espera da ‘participação comunitária’ dentro do espaço político do trabalho. Esta, idealizada a partir da legitimação do poder do Estado, mostra-se insatisfatória, sugerindo pouca iniciativa por parte da classe popular e do próprio incentivo dos profissionais de saúde. A princípio poder-se-ia considerar apatia e desinteresse das classes populares em participar de espaços institucionalizados de decisão do governo, como uma atitude fatalista/conformista, quando na verdade pode demonstrar manifestação de uma descrença das mesmas no descaso do governo com os interesses populares. (VALLA, 1996). No entanto, não significa dizer que não há uma capacidade de identificar causas não imediatas da sua condição de subalternidade, sofrimento e pobreza, nem tampouco que há uma suposta identidade e consciência de classe possível para organização popular e mobilização na luta pela proteção social. Nesse último caso, conforme Lukács (1920), seria necessária a revelação da essência da sociedade por um lado e por outro a unidade entre teoria e práxis para superação das relações de classe, pela classe trabalhadora. Valla (1996) nos ajuda a compreender o processo de construção do conhecimento popular pela análise da experiência concreta de vida das classes populares. As concepções de mundo dessas são referenciadas em relatos de suas condições objetivas de vida, sendo necessário maior esforço para compreensão de suas lutas e resistências no seu cotidiano, como forma específica de ação política. A maneira de compreender o mundo dessa classe, que aos “nossos olhos” aparenta uma postura conformista, é na realidade uma avaliação rigorosa dos limites da realidade concreta, a partir de uma visão do tempo/história de “provisão”, sem o vislumbre de possiblidades reais para sua classe em ações de longo prazo, até mesmo se contentando com o que as políticas públicas sociais podem oferecer de imediato, mínimo e transitório. 104 As classes populares possuem um conhecimento acumulado para interpretação da das situações que vivem na sociedade, não sendo necessário apenas ‘educá-la’, e sim avaliar corretamente a forma como compreendem o mundo e ajudá-las a desvendar o que lhes é oculto nas relações sociais, construindo um novo conhecimento para a superação das relações de opressão/exploração/dominação. Bornstein et. al. (2009), ao se referir à prática do ACS, ressaltam o seu potencial de organizar-se e mobilizar-se politicamente, por meio de sua capacidade de estabelecer laços orgânicos de apoio e enfretamento nas situações vivenciadas pela população mais carente com a qual trabalham. Contudo, o ACS se depara cotidianamente com as precárias condições objetivas dos usuários, reconhecendo a amplitude dos problemas relacionados a determinados agravos. Ao sentir-se impotente para enfrentá-los, acaba, assim como os demais profissionais da equipe, por reproduzir o mesmo discurso técnico de culpabilização da vítima, conforme o que lhe é cobrado institucionalmente. Por outro lado, o caráter dialético do incentivo de expansão da ESF, através de precária contratação do ACS, aponta também para possibilidade de mobilização de um grande contingente de trabalhadores, mais de 250 mil, por melhores condições salariais e pela conquista de direitos trabalhistas para categoria. É interessante considerar que um grande avanço no campo da saúde, proporcionado pela atuação dos ACS e equipes de ESF/ABS, visando a melhoria da ‘qualidade de vida’, aceita como uma representação social e uma reivindicação política, esteja correlacionado à atual mobilização e ao enfrentamento por melhores condições salariais e de trabalho. Não seria esta, uma forma política de se promover a saúde dos ACS, recorrendo à reflexão crítica sobre suas condições objetivas de vida e ao trabalho? 105 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A minha trajetória profissional na Estratégia da Saúde da Família (ESF), ao longo dos anos de 2007 a 2012, permitiu uma aproximação à complexidade da atenção à saúde em territórios socialmente marginalizados. Durante esse período, minha inquietação se acentuou, na medida em que se constatava que os esforços profissionais, na produção do impacto preconizado pelos indicadores de saúde, fugiam à dimensão técnica restrita ao setor, implicando o direito à proteção social da saúde. Grande parte da população sob a responsabilidade de atendimento pela ESF sofre e adoece em decorrência de problemas relacionados às condições de vida e ao trabalho em territórios socialmente marginalizados. Enquanto enfermeira vinculada à ESF, busquei compreender e atuar no sentindo de oportunizar momentos de reflexão sobre a determinação social na saúde, seja por discussões internas com a equipe de saúde, seja em reuniões com a população no território. Nesse caminho, especial atenção foi dada à ‘participação comunitária’: em um primeiro momento, ao exercício do “controle social”, no nível local, na luta pelo direito à saúde; em um segundo momento, ao ideário “promissor” da Promoção de Saúde na organização das intervenções no território. Nesse sentido, as inquietações relacionadas ao trabalho na ESF impulsionaram uma busca de entendimento das políticas setoriais para lidarmos com problemas de saúde da população. No curso de Mestrado, interessei-me em estudar a atuação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) dada a sua “centralidade” na materialização da Promoção da Saúde. Considerando a importância da atuação do Agente Comunitário de Saúde (ACS) sob essa perspectiva, o estudo teria como objetivo identificar a contribuição da formação desse trabalhador no exercício da mediação crítica reflexiva, tendo em vista ‘promover a saúde’ no território. Entretanto, a necessidade de aprofundar a formação e o breve tempo disponível para realização da pesquisa experimental acabaram por conduzir o estudo de caráter empírico para o esforço, mais modesto, de sistematizar algumas leituras sobre o Estado e sobre as políticas públicas, com vistas a uma revisão da literatura científica sobre a compreensão do papel “central” do ACS na ESF. Os ACS, no plano discursivo e operacional, vinculam-se centralmente à reorientação do modelo de atenção pela ESF/ABS e à mudança na prática sanitária, tendo em vista o conhecimento da dinâmica e do modo de vida da população. As definições das políticas de saúde apontam para diferentes sentidos e estratégias, materializando conflitos e contradições 106 entre as concepções de saúde, o modelo de atenção e a prática sanitária no papel do ACS. É nesse viés, que esse despretensioso estudo buscou identificar a compreensão do papel do agente, mediado pelo ideário da Promoção de Saúde, na literatura científica e nas orientações das políticas dessa área. Dessa forma, procuramos considerar o papel “central” do ACS na conformação do atual modelo assistencial pela ESF/ABS. A valorização da ABS/ESF, como prioridade da política de saúde brasileira, tem sido sistematicamente reforçada pelo Ministério da Saúde até os dias atuais na estruturação de seus serviços e reorientação do modelo de atenção ao SUS. Verifica-se ampla indução financeira para expansão da cobertura e investimentos na ‘qualidade’ dos serviços. Essa prioridade, contudo, não é acompanhada dos investimentos necessários para estruturação da Rede de Atenção à Saúde (RAS) nos outros níveis de atenção. Para além desses constrangimentos, tem-se a indução à priorização das ações de controle, a auto responsabilização e a redução de danos dos principais agravos para atendimento de metas de produtividade, no entanto com limitado impacto na saúde da população trabalhadora. Por outro lado, diante da restrição de financiamento do setor público lidamos, muitas vezes, com as dificuldades do acesso aos recursos técnicos e aos suportes da RAS necessárias à assistência conforme princípios constitucionais. A restrição apontada tem implicado no claro privilegiamento do setor privado na saúde e, no âmbito do setor público, na introdução de princípios e métodos da gestão privada sob o argumento de aumento de sua “eficácia”. Observa-se intensificação da terceirização da assistência na contratação do setor privado filantrópico e de serviços de diagnóstico/terapia para atenção à saúde da população, visto permissão do setor privado como complementação do público, mantendo e consolidando-o como principal prestador da atenção hospitalar e ambulatorial especializada no Brasil. Dessa forma, a política de saúde nos últimos anos tem promovido a privatização da administração das unidades de saúde, tendo em vista o objetivo da “qualidade na prestação de serviços com sustentabilidade financeira”, no setor municipal. Sob esse aspecto, a “centralidade” do ACS pela perspectiva institucional vincula-se a expansão dos Cuidados Primários de Saúde a partir da contratação precária destes profissionais. No que tange à mudança da prática sanitária, os aspectos relacionados à Promoção de Saúde se manifestam de forma articulada às orientações da Vigilância em Saúde na definição das atribuições dos ACS. Apontam, por um lado, para ações de cunho essencialmente utilitarista, orientadas segundo a perspectiva da ‘qualidade de vida’ associada a agravos 107 específicos. Conforme essa compreensão, a atuação central do ACS se estabelece no âmbito prático e instrumental das ações de saúde, conferindo sua importância na expansão da ABS a partir da lógica de intervenções simples e de baixo custo. Por outro lado, a centralidade das atribuições do ACS conforme princípios do SUS, busca direcionar a Promoção de Saúde como a possibilidade do trabalho condizente ao reconhecimento da produção social desse campo e às ações no sentido de organização política da população. Na revisão da literatura presente na pesquisa, grande parte dos artigos encontrados consideram pelo menos um dos elementos relacionados à temática da Promoção de Saúde associados ao trabalho do ACS. Essa observação ratifica a importância da mediação desse ideário nas definições de suas atribuições. A literatura analisada apresenta compreensões conflituosas e contraditórias do ponto de vista das concepções envolvidas na prática sanitária e na reorientação do modelo de atenção à saúde. Frente aos resultados da revisão da literatura, associados às orientações das políticas nas definições do papel do ACS, observamos que a inserção do seu trabalho na ESF tem apontado para potencialização da expansão de cobertura, acompanhada da racionalização de custos na atenção pelo setor público, conforme difundido pelas agências internacionais. O discurso da Promoção de Saúde mantém o caráter preventivista comportamental das ações convencionadas para o controle sanitário dos principais agravos que acometem a população “economicamente ativa” (trabalhadores). Os ACS, por esta perspectiva são centrais e utilizam-se do controle e convencimento na reprodução de medidas que “reduzam” condições de risco (epidemiologia clássica) e/ou que “aliviem” o agravamento das doenças crônicas. Essa perspectiva manifesta vieses estratégicos da política de saúde em sua relação às determinações no que se trata das políticas públicas sociais do Estado:  Controle sanitário, manutenção e reprodução da força de trabalho, mediante medidas simples pelo reforço das ações preventivas, focalizadas e compensatórias, tanto no âmbito individual quanto coletivo, partindo de uma educação reprodutivista biomédica voltada para responsabilização e culpabilização da vítima;  Reforço à perspectiva biomédica do modelo de atenção, expansão do consumo coletivo de serviços e produtos do complexo médico-industrial, seja por contrato direto pelo Estado, ou por aquisição de planos individuais de saúde, frente à insuficiência da rede de serviços públicos. Serviços principalmente associados ao discurso biomédico e da ‘qualidade de vida’ funcionalista, assim como a transferência administrativa para organizações privadas para 108 ‘qualidade’ dos serviços (eficácia e eficiência) pelas avaliações pragmáticas, como também à precarização do trabalho dos profissionais de saúde (flexibilização). O foco da reorientação do modelo, mediado pelo ideário da Promoção da Saúde, aponta para (re)contextualização do discurso na organização dos serviços de saúde, inserida no contexto das políticas públicas sociais, conforme ideologia neoliberal de Terceira Via (Neves, 2005), na atual conjuntura do capital monopolista. A prática sanitária ganha atualização no discurso de democratização da assistência, contando com ‘participação comunitária’, a partir da inserção do ACS na equipe de saúde, visando facilitar o acesso dos usuários aos serviços de saúde, mas convergindo para amplo controle sanitário e para reprodução de valores biomédicos pela corrente eminentemente behaviorista. Por outro lado, conta com o caráter escuso da ‘participação comunitária’ para mobilização da ‘comunidade’, em sentido mais próximo à solidariedade assistencialista, assim como negociação de conflitos pontuais e territorializados, no âmbito local. O expertise do ACS incorre ainda na justificativa da sua contratação precária e na baixa qualificação profissional, tendo em vista a manutenção da ‘identidade social’ e da ‘origem comunitária’ voltada para o atendimento das metas e demandas do serviço. No entanto, apesar da desmobilização e força em torno da luta da RSB a partir da década de noventa, o legado das experiências democráticas e críticas de assistência a saúde, no âmbito da Medicina Comunitária, no período de crise do regime militar, mantém-se como horizonte a ser alcançado na reorientação do modelo de atenção pela ABS/ESF, mesmo diante das inflexões sobre as questões do financiamento, da gestão e da formulação das políticas de saúde para o SUS, na aparelhagem estatal. A mobilização em busca da saúde, enquanto direito social, naquele período, proporcionou certo envolvimento da classe popular na discussão crítica sobre a saúde, nos movimentos sociais nessa área. Aqui reside outra perspectiva de ‘participação comunitária’ por uma ampliação da concepção de saúde, que não naturaliza a determinação social, isto é, a prática sanitária necessariamente está vinculada à reflexão sobre a produção social da saúde, as representações sociais e a luta política no alargamento da proteção social. 109 REFERÊNCIAS ANDRADE, R. C. Política social e normalização institucional no Brasil. In: MAIRA, L. et. al. América latina: novas estratégias de dominação. 2ª edição. Petrópolis. Editora Vozes Ltda em coedição com CEDEC. São Paulo, 1982. ARAÚJO, M. R. N. ASSUNÇÃO, R. S. A atuação do agente comunitário de saúde na promoção da saúde e na prevenção de doenças. Rev Bras Enferm, Brasília (DF) 2004 jan/fev;57(1):19-25. AROUCA, S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva/ Sérgio Arouca. – São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. FONSECA, A. F., MACHADO, F. R. S., BORNSTEIN, V. J., PINHEIRO, R. 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