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https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/25630
RADIS: COMUNICAÇÃO E SAÚDE, NÚMERO 187, ABRIL
Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca | Date Issued:
2018
Responsible institution
Abstract in Portuguese
Ano de 2018. Aqui na terra estão jogando o futebol da Fifa na Rússia e a apatia nacional será esquentada com jingle em ritmo de festa junina pelo monopólio de transmissão na TV. Ainda há samba, mas num minúsculo bar em que ele soa desde 1968, em Copacabana, houve quem se sentisse autorizado a interrompê-lo de arma na mão. Parte do rock and roll “encaretou de vez”. Chico Buarque (autor, com Francis Hime, da canção “Meu caro amigo”, de 1976, aludida neste parágrafo) já não é unanimidade no país e o que ele representa é alvo de ataques obscuros em redes sociais digitais. Nas universidades, professores são perseguidos e calados. Nas instituições de pesquisa, projetos relevantes são interrompidos e pesquisadores dispensados. Movimentos sociais são criminalizados e lideranças são assassinadas no campo e nas cidades. Por todo lado, irrompem dos ovos as serpentes, entre farsas e tragédias.
Não por acaso, os fóruns da saúde coletiva retomam de 1965 o brado “faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”, do poeta Thiago de Mello. No estado da Paraíba, após o banimento seguido de reclusão por 50 anos, ressurge na voz do compositor Geraldo Vandré o hino “Para não dizer que não falei das flores”. Parece coisa do passado. Mas não. É uma realidade nova, complexa e em transformação, a ser compreendida à luz da história e enfrentada, sob a inspiração da defesa dos direitos humanos, princípios igualitários e utopias libertárias.
Mantendo o compromisso de 36 anos ao lado da saúde e da democracia, a redação de Radis coloca mais esta revista na internet, nas ruas, escolas, unidades de saúde... mais de 110 mil exemplares enviados para pessoas e instituições que constroem o SUS no campo e em todas as cidades do país.
Sob o signo da “guerra às drogas”, criticada e apontada por inúmeros especialistas em segurança pública e pesquisadores da saúde e de outros campos sociais como ineficaz e geradora de mais violência, as favelas cariocas seguem sob as regras de exceção das botas militares estaduais e federais, ao lado do controle territorial e códigos bárbaros do crime organizado do tráfico ou das milícias. Em meio à violência, desaparecem os direitos na favela, segue o genocídio dos jovens negros e pobres, perdem-se vidas de todos os lados.
Uma das mais autênticas vozes contra essa violência, preocupada com a vida da população e dos agentes do Estado e crítica à intervenção militar, a socióloga Marielle Franco, criada na favela da Maré e eleita vereadora do Rio de Janeiro com a bandeira do respeito a todos os direitos humanos, foi brutalmente executada na noite de 14 de março, dias após denunciar casos de violência policial. A esta guerreira dedicamos nossa matéria de capa, que estava sendo apurada naquele momento, nas favelas do Rio.
Nesta reportagem, Luiz Felipe Stevanim nos mostra uma pulsante vida cultural nas favelas, que a violência diária insiste mas não consegue apagar. Jovens nascidos e criados nesses territórios dedicam seu talento na poesia, publicidade, arte de colorir paredes e nas mais diversas formas de criação musical para desconstruir a ideia de favela apenas como “área de risco” e “espaço do crime” e lutar para que as comunidades tenham acesso a educação, saúde, cultura, moradia, transporte, ao direito de viver, relata Luiz. Muitos desses jovens dedicam também a sua formação profissional e acadêmica para lutar contra estigmas e preconceitos e abrir caminho nas universidades para os mais novos. A favela simbólica ou concreta resiste criativa e vive rica em transformações, humanidade e solidariedade.
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