Identificação molecular de espécies de Paracoccidioides em um hospital de referência no estado do Rio de Janeiro: implicações clínicas, epidemiológicas, sorológicas, terapêuticas e prognósticas

Abstract

Introdução: O perfil eco-epidemiológico e clínico da paracoccidioidomicose (PCM) vem apresentando importantes modificações. O agente desta micose sistêmica, historicamente identificado como Paracoccidioides brasiliensis, inclui de fato diferentes espécies filogenéticas reconhecidas e decorrentes de complexo processo de especiação. Torna-se, portanto, necessário avaliar, dentro do contexto médico, se diferentes espécies poderiam influenciar nas formas de apresentação clínica, na interpretação sorológica e na resposta terapêutica da PCM. Considerando-se a importância desta enfermidade como agravo de saúde pública no Brasil, o objetivo deste trabalho é estudar possíveis associações entre estas espécies e variáveis da doença, por meio da identificação molecular das espécies do gênero Paracoccidioides isoladas de pacientes e análise dos correspondentes aspectos clínicos, epidemiológicos, sorológicos, terapêuticos e prognósticos em um hospital de referência no atendimento à PCM no estado do Rio de Janeiro. Métodos: Foram selecionados, retrospectivamente, isolados fúngicos de Paracoccidioides armazenados sob óleo mineral de pacientes atendidos no ambulatório de PCM do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Dados sócio-demográficos, epidemiológicos, clínicos, sorológicos, terapêuticos e prognósticos desta população, registrados em prontuários da instituição, foram coletados para avaliar a associação das variáveis de interesse às espécies fúngicas envolvidas. Estas foram identificadas por meio do sequenciamento parcial do gene codificador do fator de ribosilação do ADP (arf) e do gene codificador da glicoproteína de 43 kDa (gp43), utilizando a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). Resultados: Foram identificados 54 isolados fúngicos de 47 pacientes. Destes, 40 (85,1%) eram do sexo masculino e 7 (14,9%) do sexo feminino. A média de idade foi de 39 anos (mínimo 15 e máximo 62 anos). Sobre o provável local de aquisição da infecção, 34 casos (72,3%) foram associados ao estado do Rio de Janeiro, 5 (10,6%) a Minas Gerais, 1 à Paraíba, ao Piauí e ao Ceará, cada. Em 5 casos (10,6%) não foi possível identificar o local provável da infecção. Com relação às formas clínicas, 28 pacientes (59,6%) apresentaram a forma crônica, 17 (36,2%) a forma aguda/subaguda e 2 (4,2%) a forma mista. A média de tempo de tratamento foi de 25 meses. Cura foi obtida em 30 casos (63,8%). Onze pacientes (23,4%) não completaram o tratamento preconizado e dois ainda estão em tratamento. Quatro óbitos (8,5%) ocorreram, sendo um devido à PCM. Quarenta e um casos foram causados por Paracoccidioides brasiliensis (S1a) e seis por Paracoccidioides americana (PS2). Não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre as duas espécies moleculares analisadas e formas clínicas, bem como demais variáveis estudadas. Conclusões: Pela primeira vez descrevem-se aspectos clínicos e moleculares de uma casuística de PCM no estado do Rio de Janeiro, sendo identificadas P. brasiliensis e P. americana como espécies endêmicas. Nesta região geográfica, P. brasiliensis foi responsável por formas linfoabdominais graves, incluindo esplenomegalia maciça, hipertensão porta e choque séptico fatal. P. americana parece ter tropismo pela glândula suprarrenal, mostrou 100% de reatividade à imunodifusão, mesmo frente a antígenos de outras espécies, além de causar formas agudas, ao lado de P. brasiliensis, em um surto ocorrido nesta região