Norma brasileira de potabilidade: análise das quantidades de agrotóxicos permitidas na água sob a perspectiva da saúde de crianças e adolescentes

Abstract

A norma brasileira de potabilidade da água reconhece que há um grupo de substâncias, dentro do qual estão inclusos os agrotóxicos, que pode representar riscos à saúde da população. Este trabalho se propôs a verificar se os valores máximos permitidos para agrotóxicos na água potável asseguram a saúde de crianças e adolescentes. O estudo consistiu em uma pesquisa documental. Primeiramente, foi feita a caracterização dos ingredientes ativos de agrotóxicos mais vendidos no Brasil no período de 2010 a 2020. Para os ingredientes ativos mais vendidos sujeitos a monitoramento na água potável, foi verificada a classificação quanto a potencial carcinogenicidade e desregulação endócrina. Em seguida, foi apontado o fundamento jurídico que visa a garantir o direito à saúde para crianças e adolescentes. Por fim, os agrotóxicos da norma brasileira de potabilidade foram comparados com os constantes nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde e nas normatizações dos Estados Unidos e da União Europeia. Constatou-se que 12 agrotóxicos que estiveram dentre os mais vendidos no período de 2010 a 2020 constam no padrão de potabilidade da água. Destes 12, 10 (83%) são classificados como desregulador endócrino conhecido ou como possível desregulador endócrino, e 8 (67%) como carcinogênico, provavelmente carcinogênico, ou possivelmente carcinogênico. Esclareceu-se que crianças e adolescentes são detentores de direitos. Entretanto, mostrou-se que, da forma como são calculados, os valores permitidos para agrotóxicos não têm a intenção de protegê-los. Esses valores consideram a massa corporal de um adulto. Logo, as quantidades permitidas de agrotóxicos na água potável são superiores àquelas que o Ministério da Saúde acredita que não acarretaria em risco à saúde de crianças e adolescentes. Ademais, percebeu-se que efeitos graves e irreversíveis à saúde, que podem afetar proporcionalmente muito mais as crianças, como desregulação endócrina, não são considerados no estabelecimento de tais valores. Estes efeitos não possuem limiar de toxicidade. Os resultados do estudo indicaram que é necessário adequar o padrão de potabilidade para agrotóxicos, e orientaram em relação a melhor prática a ser adotada, a saber: a utilização de valores de referência baseados em limites de quantificação de agrotóxicos em água. Estes valores devem ser usados para avaliar, principalmente, o plano de segurança da água e os processos de tratamento dessa água.