Abstract in Portuguese | Contextualização: A epistemologia do armário envolve a compreensão dos diferentes significados desse dispositivo para sujeitos e contextos. Pode ter, ao mesmo tempo, uma função de proteção contra discriminação e violência como ter função de aprisionamento diante da necessidade de manter segredo e invisibilidade de sexualidades dissidentes da heteronormatividade. Converge na perspectiva de controle e, corrobora para processos de negociações entre omitir e revelar identidades. Um desafio posto, frente a tais negociações, está no acesso aos cuidados em saúde, que mesmo sendo legitimado por legislações e Política de Saúde Integral, se dá de forma insuficiente frente às vulnerabilidades de LGBTQIA+. Descrição: Essa experiência se deu, a partir do contato com pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade, em uma unidade prisional no interior do estado do Rio de Janeiro, por meio da oferta de acompanhamento contínuo em cuidados médicos, psicológicos e assistenciais por uma unidade de atendimento ambulatorial e saúde integral LGBTQIA+. No primeiro encontro, oito sujeitos foram atendidos, de forma coletiva, e, não estava explícito qual fora o critério de seleção. Dentre os participantes, percebeu-se a falta de um deles, que, quando questionado, foi justificado pela equipe de saúde que “não era mais gay”. Ao convidá-lo, se uniu ao grupo, e foi pedido para que contasse, caso se sentisse confortável, por que “não era mais gay”: “Eu sou gay sim, mas eu estava fumando muito e estava me fazendo mal. Agora eu estou na cela do pastor, onde eu não tenho acesso ao cigarro e, para ficar lá, eu tive que desistir de ser gay”. Tal situação demonstrou a violação de direito enfrentada, tendo que “voltar para o armário” em detrimento de cuidados em saúde. Outro ponto importante foi o fato de que todos os participantes, sendo gays, bissexuais ou pessoas trans/travestis, faziam o uso de nome social, o que soou com estranheza, uma vez que o uso do nome social tem efeitos para pessoas trans ou travestis, por não se reconhecerem num corpo biológico, elegem se expressar de outra maneira. Entretanto, ao serem indagados sobre o porquê, responderam que, naquela unidade, “só é considerado gay (LGBTQIA+) quem tem nome social e pediu pra colocar no sistema que é gay”. Isso significava dizer que, naquele encontro, por exemplo, somente os “gays” assumidos e que tinham pedido para incluir essa informação no sistema tinham autorização para participar, ainda que o encontro pudesse promover cuidados para homens que fazem sexo com outros homens ou ainda que não se reconheciam ou não falavam abertamente de sua sexualidade. Período de Realização: Novembro/2022 - atual. Objetivos: Promover a oferta de cuidados em saúde para pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade. Resultados: Foi produzido um projeto de intervenção para o trabalho do ambulatório na unidade: encontros mensais para atendimentos individualizados e coletivos, com assistente social e psicóloga do ambulatório, tendo o espaço coletivo como uma proposta de socialização e trocas, e os atendimentos individuais, um espaço para quem desejasse verbalizar questões mais íntimas; atendimento médico pelo endocrinologista do ambulatório, com periodicidade bimensal a fim de acompanhar a hormonização realizada por dois dos sujeitos; estruturação de sensibilização das equipes que compõem a unidade prisional – tanto equipe de saúde, quanto corpo técnico e policial – o que ainda não conseguiu ser finalizado. Aprendizados: Os aprendizados foram sendo constituídos a partir da percepção das vulnerabilidades, onde o armário aparece como dispositivo necessário nas relações sociais, sendo utilizado como estratégia de cuidado em saúde e, ao mesmo tempo, violador de sua sexualidade, tendo este que se submeter à nulidade de suas experiências e relações sexuais e afetivas. Em contraponto, à medida que os usuários são “forçados” a declarar sua orientação afetivossexual e/ou identidade de gênero para terem acesso aos cuidados específicos, o armário também é utilizado, dessa vez como lugar que precisa ser deixado, rompendo com a perspectiva do que é íntimo e privado no contexto da sexualidade / gênero. Análise Crítica: A articulação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT com a Política Nacional de Atenção Integral em Saúde no Sistema Prisional se dá de forma bastante complexa, onde se faz necessária mediação para a garantia mínima de condições de dignidade para esses sujeitos. O sistema prisional apresenta complexidades, onde os profissionais, muitas das vezes são qualificados estritamente para a realização de um trabalho coercitivo e de punição e lidam com sujeitos que, embora sejam autores de crimes ou infrações, não deixam de ser sujeitos de direitos. Nessa vertente, em muitas situações, é comum se observar ações conduzidas por vieses de valores morais e de senso comum. Nesse sentido, faz-se urgente esse espaço de sensibilização proposto para os profissionais e, de fundamental importância, o olhar da especificidade da saúde integral LGBT. | en_US |