Influência da estruturação genética sobre o comportamento de Panstrongylus megistus Burmeister, 1835 (Triatominae: Reduviidae), importante vetor da doença de Chagas no Brasil

Abstract

Panstrongylus megistus, inseto vetor do Trypanosoma cruzi, destaca-se por sua vasta distribuição geográfica, habilidade de invasão e colonização de habitações, além de exibir elevadas taxas de infecção natural. Contudo, sua aptidão para colonizar ambientes artificiais na região Sul do Brasil é limitada, com poucos registros de invasão e colonização documentados na literatura. Esta particularidade levou o pesquisador Samuel Pessoa, em 1962, a propor a hipótese de diferenciação genética entre entre as populações de P. megistus a partir de São Paulo para o Nordeste brasileiro, e as do Sul do País. Apesar de diversos estudos terem sido conduzidos nesse contexto, nenhum deles foi capaz de estabelecer essa correlação. Além disso, persiste uma lacuna de conhecimento significativa sobre a dinâmica populacional, variabilidade genética e fluxo gênico dessa importante espécie. Portanto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a dinâmica populacional e a variabilidade genética de P. megistus no município de Jaboticatubas, Minas Gerais, bem como investigar a variabilidade genética em 15 populações brasileiras distribuídas pelo país, assim como, verificar a existência de diferenças genéticas entre as áreas de ocorrência desse vetor. Para atingir tais objetivos, realizamos a genotipagem de 16 loci de microssatélites específicos para especie, além do sequenciamento da região ITS-2 do DNA ribossomal. Os índices de diversidade genética nas amostras foram avaliados, assim como o teste de AMOVA, os índices de fixação, e o fluxo gênico entre as amostras. Na amostra de Jaboticatubas, a heterozigosidade observada e esperada variaram de 0,26 a 0,47 e de 0,47 a 0,65, respectivamente, com a maioria dos loci apresentando desequilíbrio de Hardy-Weinberg devido ao excesso de homozigotos. O Fst par a par variou de 0,05 a 0,35, enquanto o Fis variou de 0,25 a 0,52, todos com valores de p significativos (≤ 0,05), indicando a ausência de fluxo gênico e a formação de populações estruturadas. Os resultados demonstram o fluxo entre focos silvestres e domésticos de P. megistus na região estudada, e sugerem estabilidade das colônias no ambiente artificial demonstrada através da longa permanência da espécie nesse ambiente, com dispersão rara para outras localidades. Esse comportamento se assemelha ao observado em Triatoma infestans, diferindo de outras espécies. Tais descobertas reforçam a importância de vigilância entomológica contínua nas áreas de ocorrência de P. megistus, visando prevenir a instalação e formação de novos focos de infestação domiciliar. No que diz respeito à avaliação das populações brasileiras IV de P. megistus, a diversidade genética foi mais pronunciada na proveniente do estado de São Paulo, enquanto as amostras da região Sul (Santa Catarina e Paraná) apresentaram os menores índices de diversidade, possivelmente devido a um evento de bottleneck recente. O teste de AMOVA hierarquizado demonstrou uma diferenciação genética significativa (Fct = 0,26; p ≤ 0,05) entre as populações brasileiras, corroborando a hipótese de Pessoa (1962) acerca da existência de diferenças genéticas conforme a região de ocorrência de P. megistus. Este estudo, assim, constitui a primeira confirmação da hipótese de Pessoa, fornecendo informações cruciais sobre a dinâmica de infestação domiciliar pela espécie.