As repercussões psicossociais após o rompimento da Barragem de Fundão em Mariana (MG): contribuições para as práticas de saúde mental e atenção psicossocial em situações de desastres

Abstract

O rompimento da barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco e suas mantenedoras VALE e BHP Billiton, aconteceu em novembro de 2015 em Mariana (MG). Esse desastre causou 19 mortes, uma série de danos materiais e patrimoniais, impactos ambientais ao longo da bacia do Rio Doce e perdas simbólicas, culturais e de vínculos comunitários. A partir desse desastre, famílias sofreram deslocamento forçado dos distritos rurais atingidos para a área urbana do município. O objetivo da pesquisa foi compreender as repercussões psicossociais junto à população atingida durante a fase de recuperação. Foi desenvolvida pesquisa qualitativa utilizando os referenciais teóricos-conceituais da saúde mental e atenção psicossocial, conflitos socioambientais, território, deslocamento forçado e sofrimento social. Foram realizadas observação participante, entrevistas semiestruturadas e grupos focais com pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão, profissionais da atenção primária e trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município. Os resultados apontam para um contexto de rupturas de vínculos familiares e comunitários a partir do processo de desterritorialização e de vivências de hostilização após a mudança da área rural para a área urbana. O sofrimento psicossocial é manifestado de diferentes formas, considerando a singularidade dos processos de elaboração e enfrentamento diante de tantas perdas. A partir do deslocamento forçado, as perdas das referências territoriais afetam o pertencimento, a identidade e as memórias dessa população. O processo de reassentamento e reparação integral que ainda não se concretizou gera novos conflitos e violações de direitos determinando um prolongamento do desastre. Diante desse contexto, a atuação na área de saúde mental e atenção psicossocial em desastres deve considerar o protagonismo e a construção de autonomia junto a essa população. A pandemia do SARS-CoV-2 também aparece enquanto uma sobreposição de sofrimento a esse grupo que já se encontrava vulnerabilizado. Diante desses resultados, é necessário o acompanhamento dos impactos psicossociais a pessoas atingidas por desastres da mineração em uma perspectiva longitudinal com a construção de estratégias alinhadas com as políticas públicas e considerando as especificidades de cada território.