Aborto legal na Estratégia de Saúde da Família: formação e prática da Medicina de Família e Comunidade

Abstract

No Brasil, o aborto é permitido somente em casos de estupro ou risco de vida materna, desde 1940, ou anencefalia, desde 2012. Todavia, o número de abortos legais ainda é inferior à demanda. A Atenção Primária à Saúde (APS) desempenha papel fundamental na garantia de acesso ao aborto legal, por sua capilaridade na comunidade e sua característica longitudinal. A prática médica, no entanto, assim como a organização dos serviços de saúde, é permeada por relações sociais hierárquicas de gênero, raça e classe, que levam a impedimentos práticos ao acesso a este direito reprodutivo. O objetivo principal deste estudo foi analisar a formação e a prática de Médicos de Família e Comunidade (MFC) sobre aborto legal, no âmbito da Estratégia de Saúde da Família. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com nove médicos preceptores e residentes do programa de residência da Clínica da Família Maria do Socorro, localizada na Rocinha, no Rio de Janeiro. Os/as entrevistados/as apresentaram considerável conhecimento a respeito dos aspectos éticos e legais referentes ao aborto no Brasil, e acolhem e acompanham mulheres com gestações não desejadas orientando-as sobre seus direitos reprodutivos. No entanto, têm pouca ou nenhuma experiência com encaminhamento para aborto legal e pouco conhecimento sobre os serviços disponíveis para o procedimento, reflexo, entre outras questões, de falhas estruturais na rede de saúde e da formação médica. O aborto legal, portanto, ainda não é uma prática difundida na rede de atenção à saúde, e poderia tornar-se um direito vivido caso fosse conhecido, acessado e oferecido na APS.