Brechas nas trilhas do cuidado: experiências de profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre o cuidado às mulheres em situação de violência por parceiros íntimos na pandemia da covid-19

Abstract

A violência contra as mulheres por parceiros íntimos é uma situação muito prevalente, estabelecendo-se, portanto, como um problema de saúde pública e de violação de direitos. É fruto de fatores sociais e históricos, que são moldados pela articulação entre o patriarcado, colonialidade, racismo e capitalismo, atravessando principalmente as mulheres negras periféricas. Nesse contexto, a Atenção Primária à Saúde, que atua como espaço estratégico para o acolhimento de mulheres em situação de violências, teve que ser reorganizada para o enfrentamento da pandemia da covid-19, tornando seu acesso mais restrito. Além disso, com o isolamento social e a intensificação das desigualdades, viu-se o aumento da violência doméstica em todo o mundo nesse período. Objetivo: Analisar as experiências das(os) profissionais de saúde da APS no cuidado de mulheres em situação de violências por parceiros íntimos no contexto da pandemia da covid 19. Metodologia: Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, exploratório, utilizando-se de diário de campo e entrevistas semiestruturadas com profissionais de saúde que atuam em uma clínica da família no município do Rio de Janeiro, sob a luz da análise de conteúdo na modalidade hermenêutico-dialética. Resultados: As mulheres negras foram relacionadas como um perfil comum de atendimento, associado aos fatores como baixa escolaridade e dependência financeira e emocional Porém, na pandemia, foi notada diminuição importante no número de atendimentos. No que diz respeito ao cuidado, o tempo restrito da rotina de trabalho foi a principal dificuldade elencada, sendo atribuída à alta pressão assistencial e às múltiplas atribuições implicadas à responsabilidade profissional. Como potencialidades do cuidado foram citadas, dentre outros, os grupos em saúde e atividades intersetoriais. Foi percebida a necessidade de um maior número de dispositivos de apoio no território e mais espaços de educação permanente sobre a temática. Conclusão: A questão de violência contra mulheres por parceiros íntimos ainda representa um grande desafio. É preciso caminhar com ações pessoais e institucionais, vislumbrando a dinâmica de trabalho de um modo mais sustentável na APS. Além disso, faz-se importante a prática do cuidado enquanto ação social, levando em conta, sob a ótica da interseccionalidade, os atravessamentos dos marcadores sociais na vida das mulheres, visando o enfrentamento da questão e a oferta de uma assistência mais equânime para as mulheres, especialmente para as mulheres negras.