Água é vida, privatização é morte: direitos humanos e representações sociais diante da privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário em Ouro Preto, Minas Gerais

Abstract

Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o acesso à água potável e ao esgoto tratado como direitos humanos (Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário – DHAES) e responsabilidade dos Estados. Tal reconhecimento e a progressiva interpretação dos significados desses direitos têm propiciado qualificar o debate acerca dos impactos da privatização dos serviços públicos de água e esgotamento sanitário na fruição dos DHAES. Ao contrário da tendência em outros países, o setor de saneamento no Brasil tem sido alvo de privatizações, inclusive com leilões de companhias estaduais de saneamento na Bolsa de Valores do Brasil – B3. Inserida no rol das privatizações do setor, se encontra a cidade histórica de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais. Possuidora de uma intrínseca relação com a água desde a sua fundação e marcada pela gestão pública dos serviços de água e esgotamento sanitário por três séculos, a cidade vive um cenário de luta popular com vistas à remunicipalização desses importantes serviços privatizados em 2019. Considerando o caso de Ouro Preto como emblemático no contexto da luta contra a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário no país e a relação afetuosa da população com as águas municipais, este estudo teve como principal objetivo identificar e compreender as representações sociais elaboradas e partilhadas por moradores de Ouro Preto e as possíveis influências dessas representações nas atitudes da população contra a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário municipais, além de destacar a importância dos movimentos populares nos processos de remunicipalização dos serviços de saneamento. O corpus da Tese é formado por três artigos científicos e um documentário (produção coletiva e independente), os quais se complementam. As suas respectivas metodologias encontram-se detalhadas em cada uma das produções. Os resultados revelaram que as representações sociais da água para a população de Ouro Preto apresentam-se ancoradas nas histórias de vida das pessoas e na própria história da cidade, bem como em elementos de fé e religiosidade, sendo estruturantes do caminho de lutas dos moradores. Além disso, os participantes objetivaram a privatização desses serviços de como um “grande mal”, ancorando-a às noções de morte, injustiça, risco à saúde pública e violações de direitos humanos, as quais orientam a mobilização popular em prol da remunicipalização. A população de Ouro Preto refuta a privatização de direitos essenciais como o acesso à água e ao esgotamento sanitário - o que foi, também, demonstrado pela mídia regional e por meio do documentário produzido - e acredita que os serviços públicos são mais efetivos para a salvaguarda desses direitos e para promover justiça social e ambiental. Por fim, essa pesquisa destaca o papel da participação dos movimentos populares nos processos de mudanças sociais e na formulação de estratégias para superar desafios que impactam diretamente no território e nos modos de vida das populações, e busca chamar a atenção para a importância da escuta e do reconhecimento de tradições locais e saberes sociais quando da tomada de decisões políticas, como a direção dos serviços de água e esgotamento sanitário.