Análise das discussões dos tribunais brasileiros referentes às queimadas no cultivo da cana-de-açúcar e doenças respiratórias associadas no município de Escada-Pernambuco

Abstract

O monocultivo de cana-de-açúcar ocupa posição central no cenário produtivo da economia extrativista brasileira. A queima prévia da biomassa é prática regular, sazonal e secularmente conservada em Pernambuco, cuja colheita latifundiária é realizada pela força de trabalho humana. As queimadas podem desencadear incêndios de grandes proporções e intensificam problemas de saúde da população. A partir de um estudo epidemiológico do tipo ecológico de série temporal, analisamos a relação entre a queima regular da biomassa da cana-de-açúcar e as hospitalizações por agravos respiratórios no município de Escada-PE. Comparamos as taxas de hospitalizações por agravos respiratórios em crianças menores de 5 anos e em idosos maiores de 60 anos, bem como as correlações das hospitalizações e as ocorrências de focos de calor, a concentração de material particulado de 2,5 micrômetros e a umidade relativa do ar nos municípios caso e controles. Sistematizamos os dados em uma série histórica no período de 2010 a 2019. Paralelamente, realizamos um estudo descritivo por análise documental do conteúdo manifesto em decisões judiciais proferidas por tribunais brasileiros, elaborando-se tabela indicativa do posicionamento mais comum das Cortes em relação à responsabilização dos causadores de queimadas. Para ambos os grupos etários, as taxas de hospitalizações são menores no município produtor de cana-de-açúcar, com diferença estatística significativa (p<0,005). A taxa de internação hospitalar em idosos é mais elevada nos municípios controle, o que sugere maior vulnerabilidade neste grupo etário. Observou-se que, diferente do padrão sazonal das hospitalizações mais prevalentes nos meses de março a julho, a distribuição mensal dos focos de calor no município de Escada concentra-se entre os meses de setembro e fevereiro, não havendo correlação estatística significativa. As baixas taxas de hospitalizações dos grupos vulneráveis no município produtor de cana-de-açúcar sugerem possível subnotificação dos casos, podendo estar relacionada tanto a fatores ambientais quanto sociais. Observou-se que o Poder Judiciário só levou a efeito a condenação à reparação dos danos em 42,86% dos casos. Observa-se a necessidade de substituição das queimadas no monocultivo da cana-de-açúcar, bem como a atuação firme dos órgãos de proteção aos direitos à saúde e ao meio ambiente, fiscalizando a prestação dos serviços de saúde e induzindo a estruturação de políticas públicas de proteção à saúde humana e ambiental nos territórios inseridos na cadeia produtiva sucroenergética.