Please use this identifier to cite or link to this item:
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/67593
'SÓ QUANDO O BARCO VEM': ITINERÁRIO TERAPÊUTICO DE PACIENTES EM SOFRIMENTO PSÍQUICO EM ZONA RURAL RIBEIRINHA DE MANAUS-AM
Duarte, Laísa Arruda Pinheiro | Date Issued:
2021
Advisor
Comittee Member
Affilliation
Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Leônidas & Maria Deane. Manaus, AM, Brasil.
Abstract in Portuguese
Os transtornos mentais são problemas graves de saúde pública, com elevada prevalência e invalidez, principalmente em populações vulneráveis, como os residentes de zona rural. O cuidado para portadores de sofrimento psíquico sofreu alterações a partir da década de 70: no lugar do tratamento hospitalar, passou-se a preconizar o cuidado de base comunitária. No Brasil, esse cuidado é articulado através da Atenção Primária à Saúde e da Estratégia Saúde da Família. Em se tratando de população ribeirinha da Amazônia e do Pantanal, a política nacional oferece a assistência por meio da Equipe de Saúde da Família Fluvial, que se desloca até as comunidades distantes dos centros urbanos nas Unidades Básicas de Saúde Fluvial (UBSF). A literatura acerca do adoecimento psíquico das populações do campo é incipiente, sendo encontrada pouca pesquisa sobre o uso de serviços de saúde, especializados ou da Atenção Básica, pela população da zona rural. O objetivo desta investigação foi analisar acesso e uso de medicações psicotrópicas por população residente em zona rural do município de Manaus, atendida por Unidade Básica de Saúde Fluvial ao longo da calha do Rio Negro. A prescrição de psicofármacos foi utilizada como norteador para captação de pacientes na pesquisa, que foi realizada em duas comunidades cobertas pela UBSF do Rio Negro. Foram conduzidas 13 entrevistas, realizadas com pacientes e familiares. Para análise, foi utilizada a ferramenta dos Itinerários Terapêuticos (IT). Os resultados obtidos demonstram diferentes IT, ocorrendo pouca uniformidade no acesso à primeira prescrição de psicotrópicos. O único paciente portador de transtorno mental grave e persistente identificado na pesquisa acessou o especialista inicialmente na rede de urgência, no hospital psiquiátrico do estado. Três pacientes com transtorno mental comum foram encaminhados ao psiquiatra pela ESF: uma conseguiu consulta na policlínica sem dificuldades; outra precisou dormir na fila para agendamento; o último ainda aguardava atendimento pelo sistema de regulação até a finalização da coleta de dados. O agendamento via regulação foi avaliado negativamente pelos usuários, já que na zona rural não há sinal de telefone, impossibilitando que sejam informados do local e data do agendamento em tempo hábil. A ausência de telefonia também influencia de forma negativa a obtenção de cuidado emergencial: um paciente em crise se deslocará de canoa, num trajeto de 45 minutos sob intempéries, até a zona urbana onde poderá acionar o serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU). Três pacientes tiveram sua primeira prescrição de psicotrópico por neurologista: um através de agendamento pelo sistema de regulação, outras duas através de “conhecidos” que realizaram encaixe na agenda dos médicos. Seis pacientes tiveram sua primeira prescrição de psicotrópicos pela UBSF. No momento das entrevistas, apenas três pacientes estavam em uso corrente da medicação. Dentre os motivos para a interrupção do tratamento, os usuários relataram medo de dependência da medicação; efeitos colaterais; não ter acesso a medicação na zona rural; utilização apenas quando apresentar sintomas. Em algum momento do tratamento, todos os 13 entrevistados tiveram suas receitas prescritas da UBSF. Acerca do cuidado prestado na unidade móvel, foi observado atendimento centrado no médico e no psicofármaco; ausência de articulação com outros pontos da rede de atenção psicossocial e de matriciamento. O CAPS não surgiu nos IT nem no discurso dos pacientes. O estudo não encontrou pacientes refratários ou casos complexos, que necessitassem de tratamento especializado. Questiona-se se estes pacientes migraram para a zona urbana ou não são visualizados pela ESF. Conclui-se que a UBSF oferta suporte a portadores de transtornos mentais comuns e renovação de receitas, mas é necessário ultrapassar o atendimento centrado no médico, uma maior articulação da rede de saúde e fluxo para atendimento especializado adaptado às particularidades da população ribeirinha.
Abstract
Mental disorders are serious public health problems, with high prevalence and disability, especially in vulnerable populations, such as rural residents. Assistance for people with psychological distress has changed since the 1970s: instead of hospital treatment, communitybased care has been advocated. In Brazil, this assistance is articulated through Primary Health Care and the Family Health Strategy. In the case of the riverside population of the Amazon and the Pantanal, national policy offers assistance through the Fluvial Family Health Team, which travels to communities far from urban centers in Fluvial Basic Health Units (UBSF). The literature on the psychic disorder of rural populations is incipient, and little research has been found about the use of health services, specialized or primary care, by the population of the rural area. The objective of this research was to analyze access and use of psychotropic medications by a population living in a rural area in the city of Manaus, assisted by a Fluvial Basic Health Unit along the Rio Negro. The prescription of psychotropic drugs was used as a guideline for capturing patients in this research, which was carried out in two communities covered by the Rio Negro UBSF. Thirteen interviews were used, conducted with patients and family members. For analysis, the Therapeutic Itineraries (IT) tool and was used. The results obtained demonstrate different IT, with little uniformity in access to the first prescription of psychotropic drugs. The only patient with a severe and persistent mental disorder in the research initially accessed the specialist in the emergency room at the state psychiatric hospital. Three patients with common mental disorder were referred to the psychiatrist: one was able to consult at the polyclinic without difficulties; another needed to sleep in the queue for scheduling; the latter was still waiting for assistance through the regulation system. This system was negatively observed by users, since in the rural area there is no telephone signal and they cannot be informed of the place and date of the appointment in a timely manner. The absence of telephony also influences negatively the provision of emergency care: a patient in crisis will travel by canoe to the urban area to activate the mobile emergency care service (SAMU), in a 45-minute journey under inclement weather. Three patients had their first psychotropic prescription by a neurologist: one through scheduling through the regulation system, the other two through “acquaintance” who schedule the doctor. Six patients had their first psychotropic prescription by UBSF. At the time of the interviews, only three patients were currently using the medication. Among the reasons for the interruption of treatment, the following were reported by users: fear of dependence on medication; side effects; not having access to medication in rural areas; use only when you have symptoms. At some point during treatment, all 13 respondents had their prescriptions prescribed by UBSF. Regarding the care provided in the mobile unit, assistance were centered on the doctor and the psychotropic drug; and lack of articulation with other points in the network of psychosocial care. CAPS did not appear in IT or in the speech of patients. The study did not find refractory or complex patients that required specialized treatment. It is questioned whether these patients migrated to the urban area or are not seen by the UBSF. It is concluded that the UBSF offers support to people with common mental disorder and renewal of prescriptions, but it is necessary to overcome the doctor-centered care, and a greater articulation of the health network and specialized care flow, adapted to the particularities of the riverside population.
Share