Nós por nós?” O uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) por favelas cariocas durante a pandemia da COVID-19

Abstract

Apresentação/Introdução: A pandemia de COVID-19, embora tenha sido um fenômeno de escala global, não pode ser traduzido com um “evento universal e homogêneo” (MATTA et al., 2021). De acordo com esses autores, um vírus por si só não faz a pandemia, nem explica o processo saúde e doença presente em diversas realidades, sendo necessário promover “relações com outros marcadores sociais, como raça, gênero, classe social, sexualidade, territórios e dinâmica social e econômica.” (MATTA et al., 2021, p. 15). Ao trazer essa reflexão para realidade brasileira, é preciso considerar como a COVID-19 foi vivenciada pelas diversas regiões do país, uma vez que fenômeno pandêmico evidenciou as desigualdades sociais já existentes. As populações vulnerabilizadas foram afetadas de forma extremamente negativa, seja logo no momento da exposição ao vírus, quanto no acesso ao diagnóstico e tratamentos, agravada pelas condições de vida como a falta de habitações adequadas, água e saneamento, de alimentação e de nutrição apropriadas, de acesso à informação e comunicação etc. Para agravamento da experiência pandêmica, o Brasil ainda conviveu como a gestão do presidente Jair Bolsonaro, um governo marcado pelo desmonte de políticas públicas, negacionismo e muita desinformação, ou seja, pelo desrespeito a três direitos fundamentais: à Saúde; à Informação e à Comunicação. Este trabalho pretende analisar o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) por coletivos de favelas no primeiro ano da pandemia de COVID-19, tendo como corpus desta pesquisa, as informações específicas obtidas na Plataforma Wiki Dicionário de Favelas Marielle Franco, cujo período de coleta foi entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. Objetivos: Pretende-se investigar “se e o quanto” o uso das TICs por favelas cariocas deu conta de enfrentar a pandemia diante da falta de informações de interesse público relacionadas aos impactos da COVID-19 nas favelas, não cobertas pelas mídias comerciais, e agravadas pela ausência de uma Política Pública de Comunicação na realidade brasileira. Metodologia: O ambiente escolhido para esta pesquisa foi a Plataforma Wiki Dicionário de Favelas Marielle Franco que é “uma plataforma virtual de acesso aberto para a coleção e produção de conhecimentos sobre favelas e periferias.” Primeiro, procurou-se compreender a estrutura do Dicionário. Foi observado que ele apresenta 4 Eixos de Análise e estes são compostos por verbetes (conteúdos de diversos formatos). A análise foi realizada a partir das informações contidas no verbete “Painéis Covid nas Favelas”, situado no Eixo Temático “Coronavirus”. Para a sistematização das informações foi elaborado um quadro que permitisse visualizar o tipo de mídia utilizada, autoria, data de criação, objetivos, a fonte dos dados e a última atualização de cada painel. Resultados e discussão: Foram identificados 9 painéis, sendo 6 plataformas e, os demais, outras mídias digitais como aplicativo WhatsApp, questionários e gráficos on-line. O período de criação dos painéis concentrou-se no início do primeiro ano da pandemia (março e abril de 2020), com objetivos semelhantes de mapear/ informar os casos confirmados/prováveis e mortos por COVID-19 nas favelas. A atualização dos mesmos ocorreu até o final de 2020, com exceção do “Painel Unificador COVID-19 nas Favelas” (criado em julho/2020 e atualizado até novembro/22). Sobre a autoria dos painéis: 5 foram criados por coletivos locais, 01 organizado pela instituição sem fins lucrativos ComCat e os demais por iniciativas de profissionais de saúde das Clínicas da Família locais. Todos os painéis foram alimentados por informações enviadas pelos moradores e/ou dados provenientes de páginas oficiais de órgãos públicos de saúde. Conclusões/Considerações finais: A pandemia de COVID-19 afetou a todos, mas não foi de forma homogênea, sobretudo em relação aos grupos em situação de vulnerabilidade, em particular nesse estudo, os moradores de favelas. Para Borges, Stevanim e Murtinho (2021), a pandemia de COVID-19 pode ser considerada um problema da Comunicação, principalmente para os mais pobres, porque além da falta de condições básicas de vida, tornou-se mais evidente para eles o impacto da ausência de políticas democráticas de comunicação e informação. No caso da nossa investigação, as TICS foram utilizadas como resposta imediata diante da ausência da Política de Comunicação Pública e de informações específicas sobre as realidades das favelas não veiculadas pela grande mídia tradicional. Contudo, apesar do esforço dos coletivos locais na mobilização da construção de estratégias próprias utilizando tecnologias de comunicação e informação, o uso de tais recursos pelos moradores carece de condições como: a garantia de uma internet gratuita e de qualidade, um trabalho de literacia, etc. Sob essa ótica, reforça-se a implementação de uma Política Pública de Comunicação, a fim de que seja garantido a voz e a cidadania da população favelada.